Migalhas de Peso

O contrato de namoro é necessário?

Visa-se compreender o contrato de namoro e se seria realmente necessário firmá-lo, visto que, o amor tornou-se líquido.

29/12/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Antigamente, pelo menos no Brasil, as pessoas casavam para namorar, todavia, a sociedade está em constante mudança – lenta e gradual. Alguns ainda acreditam que o namoro é uma característica visível no casamento, outros acreditam que é necessário namorar para casar, como se fosse uma etapa fundamental.

Para o cristianismo, segundo Caio Mário, o casamento ocorre quando “um homem e uma mulher selam a sua união sob as bençãos do céu, transformando-se numa só entidade física e espiritual (caro una, uma só carne), e de maneira indissolúvel (quos Deus coniunxit, homo non  separet)”1.

Pela corrente institucionalista, o casamento é uma instituição social, visto que, reflete uma situação jurídica cujos parâmetros se encontram preestabelecidos pelo legislador, ou seja, o casamento é constituído por um conjunto de regras impostas pelo Estado2. O casamento nasce de um ato jurídico de feição complexa.

De acordo com o Código Civil de 2002, a união estável, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com a finalidade de constituir família é reconhecida (artigo 1723) pelo direito brasileiro. Constituir família não significa necessariamente ter filhos.

O namoro, atualmente, se diferencia da união estável pois não tem como finalidade constituir família. Compreende-se que o contrato de namoro visa afastar os efeitos patrimoniais que ocorrem no casamento ou na união estável, ou seja, a partilha de bens.

O namoro qualificado possui convivência pública porque a existência do relacionamento é sabido pela família, amigos, colegas e sociedade, ainda mais devido às redes sociais. O namoro pode ser contínuo e duradouro, as redes sociais, “verbi gratia”, são relevantes para confirmar se o relacionamento se mostra realmente contínuo e duradouro.

Se o casal de namorados não realiza um contrato de namoro, é possível que o relacionamento se confunda com união estável. Apesar disso, o Superior Tribunal de Justiça divulgou na edição 557 do informativo de jurisprudência que:

“O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável - a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado "namoro qualificado" -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, estar constituída. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício). A coabitação entre namorados, a propósito, afigura-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social (STJ, 2015). (grifos meus).

O Direito acompanha a mudança da sociedade, adequando-se à realidade social. Pela lei, é possível defender que o namoro qualificado se confunde com a união estável. Pela jurisprudência, é possível dizer o contrário.

Vejamos o posicionamento de Zeno Veloso:

“Entretanto, se os parceiros estão apenas namorando, embora um namoro de pessoas adultas, com aspectos de modernidade, como o fato de um passar dias e noites na casa do outro, e vice-versa, de frequentarem bares, restaurantes, festas, de viajarem juntos, hospedando-se no mesmo hotel etc., quem vê de fora, e diante daquela convivência, que é pública, contínua, duradoura, pode concluir que está diante de uma união estável. E não é o caso, pois, apesar da aparência, falta àquele relacionamento um requisito capital, essencial: o compromisso, o objetivo, a vontade de constituir uma família. Não se trata de uma união estável, mas de namoro prolongado.

Tenho defendido a possibilidade de ser celebrado entre os interessados um “contrato de namoro”, ou seja, um documento escrito em que o homem e a mulher atestam que estão tendo um envolvimento amoroso, um relacionamento afetivo, mas que se esgota nisso, não havendo interesse ou vontade de constituir uma entidade familiar, com as graves conseguências pessoais e patrimoniais desta”3.

