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Maioridade penal e responsabilidade social

Nos tempos hodiernos nota-se a majoração substancial da criminalidade, que transcende os níveis de admissibilidade e materializa-se a banalização da vida humana em cenários hediondos não mais admissíveis nas sociedades democráticas que trazem como pressuposto a dignidade da pessoa humana.

1/3/2007


Maioridade penal e responsabilidade social

Marcelo Bettamio*

Nos tempos hodiernos nota-se a majoração substancial da criminalidade, que transcende os níveis de admissibilidade e materializa-se a banalização da vida humana em cenários hediondos não mais admissíveis nas sociedades democráticas que trazem como pressuposto a dignidade da pessoa humana.

Em passado próximo, vivenciamos atos de violência que ceifaram a vida de uma criança, de forma bárbara, fomentando sentimentos apaixonados de exigência aos agentes públicos de respostas imediatas e proporcionais aos executores de crimes que encontram-se em idade biológica de inimputabiliddade penal.

O nosso ordenamento jurídico-penal somente considera imputável o agente com 18 (dezoito) anos de idade, sendo aplicado aos menores infratores entre 12 (doze) e 17 (dezessete) anos, as medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Trata-se de modo inconteste de um problema social gravíssimo que precisa ser superado mediante o aprimoramento do sistema e de uma busca infindável das soluções efetivas das causas da criminalidade, evitando-se de todo modo não atenuar-se apenas os seus efeitos, mediante a maximização das exclusões em cárceres que não ressocializam no plano fático.

O Poder Judiciário atua de forma supletiva, porém, é notório que crianças e adolescentes envolvidos em crimes são integrantes de famílias desagregadas, de parcos recursos financeiros e de nível ínfimo de escolaridade, não sendo portanto um problema jurídico.

A sociedade brasileira precisa assumir uma posição em relação as suas crianças, que diariamente são violentadas em seus direitos fundamentais, tais como o de educação, saúde, habitação e principalmente a dignidade humana.

Não podemos mais plantar marginais e esperar que venhamos colher cidadãos, precisamos todos nós, consortes da sociedade brasileira, assumir-mos que precisamos cuidar destas crianças, geração em formação, proporcionando-lhes condições materiais e intelectuais mínimas, para se formar uma geração com princípios éticos e humanísticos, pois somente assim se respeitará o direito e principalmente a vida alheia.

Sob este prisma, infere-se que o problema é demasiadamente complexo para ser resolucionado com privação de liberdade.

As sociedades democráticas já superaram o “olho por olho, dente por dente”, certo que não podemos confundir o sentimento de vingança com o sentimento de justiça.

O parlamento em conseqüência de tais fatos sente-se extremamente pressionado em dar respostas imediatas para seus mandatários, mediante o recrudescimento das penas e da possibilidade da modificação da idade para imputabilidade penal prevista no artigo 228 da Constituição Federal (clique aqui).

Compreendo que trata-se de cláusula pétrea, versando sobre o direito fundamental de liberdade, que no plano jurídico-constitucional, somente poderá ser objeto de modificação através de uma nova Assembléia Nacional Constituinte, cuja constitucionalidade certamente será objeto de apreciação da Corte Suprema.

Os diplomas legais vigentes em nosso sistema normativo são modernos e trazem respostas para os desvios de conduta de menores se aplicados corretamente nos casos concretos, isto é, com o comprometimento de se lapidar o menor que incidentalmente claudicou na arte do bom proceder.

Precisamos acreditar na ressociabilização do ser humano, mediante adoção de veraz inserção social gerada por políticas públicas efetivas.

Adversamente, a exclusão dos menores em penitenciárias somente potencializará sentimentos de injustiça e de estigmas geradores de preconceitos e marginalização, cujos efeitos serão voltados contra a própria sociedade.

O Estado Democrático de Direito tem como fundamento a dignidade da pessoa humana (CF art. 1, inc.III), fundamento este que não está encontrando incidência no plano realístico, estando mais que na hora das proposições pragmáticas da Carta Política serem aplicadas pelo Estado para a formação das próximas gerações que precisam de luzes e principalmente de liberdade.

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*Advogado do escritório Marcelo Bettamio Advocacia.

 

 

 

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