Em 2/12/21, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça concluiu o julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial 1.213.143/RS para decidir, por quatro votos a três, pelo direito do contribuinte ao creditamento de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) oriundo da aquisição de insumos aplicados na industrialização de produtos não tributados.
Esta decisão é importante para os contribuintes de IPI, pois a jurisprudência pacífica anterior do Superior Tribunal de Justiça entendia que a lei somente permitia a utilização de créditos de IPI pela aquisição de insumos, quando aplicados na fabricação de produtos isentos ou tributados à alíquota zero.
Dessa forma, de acordo com o novo entendimento, é permitido o creditamento de IPI de insumos utilizados na industrialização de produtos isentos, tributados à alíquota zero e não tributados.
Para melhor entender o que mudou, faz-se necessária uma análise do que seria isenção, alíquota zero e não tributação.
A obrigação tributária nasce com a ocorrência, no plano fático, do que o legislador elegeu como hipótese de incidência tributária. Diz-se, então, que ocorreu o fato gerador do tributo.
No caso do IPI, a hipótese de incidência está prevista no artigo 461 do Código Tributário Nacional, observando-se os produtos que se encontram no campo de incidência disposto na Tabela do IPI (TIPI).
Nesse contexto, no caso da não tributação, tem-se que o produto não está no âmbito de incidência tributária, o que culmina na inexistência de obrigação tributária principal.
Já na hipótese da alíquota zero, como o próprio nome esclarece, o produto está no âmbito de incidência tributária, mas lhe foi atribuída alíquota zero na TIPI, quando da quantificação do valor de tributo que seria devido.
E, por último, a isenção é hipótese de exclusão do crédito tributário, conforme preleciona o artigo 1752 do Código Tributário Nacional. Desse modo, o fato estaria dentro da hipótese de incidência, mas o legislador opta por criar uma norma isentiva que o retira do campo de incidência tributária.
Nessa linha de intelecção, a alíquota zero e a isenção exigem a manutenção do cumprimento da obrigação acessória, mas o resultado prático é o não pagamento de tributo. Enquanto isso, na não tributação nunca ouve obrigação tributário para aquele fato/produto.
Feitos tais esclarecimentos, verifica-se que o objeto de análise dos Embargos de Divergência no Recurso Especial 1.213.143/RS foi o artigo 113 da lei 9.779/99, segundo o qual o saldo credor de IPI, acumulado em cada trimestre-calendário, decorrente da aquisição de insumo e aplicado na industrialização, inclusive de produto isento ou tributado à alíquota zero, que o contribuinte não puder compensar com o IPI devido na saída de outros produtos, poderá ser objeto de restituição e de compensação com débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal.
Assim, de acordo com a tese vencedora, oriunda da divergência aberta pela ministra Regina Helena da Costa, a expressão “inclusive” consignada pelo artigo 11 da lei 9.779/99 não exclui a possibilidade de concessão do benefício fiscal no caso de produto não tributado, pois indica a existência de outras possibilidades não expressamente citadas pela lei.
Depreende-se da tese vencedora, portanto, que o artigo 11 da lei 9.779/99 não é taxativo, mas, sim, traz hipóteses exemplificativas para permitir o creditamento de IPI e a compensação do saldo credor com débitos de quaisquer tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal, se o contribuinte não conseguir compensar com o IPI devido na saída de outros produtos.
Assim, um exemplo que também poderá ser abarcado pelo artigo 11 da lei 9.779/99 é a imunidade tributária, a qual estabelece limitações ao poder e à competência de tributar. Suas hipóteses encontram-se elencadas na Constituição Federal.
Em nossa opinião, é louvável o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, que vem a garantir o respeito ao princípio da não cumulatividade tributária, previsto no artigo 153, § 3º, inciso II4 da Constituição Federal. Isso porque, se os contribuintes não pudessem se creditar do IPI oriundo das operações anteriores, teriam que arcar com toda a carga tributária do imposto, o IPI da entrada dos insumos viraria custo e, portanto, integraria o preço dos produtos finais. O resultado seria um contrassenso: por exemplo, produtos que a Constituição Federal tornou imunes do IPI seriam onerados pelo repasse do custo do estorno dos créditos de IPI.
Portanto, com o julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial 1.213.143/RS espera-se que a sua ratio decidendi pela não taxatividade das hipóteses previstas no artigo 11 da lei 9.779/99 venha a beneficiar contribuintes com outras hipóteses além da não tributação, como, por exemplo, com operações com produtos imunes.
1 Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador:
I - o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira;
II - a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51;
III - a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.
Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo.
2 Art. 175. Excluem o crédito tributário:
I - a isenção;
II - a anistia.
Parágrafo único. A exclusão do crédito tributário não dispensa o cumprimento das obrigações acessórias dependentes da obrigação principal cujo crédito seja excluído, ou dela conseqüente.
3 Art. 11. O saldo credor do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, acumulado em cada trimestre-calendário, decorrente de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, aplicados na industrialização, inclusive de produto isento ou tributado à alíquota zero, que o contribuinte não puder compensar com o IPI devido na saída de outros produtos, poderá ser utilizado de conformidade com o disposto nos arts. 73 e 74 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, observadas normas expedidas pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda.
4 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
(...)
§ 3º O imposto previsto no inciso IV:
(...)
II - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores;