Há muito tempo se discute o momento em que deve ocorrer a tributação pelo IRPJ e CSLL das receitas decorrentes de créditos tributários a restituir reconhecidos em decisões judiciais.
Recentemente, o tema adquiriu ainda maior relevância, tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal (STF) pôs fim à discussão sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, ao julgar os embargos de declaração da União Federal no Recurso Extraordinário 574.706. Com a conclusão do julgamento, muitos contribuintes que possuíam decisões judiciais transitadas em julgado reconhecendo o direito à restituição de PIS e Cofins optaram por pedir restituição ou compensação administrativamente, ao invés de aguardar a execução do julgado e o pagamento do crédito reconhecido por meio de precatório.
Diante dos valores elevados a serem restituídos, os contribuintes têm consultado a Receita Federal ou recorrido ao Judiciário para obter resposta sobre o momento em que deve ser reconhecida a receita decorrente do indébito tributário objeto de decisão judicial transitada em julgada.
Assim, no último dia 15 de dezembro, foi publicada a Solução de Consulta Cosit 183/21, que esclareceu o posicionamento da Receita Federal sobre o momento em que deve ser oferecida à tributação a receita decorrente do valor do indébito tributário.
Para o órgão, o crédito de PIS e Cofins deve ser oferecido à tributação do IRPJ e da CSLL no mês em que ocorrer o trânsito em julgado da sentença que tiver definido o valor a ser restituído. Na hipótese de compensação do crédito decorrente de decisões judiciais transitadas em julgado nas quais não tenha sido definido pelo juízo os valores a serem restituídos, o período em que tal crédito deve ser levado à tributação é o da entrega da primeira Declaração de Compensação, com a informação do valor integral do crédito a ser utilizado para compensação, sob condição resolutória de posterior homologação.
No que se refere ao momento da tributação do crédito objeto de decisão judicial transitada em julgado, em que já estiver definido o valor a ser restituído, o posicionamento da Receita Federal reitera o que já fora expresso no Ato Declaratório Interpretativo SRF 25, de 24 de dezembro de 2003, no sentido de que, pelo regime de competência, a receita é tributável pelo IRPJ e pela CSLL na data do trânsito em julgado da sentença.
A novidade trazida com a SC Cosit 183/21, portanto, se restringe aos casos em que a decisão judicial definitiva não explicita os valores a serem restituídos, que, então, são quantificados e informados pelos contribuintes à Receita Federal com a formalização do Pedido de Habilitação de Crédito de Decisão Judicial Transitada em Julgado e, depois, declarados no pedido de restituição e compensação (PER/DCOMP).
Ao longo dos anos, os contribuintes buscaram na Justiça obter provimento quanto ao momento em que a receita decorrente do direito creditório declarado judicialmente deve ser reconhecida para fins de tributação. O Judiciário, no entanto, proferiu decisões em diversas direções, para estabelecer que a tributação ocorre (i) ou no período a que se referir a data do trânsito em julgado, (ii) ou no momento da habilitação do crédito perante a Receita Federal, (iii) ou na data de transmissão do PER/DCOMP ou, por fim, (iv) no período a que se referir a data da ciência da decisão da autoridade fiscal que reconhecer o montante do crédito pleiteado e homologar a compensação.
Como é sabido, as pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real devem reconhecer suas receitas e despesas pelo regime de competência, ou seja, no período de sua realização, independentemente do efetivo recebimento das receitas ou do pagamento das despesas. Por sua vez, o fato gerador do IRPJ é a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda e proventos e a tributação deve ocorrer ainda que não tenha havido o ingresso financeiro das receitas reconhecidas. Quanto à CSLL o fato gerador é a apuração do lucro líquido.
Até a publicação da SC Cosit 183/21, o entendimento da Receita Federal era o de tributar a receita no período de apuração em que ocorresse o trânsito em julgado da sentença1.
O fundamento adotado era que a decisão transitada em julgado, por sua natureza de título executivo judicial, líquido e certo, caracteriza a disponibilidade econômica e jurídica de renda, que constitui fato gerador do IRPJ e, consequentemente, para a apuração do lucro líquido, fato gerador da CSLL.
