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Incorporação de ações não é fato gerador de imposto de Renda

Das 29 decisões proferidas na esfera administrativa sobre a matéria desde 2018, 28 foram desfavoráveis aos contribuintes, sendo que a única decisão favorável ainda pode ser objeto de recurso.

23/11/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Após anos de discussão no âmbito do CARF onde formou-se jurisprudência majoritariamente desfavorável, o debate sobre a incidência do imposto de renda nas operações de incorporação de ações começa a ser discutido no judiciário, a exemplo do que tem ocorrido com outros temas que envolvem planejamento tributário, como a amortização do ágio.

Recentemente, identificamos duas decisões de primeira instância da Justiça Federal ("JF") de São Paulo, no sentido de que a incorporação de ações não seria evento apto a gerar tributação pelo imposto de renda.

Muito embora ainda não sejam definitivas, essas decisões podem ser um indicativo de tendência na jurisprudência judicial sobre o assunto. A última decisão judicial favorável sobre o tema foi proferida em 2015 no Tribunal Regional Federal ("TRF") da 4ª Região e é considerada uma decisão isolada (Processo nº 5052793-42.2011.4.04.7000).

A título ilustrativo, estatisticamente, das 29 decisões proferidas na esfera administrativa sobre a matéria desde 2018, 28 foram desfavoráveis aos contribuintes, sendo que a única decisão favorável ainda pode ser objeto de recurso.

Vale destacar que grande parte dessas decisões foi proferida com base na regra antiga do "voto de qualidade", segundo o qual em caso de empate no julgamento, o voto proferido pelo presidente da turma julgadora (necessariamente um representante da Fazenda) era computado duas vezes.

Essa regra deixou de ser válida a partir da pela lei 13.988/20, que passou a determinar que, em caso de empate, o processo seria julgado em favor do contribuinte. No entanto, visto que não foram proferidas muitas decisões sobre o assunto já aplicando a nova regra em caso de empate, não é possível prever se haverá mudança na jurisprudência do CARF decorrente da nova regra.

O entendimento no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais ("CARF") e na Câmara Superior de Recursos Fiscais ("CSRF") é no sentido exemplificado pelo voto vencedor do Acórdão nº 2201-005.121, 08 de maio de 2019, segundo o qual "na  incorporação  de  ações  ocorre  uma alienação ficta de ações pelos acionistas da sociedade incorporada e uma aquisição ficta dessas ações  pela  sociedade  incorporadora,  o  que  denota  num  verdadeiro  aumento  de  capital  da incorporadora  mediante  a  dação  de  bens  (as  próprias  ações  da  sociedade  incorporada)  pelos antigos  acionistas  da  incorporada."

Como tal, a incorporação de ações seria um evento de alienação das ações incorporadas, sujeitando os acionistas titulares dessas ações à tributação sobre ganhos de capital.

Os contribuintes, por sua vez, argumentam que a operação de incorporação de ações não configura evento de alienação, pois não se trata de "ato voluntário pelo qual se transmitem direitos a outrem"1, uma vez que os acionistas que têm suas ações incorporadas não praticam ato voluntário, podendo votar, ou não, nas assembleias que estabelecem a relação de substituição e aprovam a operação.

A operação, prevista no artigo 252 da Lei das Sociedades Anônimas, se distingue de aumento de capital com subscrição em bens pois, na incorporação de ações, não há manifestação da vontade individual dos acionistas cujas ações foram incorporadas, mas apenas uma negociação entre as administrações das duas sociedades levada à aprovação em assembleia geral extraordinária (AGE).

No caso do aumento de capital com subscrição de ações, por outro lado, há assinatura de boletins de subscrição pelos acionistas da companhia cuja ações são incorporadas.

Esses aspectos técnicos demonstram justamente que não há manifestação individual de vontade dos acionistas na incorporação de ações, mas um negócio entre as duas sociedades envolvidas, determinado em AGE (em que não necessariamente todos os acionistas afetados poderão votar ou votarão).

