O maior problema dos credores no Brasil é, sem dúvida, a dificuldade para encontrar bens penhoráveis dos devedores.
É muito comum que os inadimplentes, antes mesmo do ajuizamento da Ação de Execução, Monitória ou Ordinária de Cobrança, busquem a ocultação de seu patrimônio, transferindo ativos para terceiros, sacando todo o dinheiro das contas bancárias ou adquirindo bens que possam ser facilmente ocultados.
O artigo 921 do CPC/2015, no inciso III e §5º, positivou a prescrição intercorrente na hipótese do executado não possuir bens penhoráveis. Tal modalidade de prescrição, que já era aplicada pela jurisprudência na vigência do CPC/73, reforça ainda mais a necessidade de busca de bens por parte dos credores, sob pena de se configurar o perecimento do seu direito.
Dessa forma, é indiscutível que o advogado do exequente precisa estar atento a todas as ferramentas disponíveis para a busca de patrimônio do executado.
Nesse cenário, se torna imprescindível a possibilidade de bloqueio de investimento feito em criptomoedas.
As criptomoedas são ativos digitais criptografados (moedas virtuais), muito utilizadas atualmente por investidores em razão da possibilidade de grande valorização em tempo razoável, garantia quase total de anonimato e de grande proteção contra fraudes.
O Bitcoin é, sem dúvida, a criptomoeda mais famosa, entretanto existem inúmeros outras espécies, como Ethereum, XRP, Binance Coin, etc.
Atualmente, verifica-se uma grande dificuldade para os credores na hora de requerer o bloqueio de moedas virtuais.
Na tentativa de solucionar esse e outros problemas, foi firmado um Acordo de Cooperação Técnica entre o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, o Banco Central e a Procuradoria da Fazenda Nacional – PGFN para a criação do SISBAJUD (sistema que substituiu o BACENJUD na busca e bloqueio de ativos on line), que será, num futuro breve, capaz de localizar e bloquear valores depositados em forma de criptomoedas.
O meio mais utilizado pelos investidores para aquisição das moedas virtuais é a compra através de exchanges (plataformas virtuais que, na prática, funcionam como corretoras), embora o meio mais seguro seja através de uma corretora autorizada pelo Banco Central.
Assim, ainda que o criptoativo seja protegido por uma chave privada, à qual apenas o proprietário tem acesso, a corretora ou a exchange se responsabiliza pela custódia dos criptoativos do investidor (ou ao menos realiza a intermediação da negociação), o que permite a identificação do titular e uma eventual penhora.
Contribuindo com o esforço para a identificação dos investidores, a Receita Federal editou a Instrução Normativa 1.888/2019 que obriga as exchanges a fornecerem informações sobre as operações realizadas com criptomoedas.
De acordo com a referida norma, as exchanges deverão fornecer informações à Receita Federal ainda que não detenham a custódia das criptomoedas, incluindo, portanto, os casos em que elas forem responsáveis apenas pela intermediação ou negociação dos criptoativos.
Vale destacar que também é possível a compra de moedas virtuais sem a utilização de um intermediário, é quando o investidor adquire a moeda virtual diretamente num site ou aplicativo, tal modalidade é chamada de wallet. Esta modalidade é a menos usual, devido aos grandes riscos para o comprador.
Entretanto, apesar do anúncio de que o SISBAJUD poderá bloquear valores aplicados em criptomoedas nas corretoras e exchanges, até o momento, o sistema ainda não é dotado de tal funcionalidade.
Falta, portanto, um esclarecimento, por parte do CNJ, sobre como e quando será realizada a busca e bloqueio de moedas virtuais de forma on line.
De qualquer forma, a atual impossibilidade de utilização do SISBAJUD para tal finalidade não impede a penhora de criptomoedas através do envio de ofícios às corretoras.
No entanto, para que o juízo envie um ofício para a corretora ou exchange é necessário que o exequente aponte, nos autos, indícios de que o executado de fato é titular de criptoativos, com indicação de quem é o responsável pela custódia. Caso contrário, o pedido seria extremamente genérico.