O contrato de namoro se mostra necessário para aqueles que querem afastar a possibilidade de partilha de bens. Caso o contrato de namoro não seja feito, o namoro qualificado poderá ser confundido com união estável devido a linha tênue existente. Vejamos o que decidiu o Ministro Relator Og Fernandes no AREsp 1149402:

“A essência da relação não é definida pelo contrato, muito menos pelo olhar da sociedade, ou de testemunhas em audiência Essa modalidade de união é uma situação de fato que se consolida com o decorrer do tempo (donde surgiu o requisito "relação duradoura", ou "razoável duração") e não depende de nenhum ato formal para se concretizar.
Nessa ordem de ideias, pela regra da primazia da realidade, um "contrato de namoro" não terá validade nenhuma em caso de separação, se, de fato a união tiver sido estável. A contrario senso, se não houver união estável, mas namoro qualificado que poderá um dia evoluir para uma união estável o "contrato de união estável "celebrado antecipariamente à consolidação desta relação não será eficaz ou seja, não produzirá efeitos no mundo jurídico”. (AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 1.149.402 - RJ (2017/0196452-8) , Rel. Ministro OG FERNANDES, julgado em 12/09/17, DJe 15/09/17). (grifos meus).

O casal de namorados, caso queira, firmará o contrato de namoro para evitar um possível enquadramento como união estável. Se inexiste união estável devido à ausência de objetivo de constituir família, não será necessário firmar o referido contrato. Apesar disso, o casal de namorados poderá firmar o citado contrato para evitar futuramente questões de partilha ou de alimentos.

Os relacionamentos se tornaram líquidos, visto que:

“o rompimento das relações amorosas tem sido encarado como um acontecimento tão natural, corriqueiro, a ponto de se falar em banalização. Os laços são atados de maneira frouxa, de modo a facilitar a maneira como serão desfeitos, poupando os indivíduos de longas esperas. Desse modo, assiste-se hoje a um aumento cada vez mais expressivo de relacionamentos tidos como ‘natimortos, inadequados, inválidos ou inviáveis, nascidos com a marca do descarte iminente’”4.

Para Zygmunt Bauman, o amor líquido é:

[…] o amor a partir do padrão dos bens de consumo: mantenha-os enquanto eles te trouxerem satisfação e os substitua por outros que prometem ainda mais satisfação. O amor com um espectro de eliminação imediata e, assim, também de ansiedade permanente, pairando acima dele. Na sua forma “líquida”, o amor tenta substituir a qualidade por quantidade — mas isso nunca pode ser feito, como seus praticantes mais cedo ou mais tarde acabam percebendo. É bom lembrar que o amor não é um “objeto encontrado”, mas um produto de um longo e muitas vezes difícil esforço e de boa vontade. 

Em virtude do que foi dito, conclui-se que o contrato de namoro é atípico e possível. O referido contrato deverá ser firmado quando o casal de namorados compreender que a relação poderá ser qualificada como união estável, ou seja, firmará o citado contrato para evitar complicações após o término do relacionamento (caso ocorra), como no caso de partilha de bens e alimentos.

O Direito precisa acompanhar a modernidade líquida e o amor líquido para que se evite alta demanda de processos envolvendo união estável, visto que, os relacionamentos, segundo Bauman, são feitos para não durarem, infelizmente. Se o amor líquido for compreendido pelo Direito, dificilmente o relacionamento de fato será classificado como união estável.

Alguns ainda defendem que o amor é duradouro, todavia, seria um assunto para se aprofundar no campo da sociologia com a finalidade de compreender os seus reflexos no Direito.

 1. DA SILVA PEREIRA, Caio Mário. Instituições de direito civil, volume 5, páginas 51 e 52.

2. GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito Civil Brasileiro 6 Direito de Família. 16º edição, SaraivaJus, páginas 40 e 41

3.  VELOSO, Zeno. Contrato de namoro. Disponível aqui. Acesso em : 25/12/2021

4. PEDROSO XAVIER, Marília. Contrato de namoro Amor Líquido e Direito de Família Mínimo, 2ª edição, Editora Forum, volume 3, página 60.

5. PRADO, Adriana. “Vivemos tempos líquidos. Nada é para durar”, ISTOÉ. Disponível em aqui. Acesso em: 25/12/2021

 

Lázaro Lima Souza
Atualmente é estagiário no escritório Ogawa, Lazzerotti & Baraldi Advogados.

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