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O contrato de namoro e a pandemia da Covid-19

Seria o contrato de namoro um meio adequado para acalmar os ânimos dos namorados no contexto de pandemia?

11/11/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

No direito das famílias e no direito contratual, muito se discute acerca da possibilidade ou impossibilidade de criação do dito contrato de namoro, isso porque ainda não há uma aceitabilidade por parte da jurisprudência e a doutrina mostra-se totalmente divergente.

No entanto, em que pese tais divergências, alguns entendimentos passaram a ser modificados com o advento da pandemia da Covid-19, considerando que, a partir desse contexto, houve uma necessidade de ampliação, suspensão e flexibilização das regras do direito.

Contudo, essas mudanças não se deram apenas no viés jurídico, a própria sociedade passou a buscar meios de inibir alguns possíveis acontecimentos, como, por exemplo, a união estável. É de se considerar que a muito tempo não se via uma preocupação tão grande em questões familiares e sucessórias, como está sendo vista atualmente.

A pandemia trouxe regras de isolamento social e, por isso, muitos casais passaram a ter dúvidas acerca do real status do relacionamento. Isso porque, ainda paira na sociedade a falsa informação de que a coabitação é suficiente e necessária para configuração da união estável.

Diante disso, alastrou-se uma onda de informações acerca da possibilidade de se antever às consequências e, justamente, cresceu a procura e as indagações pelo contrato de namoro. Este contrato é um meio pelo qual as partes convencionam que naquele momento têm apenas uma relação de namoro e não de união estável.

O intuito do contrato de namoro é afastar as consequências patrimoniais, em que pese haver também as conjugais, que possam advir de um possível reconhecimento de união estável, como, por exemplo, a incidência do regime de comunhão parcial de bens, considerando a retratação da realidade.

Primeiramente, cumpre esclarecer brevemente os requisitos da união estável e as consequências jurídicas da sua configuração para, em seguida, tratar das questões que envolvem o contrato de namoro e a pandemia da covid-19.

Atualmente, a união estável é o meio mais comum de formação de entidade familiar e isso se deve ao fato de ter como característica a informalidade. A união estável fica caracterizada quando há uma relação pública, contínua, duradoura e com intuito de constituir família, sendo esse último o requisito mais complexo.

Na relação de companheirismo há o casal que vive em posse do estado de casados, mas sem passar pelas formalidades contidas no casamento. Os companheiros se reconhecem como casados e exteriorizam isso para a sociedade. Ou seja, o casal se apresenta à sociedade como se fossem casados e, internamente, se reconhecem dessa forma.

Alguns fatores podem cooperar na demonstração do reconhecimento de união estável e justamente nesse ponto que se tem tantas divergências. A coabitação, a exemplo, não é um requisito ou um fator necessário para o afastamento ou reconhecimento da união estável, no entanto, na maioria das vezes é usada como um meio de prova robusta que é levado em consideração pelos julgadores.

Diante dessa insegurança e instabilidade, alguns casais passaram a se questionar se aquele namoro pode ser reconhecido como união estável posteriormente. Isso levando em consideração que o reconhecimento de uma possível união gera efeitos patrimoniais da incidência de regime de bens e, ainda, efeitos de ordem extrapatrimonial como, por exemplo, os deveres previstos no artigo 1.724 do código civil/2002.

Essa dúvida tornou-se ainda mais latente no período de isolamento social, onde muitos casais passaram a dividir a mesma moradia e, como dito acima, embora não seja requisito é um meio de prova que é levado em consideração na prática dos julgadores.

Além da coabitação, o período de isolamento social trouxe também uma maior aproximação dos casais e, em consequência, um maior compartilhamento de informações, por exemplo, bancárias e sigilosas que, via de regra, não são compartilháveis em casos de relacionamentos de namoros.

Posto isso, os namoros começaram a ter uma forte semelhança com a união estável, em que pese, o intuito de constituir família nesse último ser atual, enquanto no primeiro há um intuito futuro. Em detrimento disso, a procura e a realização do contrato de namoro na pandemia tornou-se maior.

