O STJ vem há tempos reconhecendo a utilização de conflito de competência para se verificar a necessidade de reunião de ações coletivas, que sejam conexas com o intuito de evitar a prolação de decisões antagônicas e díspares, em homenagem ao princípio da segurança jurídica, bem como por se tratar de controvérsia entre juízos vinculados a Tribunais diversos, nos termos do art. 105, I, d, da CF/88 (cf. CC 145918/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 17/05/2017; CC 151.550/CE, Rel. Min. Assusete Magalhães, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 20/05/2019; CC 141.322/RJ, Rel. Min. MOURA RIBEIRO, SEGUNDA SEÇÃO, DJe 11/12/2015).
O conflito se tornava ainda mais necessário quando o suscitante possuía estabelecimentos e filiais em quase todas as unidades da federação, extrapolando o âmbito regional e gerando proposição das ações civis discutidas em múltiplos estados distintos. (v. ratio decidendi exposta no CC 171.966/CE, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, DJe 19/06/2020).
Em agosto do corrente ano, essa tese se consolidou mais fortemente por ocasião do julgamento do CC 175.936/MA, quando a 2ª Seção, acompanhando à unanimidade, o voto apresentado pelo Min. Moura Ribeiro, enfrentou instigante e complexa questão atinente à necessidade da reunião de múltiplas ações civis públicas, mais de dezoito demandas, vinculadas a dezessete juízos e quatorze Tribunais de Justiça (DJe 31/08/2021, transitado em julgado)
Para uma melhor contextualização do tema, cabe referir que várias sociedades educacionais, vinculadas ao mesmo conglomerado, vinham sofrendo, por força de decisões liminares, a imposição de descontos lineares sobre os valores das semestralidades devidas pelos seus alunos, durante a suspensão das aulas presenciais em virtude da pandemia da Covid-19.
Quando da formulação do conflito restou demonstrado que todas as ações buscavam a fixação de descontos nas parcelas semestrais devidas pelos alunos das instituições de ensino superior integrantes do mesmo grupo econômico por conta da pandemia, de maneira que haveria identidade na causa de pedir e no pedido, atraindo a conexão dos feitos, nos termos do art. 55, caput, do CPC/15.
Articulou-se, ainda, como fundamento a justificar a reunião, perante um único juízo, das ações coletivas pulverizadas o tratamento díspar dispensado a jurisdicionados em idêntica situação jurídica, visto que enquanto parte dos juízos indeferiam as liminares, outros concediam os descontos, porém sem uniformidade em sua fixação.
Dito de outra maneira, restava materializada a insustentável realidade em que alunos da mesma universidade e cursando o mesmo curso pagassem até 30% menos do que alunos de outros Estados onde a liminar havia sido negada, ou deferida em percentual distinto.
Assim, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça reafirmou a sua jurisprudência acerca do cabimento do conflito de competência para evitar a prolação de decisões conflitantes, que venham a prejudicar o jurisdicionado, notadamente nos casos em que a controvérsia assumir envergadura nacional.
Para definição da competência, o Superior Tribunal de Justiça assentou, uma vez mais, que a ação civil pública possui regramento próprio e específico acerca da prevenção (art. 2º, parágrafo único, da lei 7.347/85), de modo que “a propositura/distribuição da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto”.
O caso ainda contou com grande influência de recentes entendimentos do E. STF, como a inconstitucionalidade das leis estaduais que regulamentaram a concessão linear de descontos nas redes privadas de ensino no período da pandemia, podendo citar à guisa de ilustração as ADIn 6.423/CE, 6.435/MA, 6.445/PA e 6.575/BA.
O acórdão em questão se fundamentou, ainda, no recentíssimo entendimento formado no Tema 1.075/STF, segundo o qual não há mais limitação territorial das decisões proferidas em demandas coletivas, ante a declaração de inconstitucionalidade do art. 16 da lei 7.347/85, o que tornou ainda mais recomendável e prudente a fixação de um único juízo para evitar provimentos judiciais conflitantes.
Dessa forma, a 2ª Seção, à unanimidade de votos, conheceu do conflito para declarar competente o Juízo da Vara de Interesses Difusos e Coletivos de São Luís/MA, onde foi proposta a primeira ação, para dirimir a controvérsia como um todo.