O Código de Processo Civil/2015 prevê o caminhar de um processo judicial com todos as suas necessidades e obrigatoriedades, no entanto, também possibilita que as partes convencionem meios diferentes de prosseguir com esses processos. Esses meios, em casos possíveis, são os chamados negócios jurídicos processuais, onde as partes estabelecem alterações processuais e procedimentais de modo a abarcar as necessidades do caso concreto.
Entretanto, em que pese tal possibilidade, ainda há no direito das famílias um embate acerca dos limites desses negócios jurídicos e da extensão da autonomia da vontade das partes na criação dessas mudanças de procedimento. Por isso, o objetivo do presente estudo é analisar a possibilidade e a extensão da criação de negócios jurídicos processuais na seara familiar.
Como dito anteriormente, o negócio jurídico processual oportuniza que as partes possam criar, de comum acordo, situações processuais diversificadas das previstas no CPC/15. Dado o exposto, existem dois tipos de negócios jurídicos processuais: os típicos e os atípicos.
O negócio jurídico típico é àquele que já encontra respaldo no código de processos civil, mas que as partes precisam externalizar a sua utilização. Um exemplo desse tipo de negócio processual é a possibilidade de as partes elegerem um foro de eleição diverso do que prevê a legislação como via de regra ou, ainda, a faculdade de as partes suspender o processo enquanto resolvem outras questões que vão impactar também na resolução da demanda judicial.
Em contrapartida, o negócio jurídico processual atípico é àquele criado pela parte e que não contém nenhuma previsão legal, mas que possui uma margem de liberdade para criação que deriva da cláusula geral de negociação contida e prevista no artigo 190 do código de processo civil.
Ademais, ainda acerca dessa “cláusula geral de negociação”, Carvalho e Carmo (2019, s/p), trazem que a inspiração para a criação adveio da arbitragem, isso porque, se há a autorização para que as partes excluam a demanda do crivo judicial e passem a resolver com árbitro externo, por que não possibilitar às partes a criação de outros procedimentos em suas demandas judiciais?
No direito das famílias, especialmente, tem-se uma série de possibilidades de criação de negócios jurídicos processuais que podem viabilizar e oportunizar a resolução do conflito de forma eficaz e célere. Um exemplo seria a possibilidade de o casal, em uma ação de divórcio/dissolução de união estável, convencionar a não utilização de determinadas provas no processo.
Essas estipulações advêm da possibilidade de criação de negócio jurídico e que, ainda, podem ser trazidas no pacto antenupcial ou no contrato de convivência, como forma de se antever ao litígio, este, inclusive, é o entendimento do enunciado 24 do Instituto Brasileiro de direito das famílias – IBDFAM.
Ato contínuo, outro exemplo seria as partes acordarem a não utilização de provas que pudessem causar algum constrangimento no outro, como as conversas íntimas de whatsapp, delimitando quais tipos de provas poderiam ser apresentadas ou, ainda, a não utilização de determinadas fotos em um possível reconhecimento de união estável.
Outrossim, as partes podem, por exemplo, estipular em pacto antenupcial ou contrato de convivência a possibilidade não ajuizar demandas em face do outro enquanto perdurar a relação. No entanto, nesse tipo de convenção, atenta-se ao fato da necessidade de mudança procedimental apenas naquilo que não afete inteiramente o processo civil, como, por exemplo, as partes convencionarem que não haverá produção de provas de nenhuma espécie.
Ora, na convenção dita acima, haveriam enormes prejuízos ao processo como um todo e poderia gerar uma sentença/decisão injusta e precária de fundamentação, isso considerando que o julgador não teria nenhum lastro probatório e, assim, iria proferir decisão sem nenhum respaldo.
Por essa razão, a convenção de negócios jurídicos processuais não pode gerar total interferência nos regramentos obrigatórios previstos em lei e, nem tampouco, gerar prejuízo ao processo como um todo ou a uma das partes que sairia em total desvantagem.
Cabe salientar, que embora não caiba ao juiz interferir ou ditar juízo de valor na criação do negócio jurídico processual, poderá este analisar a validade das estipulações. Na verdade, o intuito é validar e analisar a presença da boa-fé processual e da cooperação na resolução da demanda.
Portanto, não cabe ao juízo emitir ou levar em consideração valores, mas sim proceder com a análise e verificar a validade das convenções feitas pelas partes e, por esse motivo, algumas pactuações não poderiam ser aceitas pelo judiciário, como, por exemplo, a que fora dita acima da não utilização de quaisquer meios de provas.
No entanto, retirando as questões tratadas anteriormente, não se vislumbra nenhum óbice para a possibilidade de criação de outros negócios jurídicos processuais que as partes convencionem e que proporcionem, a cada caso, adequação, celeridade e que facilite a resolução do litígio.
Assim, é possível perceber os benefícios que a criação de negócios jurídicos processuais pode gerar às partes e, em especial, as que figuram em demandas familiares, cabendo frisar que essas convenções só podem tratar de questões processuais e não materiais.
Posto isso, é plenamente possível a criação de negócios jurídicos processuais no direito de família, mas deve-se destacar que a autonomia da vontade não é plena e, por isso, essas pactuações possuem limitações que não podem ser ultrapassadas pelas partes, cabendo ao juiz validá-las, mas sem emitir nenhum juízo de valor ou, ainda, emanar um conservadorismo processual.