Vejamos o entendimento jurisprudencial sobre o tema, in litteris:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. Execução de título extrajudicial. Penhora de moeda virtual (bitcoin). Indeferimento. Pedido genérico. Ausência de indícios de que os executados sejam titulares de bens dessa natureza. Decisão mantida. Recurso desprovido. (TJSP. Agravo de instrumento 2202157-35.2017.8.26.0000. Julgamento: 21/11/2017)
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA Ação indenizatória Pretendido o acesso ao sistema CCS-Bacen e expedição de ofícios à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), à Bolsa de Valores e às corretoras de criptomoedas, com vistas à satisfação do crédito dos agravantes Medidas indeferidas pelo d. juízo a quo Manutenção - Consulta ao Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS-Bacen) - Dados lançados no CCS-BACEN se destinam a reprimir a prática de crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores Implementação do sistema Sisbajud, em substituição ao sistema Bacenjud 2.0, a partir de 08 de setembro de 2020, ou seja, posteriormente à pesquisa já realizada Possibilidade de nova pesquisa via sistema Sisbajud, em virtude da ampliação de seu alcance no bloqueio de valores, abarcando tanto numerário em conta corrente, como ativos mobiliários (ex vi, títulos de renda fixa e ações) Medida suficiente a afastar a pretendida expedição de ofícios à CVM e à Bolsa de Valores Indeferida a expedição de ofício às corretoras de criptomoeda Ausência de regulamentação no Brasil acerca da comercialização de moedas criptografadas – Moeda eletrônica é um modo de expressão de créditos denominados em reais, que não se confunde com as chamadas moedas virtuais, não são referenciadas em reais ou em outras moedas estabelecidas por governos soberanos Pedido de expedição de ofícios às "Fintechs" não conhecido, sob pena de supressão de instância – Decisão parcialmente reformada AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSP. Agravo de Instrumento 2173523-24.2020.8.26.0000 - 10ª Câmara de Direito Privado - Rel. Elcio Trujillo - DJ 28/10/2020)
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - Ação de indenização - Pedido de penhora de moedas virtuais Bitcoin - Descabimento - Bens que não possuem lastro e não estão regulamentados pelo Banco Central ou pela CVM e podem ser negociados por qualquer meio digital, o que dificulta não apenas a efetivação, como o gerenciamento da penhora nos autos - Ausência, ademais, de comprovação de que o devedor seja efetivamente titular de bens dessa natureza - Pedido demasiadamente genérico - Recurso desprovido. (TJSP. Agravo de Instrumento 2059251-85.2018.8.26.0000 - 9ª Câmara de Direito Privado - Rel. Galdino Toledo Júnior - DJ 26/11/2019)
Em relação à exigência de que o credor demonstre que o devedor de fato é titular de criptoativos, trata-se de um requisito razoável, tendo em vista que um pedido genérico tornaria inviável tal busca.
A comprovação exigida poderia ser, por exemplo, uma declaração de Imposto de Renda, obtida via INFOJUD, través da qual o devedor tenha declarado ser proprietário de criptomoedas.
Entretanto, com a devida vênia, cabe discordar da necessidade de um regulamento por parte do Banco Central ou da CVM.
Primeiramente, é oportuno lembrar da ordem de penhora estabelecida pelo art. 835 do CPC/2015:
Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:
I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;
II - títulos da dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal com cotação em mercado;
III - títulos e valores mobiliários com cotação em mercado;
IV - veículos de via terrestre;
V - bens imóveis;
VI - bens móveis em geral;
VII - semoventes;
VIII - navios e aeronaves;
IX - ações e quotas de sociedades simples e empresárias;
X - percentual do faturamento de empresa devedora;
XI - pedras e metais preciosos;
XII - direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia;
XIII - outros direitos.
Ainda é embrionária, no Brasil (e até mesmo no Direito Comparado), a discussão sobre a natureza jurídica das criptomoedas, entretanto, não seria ilógico equipará-las ao dinheiro aplicado numa instituição financeira ou valor mobiliário, como previsto nos incisos I e III.
Entretanto, vale destacar que já existe precedente da Terceira Seção do STJ no sentido de que “as moedas virtuais não são tidas pelo Banco Central do Brasil (BCB) como moeda, nem são consideradas como valor mobiliário pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM)” (CC n. 161.123/SP, DJe 5/12/2018).
De qualquer forma, existe precedente da 36ª câmara de Direito Privado do TJSP (Agravo de instrumento 2202157-35.2017.8.26.0000. Julgamento: 21/11/2017) classificando as criptomoedas como penhoráveis, com base no entendimento de que possuem conteúdo patrimonial, configurando um bem imaterial que pode perfeitamente ser penhorado num processo executivo.
In casu, o único óbice para o deferimento da penhora foi a ausência de comprovação de que o devedor realmente era proprietário de moedas virtuais.
Ora, de fato, a inexistência de uma regulamentação não tem o condão de impedir que as criptomoedas sejam dotadas de valor econômico e possam ser convertidas em valores expressos em moeda convencional.
A impossibilidade de penhora seria um incentivo à inadimplência e à ocultação de patrimônio, prejudicando sobremaneira os credores, que já encontram tantas dificuldades para a satisfação do seu crédito.
Por fim, é possível concluir que, a partir do momento em que for possível penhorar criptoativos via SISBAJUD (como previsto pelos próprios criadores do sistema), a tendência é de que a jurisprudência brasileira passe a admitir a realização de tal procedimento em larga escala, mais ainda se houver uma regulamentação por parte do CNJ ou Bacen.
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Penhora de bitcoins é possível, mas de difícil realização.
Disponível aqui.
Disponível aqui.
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MARINONI, Luiz Guilherme. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.