Além da falta do elemento da vontade individual, não se pode deixar de mencionar que a incorporação de ações implica mera substituição de ações, sub-rogação real, que, no entendimento do doutrinador Ricardo Mariz de Oliveira "não pode ter outro custo além do custo das ações incorporadas, uma vez que os acionistas não despendem qualquer outro valor para passarem a ser donos das novas ações" 2.

Isto significa dizer que mesmo se o valor das ações recebidas na troca seja maior do que o dado, esse ganho será meramente potencial, e apenas será realizado quando da alienação das ações por valor superior ao do custo.

As decisões proferidas na Justiça Federal de São Paulo a respeito do assunto validam o posicionamento historicamente defendido pelos contribuintes. Ambas foram proferidas nos autos de ações anulatórias (os contribuintes perderam no CARF) visando cancelar cobranças de imposto de renda sobre ganho de capital em operações de incorporação de ações.

No caso do Processo nº 5026528-67.2018.4.03.6100, a Justiça Federal proferiu sentença em 29 de setembro de 2020 cancelando o débito que havia sido confirmado pelo CARF. Em resumo, a sentença está fundamentada no entendimento de que a operação de incorporação de ações não envolveria qualquer forma de alienação do investimento, pois não haveria extinção da sociedade ou sucessão em seus direitos e obrigações, e a operação independe da vontade individual dos acionistas.

Os contribuintes na operação do Processo nº 5002494-57.2020.4.03.6100, por sua vez, conseguiram uma liminar em 06 de julho de 2020 que suspendeu a exigibilidade do débito, também confirmado pelo CARF, e impediu que a União os excluísse do PERT. A decisão foi no sentido de que a incorporação de ações seria um instituto jurídico próprio do Direito Societário que envolve uma simples substituição de ações mediante sub-rogação, o que não poderia ser confundido com alienação.

Embora até o momento não tenham sido publicadas decisões no CARF ou na CSRF no sentido de que a incorporação de ações não seria evento tributável como ganho de capital já segundo o "novo voto de qualidade", algumas decisões isoladas parecem sinalizar que o assunto pode ressurgir mesmo na jurisprudência administrativa.

No recente Acórdão nº 3201-009.278 de 23 de setembro de 2021, onde o CARF discutiu a incidência de PIS e COFINS em caso de incorporação de ações no contexto da desmutualização da Bovespa, o CARF decidiu em favor do contribuinte segundo a nova sistemática do voto de qualidade.

Embora não tenha sido o cerne da discussão, interessa observar que o voto vencedor nessa ocasião destacou que a substituição das ações de uma sociedade pelas de outra, decorrente de incorporação de ações, caracteriza mera sucessão de um título por outro (sub-rogação real), o que não pode ser considerado como evento de alienação.

Decisões como as proferidas no âmbito da Justiça Federal de São Paulo, ainda que não definitivas, assim como o "novo voto de qualidade" no CARF, e as recentes decisões no âmbito da jurisprudência administrativa desafiando teses desfavoráveis ao contribuinte que pareciam consolidadas, sinalizam a possibilidade de rediscussão de temas como o do ganho de capital sobre a incorporação de ações.

Ainda é cedo para se falar em uma mudança no panorama jurisprudencial a respeito da incorporação de ações. No entanto, é importante ver uma tese tão cara aos contribuintes – e amparada por excelentes argumentos – ser discutida novamente com a possibilidade de um desfecho positivo.

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1- PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto sobre a Renda – Pessoas Jurídicas. Rio de Janeiro: Justec-Editora Ltda., 1979, p. 620-624.

2- OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Incorporação de Ações no Direito Tributário. São Paulo: Editora Quartier Latin, 2014. p. 35.

Maurício Pereira Faro
Sócio do escritório BMA Advogados.

Maria Luiza Assad
Advogada da área de Direito Tributário no escritório BMA Advogados.

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