Esta interpretação, inclusive, encontra amparo em precedentes dos Tribunais Regionais Federais da 1ª, 2ª, 4ª e 5ª Regiões2.
No entanto, a liquidez e certeza quanto ao valor do crédito na data em que ocorrer o trânsito em julgado não é a realidade: primeiro, porque nem sempre este valor é definido no processo judicial, a depender da liquidação de sentença; segundo, porque para obter-se na esfera administrativa a restituição/compensação do crédito cujo direito foi judicialmente reconhecido, os contribuintes têm que formalizar o Pedido de Habilitação de Crédito Reconhecido em Decisão Judicial Transitada em Julgado. Após o deferimento desse pedido ainda é exigida a transmissão de PER/DCOMP, submetido à apreciação da autoridade fiscal para o reconhecimento, ou não, do crédito pleiteado.
Há também decisões estabelecendo que o reconhecimento da receita para fins de tributação se dá quando proferido o Despacho Decisório deferindo o crédito pleiteado em PER/DCOMP e homologando as compensações3. O fundamento é exatamente em razão de que só com o deferimento pela Receita Federal do crédito e a homologação da compensação é que o crédito do contribuinte se torna líquido e certo, tanto mais porque, antes desse pronunciamento da autoridade fiscal, não há certeza que o crédito será ou não reconhecido.
Ainda, decisões foram proferidas estabelecendo que a receita deve ser tributada quando da transmissão do PER/DCOMP4 pois, nesta data é que o crédito total é efetivamente utilizado para compensação de débitos próprios do contribuinte, sob condição resolutória. Neste sentido, então, é que econômica e juridicamente há disponibilidade da renda, uma vez que a utilização do crédito total para quitar a obrigação, produz, desde já, efeitos na apuração do resultado, o que parece ser a interpretação mais adequada da legislação tributária.
Embora a interpretação da Receita Federal expressa na SC Cosit 183/21 mostre evolução em relação ao entendimento verificado em soluções de consulta anteriores sobre o tema, esta manifestação ainda é, a nosso ver, sujeita a críticas, na medida em que determina que o valor total do crédito deve ser reconhecido, para fins de IRPJ e CSLL, no momento da transmissão do primeira declaração de compensação, ainda que não se utilize de imediato o crédito integral para quitação de débitos do contribuinte.
Os créditos decorrentes da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e Cofins, de modo geral, representam valores relevantes para as empresas, que, por sua vez, não possuem débitos de igual valor, de forma a possibilitar que a totalidade do crédito seja utilizado com a formalização de uma única PER/DCOMP. Ao contrário, a maior parte das empresas pretende efetuar diversas compensações ao longo de certo tempo, conforme os débitos forem surgindo, até esgotar a totalidade do crédito a que fazem jus.
Dessa forma, a interpretação da Receita Federal expressa na SC 183/21 impõe aos contribuintes o ônus de oferecer à tributação pelo IRPJ e CSLL, de uma só vez, a integralidade do crédito judicialmente reconhecido, ao ser informado no PER/DCOMP, ainda que neste só venha a ser parcialmente utilizado para a compensação de débitos no mesmo período, sendo que, inclusive, pode vir a ser indeferido por despacho decisório proferido após o transcurso de até 5 anos, prazo de que dispõe a Receita Federal para apreciar o pedido.
Diante disto, embora a Receita Federal tenha fixado quando devem ser reconhecidos os créditos decorrentes da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e Cofins, para fins de tributação pelo IRPJ e pela CSLL, a tendência é que os contribuintes continuem buscando o Judiciário, agora também para questionar a interpretação adotada pela SC 183/21.
2 Processos nº 5004097-22.2019.4.02.5101/RJ, nº 5035622-22.2019.4.02.5101/RJ, nº 2007.38.00.008145-3/MG, nº 5017168-33.2019.4.04.7107/RS, nº 0800221-81.2020.4.05.8500.
3 Processos nº 500708-42.2020.4.03.6111 e nº 5004691-74.2019.4.03.6114
4 Processo nº 5009102-17.2019.4.03.6000