I – Entendendo o que é o Metaverso
O CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, apresentou sua visão para o futuro do gigante da mídia social: o foco da empresa agora está no Metaverso1.
Em uma apresentação na conferência anual Connect da empresa, Zuckerberg anunciou que a empresa está mudando a marca para Meta e detalhou como sua empresa pretende construir uma nova versão da Internet. A ideia do Metaverso trouxe reflexões para diferentes setores sociais; neste artigo, procuramos discutir suas implicações na área jurídica.
Antes de entrar nesta discussão, cabe explicar do que se trata o Metaverso: a ideia é um espaço virtual em que os mundos físico e digital se encontram. É um espaço onde as representações digitais de pessoas - avatares2 - interagem no trabalho e no lazer, encontrando-se no escritório, indo a concertos e até experimentando roupas. No centro deste universo, está a realidade virtual, um mundo digital em que se pode entrar por meio dos fones de ouvido Oculus VR do Facebook. Também inclui realidade aumentada, uma espécie de retrocesso em relação à Realidade Virtual, em que elementos do mundo digital são colocados em camadas sobre a realidade.
Imaginar um pouco esse cenário é trazer a tona universos como aquele do filme Matrix e dos jogos dos anos 2000 The Sim's e Second Life. O que o Metaverso fará é com que isso deixe de ser um jogo e um filme, para se transformar numa realidade paralela de uso contínuo. As pessoas irão para shows, teatros e farão viagens nessa plataforma. Será esperado que as pessoas fiquem mais em casa e se preocupem menos com aparência física já que seus avatares podem ser o que quiserem.
O Facebook já tem uma versão profissional do Metaverso em andamento: Horizon Workrooms, um aplicativo que permite que os trabalhadores da Oculus-sporting entrem em escritórios virtuais e façam reuniões e prometeu investir mais de US$ 150 milhões3 de dólares só na fase inicial de treinamento e contratação de designers desta "realidade". A previsão é a de que em pouco mais de cinco anos o seu Avatar esteja assistindo a um show de uma banda de rock em um mega estádio da Europa, ou mesmo a uma mostra de artes em Paris.
II - Desafios Legais envolvendo o Metaverso
O ponto é que junto com o Metaverso vêm os desafios jurídicos. As implicações jurídicas do que precisará ser escrito ou reescrito estarão em muitos ramos do Direito. Alguns questionamentos que precisarão de respostas ante a criação desta "realidade paralela" são os seguintes:
II.I- Proteção de Dados "Pessoais"
O volume de dados coletados pelo Facebook (Meta) será infinitamente maior a já imensa quantidade de informações tratadas pelos seus usuários. Quais serão os limites legais para o tratamento de dados que agora também passarão a ser desde a sua linguagem corporal até as suas respostas fisiológicas. Qual será, e se haverá, um ponto para a permissão do tratamento e compartilhamento destes dados? Ou ainda, poderão ser considerados "dados pessoais" os dados coletados de Avatares?
II.II – Propriedade Intelectual / Industrial
Outra questão será a propriedade intelectual. No caso da criação de "skins", figuras, emblemas, ou seja, lá o que for, dentro do Metaverso pertencerá a quem? Ao Facebook, ao Avatar, ao proprietário do Avatar? Recente caso de inteligência artificial, no qual o Tribunal Distrital dos Estados Unidos para o Distrito Leste da Virgínia considerou que um sistema de Inteligência Artificial (IA) não pode ser nomeado como inventor de uma patente4. Ao contrário da lei de patentes dos EUA, a lei de direitos autorais dos EUA não tem uma exigência expressa de autoria humana; entretanto, os tribunais dos Estados Unidos e o Escritório de Direitos Autorais dos Estados Unidos geralmente operam com base neste requisito e negam registros de obras não criadas por humanos. Materiais produzidos unicamente pela natureza, por plantas ou por animais não estão sujeitos a patentes5. O Metaverso pode ter criações virtuais de avatares e aspectos de IA integrados a eles. Se tais criações forem consideradas criações de IA e não criações humanas, podem não ser permitidos certos tipos de proteção de propriedade intelectual.
II.III – Direitos da Personalidade: Honra / Imagem / Privacidade
Para interagir na plataforma Metaverso o usuário precisará lançar mão de um Avatar. Uma representação virtual de si mesmo. Na hipotética situação de, dentro deste ambiente, os usuários, representados por seus Avatares, incorrerem em ofensas, as perguntas que precisarão ser respondidas são?
- A Honra, Imagem e Privacidade são Direitos Personalíssimos6. Como serão tratados os casos de interação "indesejada" entre Avatares?
