Se só o médico é capaz de praticar o ato médico e o paciente é levado ao hospital, quem é responsável pelo erro médico? Conhecer os limites da responsabilidade é tema de grande valia, para que os operadores do direito e a população em geral possam compreender quando buscar seus direitos e a melhor forma de fazê-lo, direcionando as demandas judiciais aos reais responsáveis, de forma proporcional à extensão de culpabilidade dos agentes envolvidos.
Em qualquer atendimento, os profissionais envolvidos podem ser médicos contratados pelo hospital, ou seja, que integram o seu corpo clínico, ou podem ser médicos que não possuem vínculo com o hospital, seja de emprego ou de mera proposição, que se valem apenas das instalações físicas do hospital para atender aos seus pacientes. Essa distinção é importante para a correta aplicação da teoria de responsabilidades do Código de Defesa do Consumidor.
Em 2018, quando do julgamento do REsp 1.579.954/MG, a relatora, ministra Nancy Andrighi, atribuiu a responsabilidade objetiva e solidária do hospital quando as provas produzidas no juízo de 1° grau concluíram que houve a culpa do médico integrante do seu corpo clínico, restando configurado o dano, nexo de causalidade e conduta ilícita do profissional, em consonância com o caput do art. 141 do Código de Defesa do Consumidor.
Quando o médico não é integrante do seu corpo clínico, o hospital detém responsabilidade subjetiva por danos decorrentes do trabalho do médico – hipótese em que a responsabilidade é subjetiva e exclusiva do profissional, nos termos do §4°2 do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.
Portanto, segundo a relatora Ministra Nancy Andrighi: "a responsabilidade dos hospitais, no que tange à atuação dos médicos contratados, é subjetiva, dependendo da demonstração de culpa do preposto, não sendo possível, portanto, excluir a culpa do médico e responsabilizar objetivamente o hospital."3
Dessa forma, apesar do hospital apenas responder se houver falhas em seus serviços, como enfermagem e hotelaria, a apuração da culpa do médico é indispensável não apenas para a devida valoração da responsabilidade do hospital perante o consumidor, mas também o para o direito de regresso em face do profissional, quando esse não estiver no polo passivo da ação ajuizada.
Em virtude disso, apesar da vedação da denunciação da lide estabelecida no artigo 88 do Código de Defesa do Consumidor, a Terceira Turma do STJ esclareceu que o hospital poderá denunciar à lide o médico responsável para a devida valoração de sua conduta com o evento danoso, a ser apurado no processo mediante perícia médica e laudo técnico pericial nos prontuários médicos, pois a vedação se refere apenas à responsabilidade pelo fato do produto (art. 13 do Código de Defesa do Consumidor), admitindo-a nos casos de defeito no serviço (art. 14 do Código de Defesa do Consumidor), conforme decidido no REsp 1.216.424/MT.
Uma vez constatado o nexo causal entre a conduta do médico (negligência, imperícia ou imprudência) e o dano suportado pela vítima, não estando preenchidos os requisitos de excludentes elencadas no §3º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor4, o magistrado terá elementos para valorar de maneira justa o quantum indenizatório, com o grau de culpa dos agentes envolvidos.
Esse entendimento está em consonância com o princípio da concretude, presente no Código Civil, que nada mais é do que aplicar o Direito da forma mais justa possível e de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto. Consequentemente, é atribuído ao magistrado a maior responsabilidade em face da prevalência de normas aberta.5
Doutrinariamente, a culpa é dividida em levíssima, leve e grave, cabendo ao magistrado valorar o dano moral conforme o grau de culpa do agente envolvido, a gravidade, consequências e eventuais sequelas do procedimento médico realizado, em respeito ao texto do artigo 944 do Código Civil6, o qual aduz expressamente que a indenização será medida pela extensão do dano, sendo que, em caso de desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir proporcionalmente a indenização.
Importante destacar que, no caso de restar comprovado um grau de culpa leve ou levíssima, tal fato não exime a responsabilidade solidária do hospital e do médico na indenização, salvo em casos específicos onde não há vínculo e/ou preposição do médico com o estabelecimento hospitalar.
É comum encontrar pedidos de indenização por dano moral em valores elevados e e desproporcionais ao dano efetivamente sofrido. Diante disso, o professor e desembargador Miguel Kfouri Neto dispõe que, além do órgão julgador observar o aduzido no artigo 944 do Código Civil, deverá analisar a proporção entre a culpa e o dano, de modo que seja possível aferir o grau da culpa e classificá-la em levíssima, leve ou grave.
Constatando a culpa leve ou levíssima, o magistrado deverá operar a redução do pleito do autor, mediante fundamentação precisa das razões que determinaram o seu convencimento, de modo que seja possível justificar o quantum indenizatório fixado. Caso haja participação da vítima na ocorrência do evento danoso (como o descumprimento de prescrição médica de medicamentos ou fisioterapia, por exemplo), a indenização deverá ser fixada considerando a gravidade da culpa em confronto com a culpa do autor do dano, conforme artigo 945 do Código Civil7. Ou seja, o órgão julgador ao analisar o caso concreto, deverá sopesar a eventual participação da vítima no resultado do dano, e uma vez constatada a sua concorrência, esta deverá ser considerada para exonerar ou atenuar o dever de indenizar.
Tais observâncias devem ser consideradas uma vez que o quantum indenizatório deverá ser apurado de forma proporcional aos fatos e provas existentes, visto que a referida fixação não pode proporcionar o enriquecimento sem causa daquele que irá ser beneficiado, devendo respeitar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Não é incomum verificar uma tendência acentuada, por parte dos julgadores, a agregar às indenizações o denominado "preço do desestímulo", acrescentando a quantia em pecúnia com a finalidade punitiva. Contudo, é vedado, ao fixar a indenização, fazer com que a quantia reparatória se transforme em fonte de locupletamento do lesado, isto é, o montante indenizatório não pode ser superior ao prejuízo, visto que tornar-se-iam fonte de enriquecimento, além de ocasionar a ruptura do binômio dano-indenização.
Dessa forma, com o expressivo aumento de ações por erro médico8 de profissional vinculado ao hospital, é crível que a população e os operadores do direito tenham conhecimento das particularidades que envolvem o tema, para que as ações que venham a ser ajuizadas tenham como escopo a devida e justa reparação em face dos reais responsáveis, em detrimento a qualquer tentativa de enriquecimento sem causa.
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1- Art. 14. O fornecedor de serviços responde independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
2- § 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.
3- Disponível aqui.
4- Art. 14 (...) § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
5- KFOURI Neto, Miguel. Responsabilidade civil dos hospitais: código civil e código de defesa do consumidor. São Paulo: Ed. Revistas dos Tribunais, 2015, pg. 403.
6- Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.
7- Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.
8- Disponível aqui.