Migalhas de Peso

STF declara a constitucionalidade da lei estadual 11.201/20

Estado do Espírito Santo promulgou lei que obriga empresas prestadoras de serviços de internet e banda larga a apresentarem, na fatura mensal, gráficos que demonstrem o registro médio diário da entrega da velocidade de recebimento e de envio de dados, por intermédio da rede mundial de computadores.

8/12/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Através da lei 11.201/20, sancionada por intervenção do governador do Estado do Espírito Santo, restou determinada a obrigatoriedade das empresas prestadoras de serviços de internet móvel e banda larga, na modalidade pós-paga, a apresentar ao consumidor, na fatura mensal, gráficos que demonstrem o registro médio diário de entrega da velocidade de recebimento e de envio de dados, através da rede mundial de computadores.

A referida lei possui a seguinte redação:

“Art. 1º As empresas prestadoras de serviços de internet móvel e banda larga na modalidade pós-paga, contratadas por consumidores no Estado do Espírito Santo, ficam obrigadas a apresentar, na fatura mensal enviada ao consumidor, gráficos que demonstrem o registro médio diário de entrega da velocidade de recebimento e de envio de dados através da rede mundial de computadores.

§ 1º A velocidade de recebimento e de envio de dados entregue entre a zero hora e as 8 (oito) horas da manhã não poderá ser computada para efeito de aferimento da média diária informada.

§ 2º Deverá ser apresentado um gráfico específico referente ao recebimento de dados e outro gráfico específico relativo ao envio de dados.

[...]

Art. 2º As empresas referidas no art. 1º desta Lei que descumprirem a determinação, ficam sujeitas às sanções dispostas no art. 56 da Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 - Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

Parágrafo único. A multa será em montante não inferior a 4.000 (quatro mil) e não superior a 15.000 (quinze mil) Valores de Referência do Tesouro Estadual - VRTEs, ou índice equivalente que venha a substituí-lo, graduada de acordo com a gravidade da infração. 

Art. 3º Esta Lei entra em vigor após decorridos 60 (sessenta) dias de sua publicação oficial.”

Com a publicação da lei, a ACEL - Associação das Operadoras de Celulares e a ABRAFIX - Associação Brasileira de Concessionárias de Serviço Telefônico Fico Comutado, apresentaram uma ADIn sob a rubrica de que a matéria seria de competência exclusiva da União para explorar e legislar sobre telecomunicações, como fundamento nos artigos 21, inciso X, e 22, inciso IV, da CF/88.

Noutro giro, dentre os argumentos propostos na ADIn, fundamenta-se que, as obrigações impostas são revestidas de uma impossibilidade em seu cumprimento, considerando que, para alcançar a pretensão prevista em lei, será necessária a utilização de nova tecnologia que não corresponde diretamente com a atividade-fim do núcleo da atividade de telecomunicações. 

As associações responsáveis pela propositura da ação foram firmes em sustentar que, além da lei estadual 11.201/20 ofender a competência da União para legislar, viola princípios constitucionais da isonomia, da livre iniciativa e da proporcionalidade, por questões de adequação, necessidade e da proporcionalidade em seu sentido estrito.  

Subsidiando a busca pela inconstitucionalidade, foram destacados alguns julgamentos em Controle Concentrado em exame da Constitucionalidade de leis sancionadas em outros Estados, em que trata de norma de natureza de direito do consumidor, com o afastamento da competência dos Estados.

Nesse contexto, destacamos a lei 4.824/16, do Estado de Mato Grosso do Sul, que traz no seu texto previsões quase idênticas à lei 11.201, no que se refere à obrigatoriedade de as fornecedoras de internet apresentarem informações sobre a velocidade diária na prestação do serviço. Vejamos: 

“Art. 1º As empresas prestadoras de serviços de internet móvel e de banda larga, na modalidade pós-paga, contratadas por consumidores do Estado de Mato Grosso do Sul, ficam obrigadas a apresentar na fatura mensal a ser entregue ao consumidor, gráfico que demonstre o registro médio diário de entrega da velocidade de recebimento e de envio de dados pela rede mundial de computadores.

§ 1º A velocidade de recebimento e de envio de dados entregue entre as 00h00 e as 8h00 não poderá ser computada para aferimento da média diária informada.

