Sob a coordenação do professor Hélio Zylberstajn da Universidade de São Paulo, um grupo de especialistas em relações do trabalho publicou um livro que apresenta um novo modelo de sindicalismo para o Brasil.1 Os seus autores tiveram a difícil missão de estruturar um sistema de plena liberdade para os sindicatos laborais e empresariais. Trata-se de uma tarefa desafiadora, pois, vários outros temas têm de ser acertados para que os sindicatos cumpram a sua principal missão que é a de negociar as condições de trabalho. Este artigo apresenta as ideias centrais do livro.
No modelo proposto, a passagem de um regime de unicidade para o de pluralidade sindical seria voluntária e definida pelos próprios sindicatos, federações, confederações e centrais sindicais. Se determinada confederação preferir manter o atual sistema de unicidade sindical hierarquizada como é hoje, poderá fazê-lo, mas não com base na lei e sim ancorada em atos voluntários e aprovados pelos seus representados.
E para os que não quiserem continuar nesse sistema? Nesse caso, trabalhadores e empresários poderão criar entidades sindicais que, a seu critério, sejam as mais adequadas aos seus interesses –, todas simplesmente registradas em cartório civil. Para tanto, as entidades sindicais têm de ser “representativas”. A representatividade é definida pelo número de representados a elas filiados e que estejam adimplentes com sua contribuição associativa.
Nesse modelo, as entidades sindicais podem ser criadas por estabelecimento, empresa, ramo, setor e outros critérios – até mesmo por profissão. Desaparecem as noções de categorias profissionais e econômicas simétricas que hoje constam do quadro básico de enquadramento sindical na CLT. Das assembleias que tratam das negociações coletivas podem participar e votar filiados e não filiados das entidades sindicais. Isso não se aplica às entidades empresariais que só podem negociar para os seus filiados.
Uma vez criadas as entidades sindicais representativas, resta saber quem negocia com quem. Mais uma vez, a proposta do livro vai pelo caminho da liberdade: compete às partes definir o âmbito da negociação coletiva – chamada de “unidade de negociação” – que, novamente, pode ser por estabelecimento, empresa, ramo, setor –, de amplitude local, estadual ou nacional. A definição da unidade de negociação seria fruto de uma negociação prévia entre as partes. Ela variaria de tempos em tempos, o que exigeria uma nova negociação entre as partes.
Uma vez estabelecida a unidade de negociação, as entidades sindicais representativas apresentam suas propostas e contrapropostas. No caso de surgir algum impasse de natureza jurídica, o assunto seria levado à Justiça do Trabalho. Mas, no caso de impasse de natureza econômica, o assunto seria decidido pelas próprias partes, com o direito a greve e locaute. Se quiserem, as partes podem aprovar para si mesmas regras para a condução das negociações coletivas, para a governança das regras negociadas e da própria solução de conflitos.
Para contemplar as novas formas de trabalhar, a proposta do livro vislumbra a concessão de direitos negociais para trabalhadores autônomos de vários tipos, inclusive, os que operam por plataformas de aplicativos.
Todas essas propostas são bastante complexas nos seus detalhes, o que pode ser apreciado no livro citado. Mas, o tema mais controvertido é o do financiamento das entidades sindicais.
O livro trata os resultados das negociações coletivas como “bens públicos”, ou seja, afetam a vida de todos que são beneficiados pelos respectivos contratos coletivos de trabalho. Por essa razão, os beneficiários, filiados e não filiados às entidades sindicais, têm de colaborar para o sustento das mesmas, pois, afinal, elas negociam para todos os integrantes da unidade de negociação.
Os autores do livro sequer cogitaram da reedição do imposto sindical obrigatório que vigorou no Brasil por mais de 75 anos. Ao contrário, na sua proposta, a Constituição Federal fixaria que as entidades têm o direito de cobrar dos beneficiários uma contribuição adstrita às despesas das negociações coletivas.
Para evitar abusos, a referida regra exige que o valor da contribuição negocial não poderia ser maior do que o da contribuição associativa. Se uma entidade sindical vier a fixar um valor muito baixo para a contribuição associativa com o intuito de atrair muitos filiados (o que ajudaria na determinação da sua representatividade), a contribuição negocial, por consequência, será bastante reduzida. No caso de fixarem um valor muito alto, a entidade sindical correrá o risco de ter poucos filiados e perder a força da representatividade.
Em suma, o modelo proposto é muito original embora incorpore vários elementos dos sistemas de negociação coletiva praticados em países avançados. Ele terá de ser bem compreendido e aceito por trabalhadores e empresários, antes mesmo da apreciação dos parlamentares. Recomendo a leitura desse livro para todos os que se interessam pelo tema das relações do trabalho no Brasil.
1 Alencar N. Rossi e colaboradores, Liberdade sindical e negociação coletiva: uma proposta para o Brasil, São Paulo: Editora Mizuno, 2021.