Ademais, ainda tem-se o fator de que com a pandemia muitos passaram a pensar nas consequências futuras dos bens após a morte, levando-se em consideração que a companheira possui o status de herdeira necessária e, assim, a depender do regime de bens, poderá ser meeira e, ainda, herdeira.

O contrato de namoro veio justamente como meio de tranquilizar e dirimir esses possíveis problemas futuros. Neste contrato, o casal irá declarar a real verdade dos fatos, ou seja, que vivem em uma relação de namoro e que não possem o ânimo de constituir família atual, mas sim futuro e, portanto, afastando o regramento da união estável.

Há quem critique o contrato de namoro em razão do seu objeto ser a união estável e por aparentar uma tentativa de fraude ao instituto da entidade familiar formada pela união estável. Entretanto, não há na legislação nenhum óbice e nem impedimento para a realização de contratos atípicos, desde que haja a real verdade dos fatos.

A tentativa de fraude que tanto se fala, na verdade não é específica do contrato de namoro. Ora, no próprio contrato de convivência se tem, por vezes, casais que buscam fraudar o regime de bens com a retroatividade. Então, essa falsa impressão de único propósito de fraude não prevalece no contrato de namoro e, caso seja identificado, o mesmo terá as mesmas consequências de um negócio jurídico fraudulento.

Portanto, o contrato de namoro, assim como todos os contratos e negócios jurídicos, tem seus riscos. Por isso, a ideia de sempre retratar a realidade dos fatos e em havendo uma retratação diferente do mundo fático, prevalecerá o reconhecimento da união estável e não terá eficácia o contrato.

Inclusive pode-se haver uma cláusula especificando que o contrato de namoro foi feito em virtude das consequências do isolamento social causado pela pandemia, mas que em nada foi alterado no real status do relacionamento, em que pese a coabitação, compartilhamento de informações bancárias e seguros médicos, por exemplo. Essa cláusula demonstraria a boa-fé do casal em retratar fielmente a realidade fática.

Pode-se, segundo João Henrique Catan (2013, s/p), estabelecer um regime de bens diverso do de comunhão parcial para o casal de a relação evoluir para uma união estável que é a chamada “cláusula de evolução” e essa possibilidade advém do próprio legislador em seu artigo 121 do código civil que prevê a possibilidade de cláusula condicionada e subordinada a evento futuro e incerto.

Percebe-se que o contrato de namoro não visa impedir ou rechaçar o reconhecimento da união estável, mas sim vislumbra-se como meio de retratar a realidade de um determinado momento e, consequentemente, afastar uma possível falta de boa-fé de uma parte que, mesmo sabendo que não estava em uma relação de união estável, busca o judiciário como forma de vingança e, por vezes, acaba com a união reconhecida injustamente.

Ato contínuo, embora não haja um bom recebimento do contrato de namoro por parte da doutrina e pelos julgadores, deve-se considerar os efeitos que a pandemia trouxe em todos os âmbitos do direito, especialmente no direito privado que se viu na necessidade de afastar alguns regramentos e criar outros como forma de adaptação.

Posto isso, no direito de família não seria diferente. Ao tratar dos efeitos e validade do contrato de namoro, é imperioso atentar-se ao período em que ele foi feito, especialmente porque no contexto pandêmico houve uma necessidade ainda maior da criação e destacando, ainda, a boa-fé dos namorados que, inclusive, buscaram uma alternativa para adaptar-se ao isolamento, mas sem perder o status do relacionamento.

Portanto, o contrato de namoro mostra-se como uma forma válida e viável de retratar a realidade dos fatos do relacionamento vivenciado na pandemia e, assim a afastar ou, ainda, servir como meio de prova para o não reconhecimento de uma possível união estável futura. Por óbvio, faz-se mister destacar, que havendo a configuração dos requisitos da união estável no universo fático não terá eficácia o contrato de namoro, prevalecendo os efeitos da união estável.

Dayanne Nunes
Advogada, especialista em direito das famílias e sucessões e pós-graduanda em Direito civil e processual civil.

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