Embora a contrafação, popularmente conhecida como pirataria seja um crime culturalmente validado pela sociedade, em vista de parecer, num contexto geral um crime inofensivo quando se trata da falsificação de calçados e roupas, tem sido considerado por especialistas o crime do século, movimentando atualmente mais recursos que o narcotráfico.
O que muitos desconhecem, é que nenhuma indústria fica imune à pirataria. Onde o infrator vislumbrar possibilidade de lucro, haverá falsificação. Em alguns casos o perigo envolvido nesta prática de crimes é eminente e pode ser letal para quem é vítima da atividade ilícita. Com a indústria especializada em medicamentos não poderia ser diferente.
A indústria farmacêutica é responsável pelo desenvolvimento, produção e comercialização de diversos tipos de insumos e medicamentos, sejam eles para uso terapêutico ou profiláticos, que variam de um simples componente para alívio de dores de cabeça a medicamentos de alto custo para tratamento de tumores e doenças gravíssimas. Tamanha a importância desta indústria que, no que concerne à aplicação de marcas para registro, esta, por sua vez, representa 7% da totalidade de pedidos mundiais1.
Face à expressiva participação no comércio e a sua importância para o tratamento e manutenção da longevidade da população, a contrafação de medicamentos deve ser considerada uma problemática global que demanda essencial cautela, posto que põe em xeque a saúde de milhares de indivíduos, que muitas vezes se utilizam de produtos cuja procedência é danosa sem ao menos desconfiarem.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), um medicamente pode ser definido como contrafeito quando for fabricado abaixo padrões de qualidade estabelecidos e, portanto, ser ineficiente no tratamento de doenças e/ou gerar perigo à saúde de seus usuários2.
Na concepção de Harvey Bale, Diretor-Geral da Federação Internacional de Associações de Fabricantes Farmacêuticos, a contrafação de medicamentos farmacêuticos pode ser aplicada tanto à marca, aos produtos originais e aos produtos genéricos. “Geralmente, estes produtos contrafeitos podem incluir ingredientes corretos ou ingredientes errados, ou não conter ingredientes ativos, com quantidades corretas ou com falso empacotamento”3. Bale também pontua que a contrafação de medicamentos é grave ameaça à saúde pública, e, por óbvio, muitas vezes supera os danos causados às receitas empresariais.
Pelo que dispõe o artigo 273 do Código Penal, a falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais constitui crime passível de reclusão e multa dos envolvidos
Com a promulgação da lei 9.677/98, a falsificação de medicamentos foi inserida no rol de crimes hediondos. Isso significa que o crime é considerado, portanto, de extrema gravidade, recebendo pela legislação vigente (art. 273, caput e § 1º, §1º-A, § 1º-B, do CP), um tratamento mais rígido que as demais infrações penais.
É também um crime inafiançável. Possui com pena máxima de 15 anos de reclusão, com agravantes em caso de morte ou sequelas para os pacientes, não se descartando a responsabilidade criminal pelo resultado causado a cada uma das vítimas. Isso sem mencionar o concurso de crimes que podem ser adicionados a este, agravando a pena do infrator, tais como o estelionato, crimes contra a ordem tributária e afins.
E não poderia ser diferente, já que estes produtos oferecem imenso risco à saúde do consumidor. Afinal, podem possuir substâncias tóxicas e ativos farmacêuticos em quantidades completamente fora dos padrões essenciais de qualidade, eficácia ou segurança.
Podem não conter a substância ativa do original, empregando algo inócuo, como uma farinha qualquer, ou conter uma substância que pode ser muito prejudicial à saúde do consumidor.
Em ambas as situações, ingerir estes medicamentos seria um desastre e até letal para o consumidor. Isso porque no primeiro caso, o remédio não fará efeito, podendo prolongar a enfermidade e até levar o paciente doente ao óbito do paciente. Na segunda, além de a enfermidade ficar sem controle, o corpo ainda corre o risco de sofrer o ataque de um composto nocivo e desconhecido.
Estimativas obtidas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (Organization for Economic Co-operation and Development, em inglês) demonstram que entre 72 mil e 169 mil crianças podem morrer de pneumonia todos os anos após receberem medicamentos falsificados, e que medicamentos antimaláricos contrafeitos são responsáveis por um adicional de 116.000 mortes4.
Nesse sentido, é imprescindível compreender o que induz a contrafação de medicamentos, dado o ensejo à danos à saúde de seus consumidores finais ou a falha no tratamento adequado de suas necessidades médicas.
Quatro fatores influenciam diretamente o mercado de contrafação de medicamentos. São eles: (i) a baixa anuência ao cumprimento dos regulamentos sanitários e farmacêuticos, que, por conseguinte, fomenta a exploração da falta de fiscalização por parte das empresas e indivíduos; (ii) a negociabilidade dos preços dos medicamentos; (iii) a facilidade de inserir um produto contrafeito em um sistema logístico de abastecimento, haja vista a inconsistência na utilização, qualidade ou autenticidade das informações concernentes aos medicamentos; e (iv) a procura dos consumidores por medicamentos de baixo custo.
Embora seja difícil conter a distribuição destes medicamentos, a ANVISA atenta para algumas dicas na hora de adquirir esses produtos:
- Compre sempre em drogarias credenciadas e confiáveis, nunca em mercados, camelôs etc;
- Exija sempre a nota fiscal do produto;
- Verifique se na embalagem do medicamento, consta o número do registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)/Ministério da Saúde;
- Na embalagem deve conter o nome do farmacêutico responsável e seu número de CRF
- A embalagem deve estar em bom estado de conservação. Embalagens com más impressões geralmente não passam no controle de qualidade das farmacêuticas e são descartadas.
- Na embalagem deve conter o número do SAC da farmacêutica, o número de lote e data de validade impressos, coincidindo com as informações disponibilizadas no produto;
- O medicamento deve conter em sua embalagem, o selo de segurança, que ao ser raspado com um objeto de metal, mostra a palavra qualidade e a marca do fabricante;
- As informações disponibilizadas na embalagem devem ser legíveis;
- O medicamento deve estar lacrado e apresentar bula em português.
Caso o consumidor se depare com medicamentos que destoem das informações mencionadas acima, é possível também auxiliar as autoridades no combate a prática deste crime, denunciando na própria central de atendimento ao cliente do fabricante, na Secretaria de Saúde da cidade ou na Ouvidoria da própria Anvisa. É importante fornecer todas as informações disponíveis, incluindo o nome do produto e do fabricante e o local de aquisição, bem como, se possível, uma amostra para que as ações cabíveis sejam adotadas.
A informação é o melhor remédio para evitar fraudes. É indispensável portanto, que o consumidor se atente e não seja ludibriado pelo preço atrativo do medicamento. Por fim, a denúncia é imprescindível para que as autoridades possam tomar providências cabíveis para remover o produto suspeito do mercado, bem como para investigar a sua origem. Esta denúncia, em se tratando de medicamentos, pode salvar uma vida.
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1 ORGANIZATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Counterfeiting, Piracy and the Swiss Economy, Illicit Trade, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/1f010fc9-en. 2021, p. 66.
2 World Health Organization. Medicines: spurious/falsely-labelled/falsified/counterfeit. 2012. Disponível em: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs275/en/index.htm. Acesso em: 29 out. 2021.
3 BALE, Harvey. Pharmaceutical counterfeiting: Issues, trends, measurement.
4 ORGANIZATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD/EUIPO). Trade in Counterfeit Pharmaceutical Products, Illicit Trade, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/a7c7e054-en. 2020, p. 12.