- Levando-se em consideração o tempo que um usuário passará na plataforma através de seu Avatar, poderíamos dizer que a Intimidade deste é Inviolável?
II.III – Validação de Contratos / Dir. Civil
Uma das apostas deste novo mundo criado por Zuckerberg é facilitar negócios em ambientes virtuais. Reuniões com "avatares" de CEO's de diversas companhias, em diferentes partes do mundo, poderão ser feitas na mesma mesa e ambiente virtual. Os contratos firmados e "assinados" dentro do Metaverso terão que validade fora dele? Quem será a autoridade certificadora e validadora destes documentos?
II.IV – Implicações Penais
Os temas relativos à racismo, injuria racial, homofobia, misoginia... estão na pauta das discussões no mundo virtual. No caso de ocorrer uma conduta contra discriminatória contra um Avatar com características negras, por exemplo, poder-se-ia dizer que estamos diante do crime de Injuria Racial ou Racismo? Será possível cometer crimes através de uma representação virtual?
Outra especificidade interessante na área penal brasileira é pensarmos se ocorrerão agressões nesta plataforma. Se um indivíduo brigar com alguém no Metaverso e bater no avatar será Lesão Corporal? Segundo o Art.129 do Código Penal, "lesão corporal" consiste em todo e qualquer dano produzido por alguém, com animus, unicamente, laedendi (vontade única de lesionar), à integridade física ou à saúde de outrem. A autolesão, em regra, não constitui o crime.
Mais um ponto: como serão tratados eventuais casos de injúria, calúnia e difamação contra os "Avatares"?
II.V – Direito do Consumidor
O Código de Defesa do Consumidor permite que o cliente, ao adquirir um produto do qual não teve contato, tem o direito de se arrepender da compra em até sete dias após seu recebimento. Vamos a hipotética situação da qual você possa usar seu avatar para entrar em um shopping virtual, experimentar roupas oferecidas por empresas de roupas reais e, em seguida, comprar as roupas que ficam melhor em seu avatar (e, portanto, em você) sem nem mesmo sair de sua casa. Ou em que você "experimente" através de seu avatar a usabilidade de um dispositivo eletrônico e ao recebe-lo no mundo "real", ocorra o "arrependimento" por razões variadas? Serão mantidos o Direito do Consumidor a devolução do produto?
Novas formas de interações virtuais proporcionarão ampla oportunidade de marketing, vendas e eventos sem a necessidade de presença física.
II.V – Direito Autoral
O Metaverso também pode representar problemas para os proprietários de conteúdo, pois será difícil policiar a violação de direitos autorais. Os licenciados de conteúdo também precisarão revisar cuidadosamente seus contratos de licença para garantir que tenham o direito de usar o conteúdo licenciado no Metaverso, já que muitos contratos de licença podem não ter considerado o uso de conteúdo licenciado em tais fóruns.
O Metaverso também terá outras implicações legais. Um problema será a colaboração e interoperabilidade entre diferentes criadores de Metaverso. Se o objetivo do Metaverso é permitir que as pessoas interajam em um mundo digital, cada Metaverso deve ser acessível a partir de todos os dispositivos e fones de ouvido. Isso pode envolver empresas de tecnologia tendo que concordar com certos padrões para um Metaverso para que possam interoperar entre diferentes criadores, ou cada empresa terá que cumprir com as restrições de tecnologia construídas por seus antecessores e licenciar os direitos de uso de tecnologia subjacente de outra empresa a fim de para construir seu próprio Metaverso.
III – (IN)CONCLUSÃO
As questões anteriores são apenas alguns dos pontos legais que serão colocadas pela criação de um Metaverso, e outras questões importantes, virão à tona imediatamente conforme os "Metaversos" forem desenvolvidos e mais pessoas começarem a interagir com eles.
Como o artigo é, inicialmente, provocativo, encerro-o com mais uma pergunta: O Direito está preparado para o Metaverso?
Você está?
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1- MILMO, D. Enter the metaverse: the digital future Mark Zuckeberg is steering us toward. The Guardian, 2021. Disponível aqui.
2- Avatar é um cibercorpo inteiramente digital, uma figura gráfica de complexidade variada que empresta sua vida simulada para o transporte identificatório de cibernautas para dentro dos mundos paralelos do ciberespaço. Disponível aqui.
3- Com mudança de nome, Facebook aposta tudo no Metaverso. Disponível aqui.
4- Inteligências artificiais não podem ser consideradas inventoras, só 'pessoas naturais', diz juíza. Disponível aqui.
5- Art. 18, Parágrafo Único, lei 9279/96.
6- Art. 5º, X, CF/88.