§ 2º Deverá ser apresentado um gráfico específico referente ao recebimento de dados e outro gráfico específico relativo ao envio de dados.

Art. 2º As empresas referidas no art. 1º que descumprirem a determinação, ficam sujeitas às sanções dispostas no art. 56 do Código de Defesa do Consumidor.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”

Ocorre que, essa lei foi declarada inconstitucional pelo STF, através da ADIn 5.569, com a relatoria da ministra Rosa Weber que, à época do julgamento, entendeu que a norma possuía vício formal de iniciativa, posto que é de competência privativa da União legislar sobre a matéria.

Contudo, no julgamento da ADIn 6.893, que trata sobre a lei 11.201/20, sancionada pelo Governador do Estado do Espírito Santo, já acima transcrita, predominou o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, que compreendeu que a imposição prevista em lei assegura o direito à informação adequada, com fundamento no art. 6º, inciso III, do CDC que, em entendimento majoritário, considerou a hipossuficiência na relação de consumo.

"Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...)

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;"  

Cumpre registrar que, a ministra Rosa Weber manteve sua posição, divergindo da relatora da ADIn 6.893, votando pela procedência da ação, em conjunto com os ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux e Nunes Marques, sustentando a corrente de competência privativa da União, sendo estes votos vencidos, acompanhando o voto da relatora os ministros Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso.

Portanto, por maioria, foi mantida a lei do Estado do Espírito Santo, por entender ser matéria de competência legislativa concorrente, já que a norma não trata sobre transmissão, emissão ou recepção de dados, ficando subordinada ao caráter consumerista.

Além da busca pela inconstitucionalidade da lei sancionada, uma forte preocupação das associações que representam o setor de telecomunicações se refere ao cumprimento da norma, posto que se tornará onerosa, repercutindo economicamente ao consumidor final.

Para tal argumentação, foi apresentado parecer técnico do CPQD - Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações que, em uma breve síntese, revelou um elevado grau de complexidade à necessidade de envio, de forma individual aos usuários, em virtude das condições e diferentes formas de uso, conforme a prática de cada consumidor na utilização do serviço, podem afetar a medição de velocidade.

Neste ínterim, na ótica do parecer do Centro de Pesquisa, resta evidente uma impossibilidade no dimensionamento de forma remota da velocidade recebida, se fazendo necessário que as operadoras adentrem na rede pessoal do cliente por meio de novas plataformas ou tecnologias que ainda não foram desenvolvidas, inúmeras vezes ao dia, para possibilitar a realização da média da velocidade da internet.

Dessa forma, o grande ponto crítico que se apresenta na Lei sancionada, mantida pelo STF, será a adaptação das empresas de telecomunicações, que terão que encontrar os mecanismos necessários para o cumprimento da norma, principalmente pelo que se apresentou na ADIn, na moldagem da sua tecnologia para atender o quanto determinado pela legislação estadual.

Noutro prisma, sob forte pressão, em virtude da previsão punitiva no art. 2º da lei 11.201/20, em caso de descumprimento, a que faz menção o art. 56 do CDC, que possui a seguinte redação:

“Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas:

I - multa;

II - apreensão do produto;

III - inutilização do produto;

IV - cassação do registro do produto junto ao órgão competente;

V - proibição de fabricação do produto;

VI - suspensão de fornecimento de produtos ou serviço;

VII - suspensão temporária de atividade;

VIII - revogação de concessão ou permissão de uso;

IX - cassação de licença do estabelecimento ou de atividade;

X - interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade;

XI - intervenção administrativa;

XII - imposição de contrapropaganda.

Parágrafo único. As sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas cumulativamente, inclusive por medida cautelar, antecedente ou incidente de procedimento administrativo.”

Para além disto, sendo um Direito do Consumidor, cumpre trazer a ponderação de um comportamento cultural em que desagua na procura do judiciário para atender os anseios e, na busca de tutela e resguardo dessas imposições legislativas, arriscamo-nos a dizer que, o descumprimento não estará ligado apenas às sanções de autoridades administrativas, como também a um aumento de demanda do Poder Judiciário local, precisamente na busca dos consumidores, de forma individual, pelas varas de relação de consumo. 

Marcus Renato Souza Caribé
Coordenador da área Cível da MoselloLima Advocacia, especialista em Direito e Processo do Trabalho e Direito e Processo Civil.

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