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Contrato de locação com a administração pública e a possibilidade de prorrogação por prazo indeterminado

Eventuais questionamentos por parte de órgãos de controle, tais como Tribunal de Contas e Ministério Público, não merecem prosperar, na medida em que, tendo o contrato de locação celebrado com o Poder Público natureza preponderantemente de direito privado, não há, portanto, qualquer ilegalidade na sua prorrogação por prazo indeterminado.

9/11/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

É comum a Administração Pública celebrar contrato de locação com o particular, na qualidade de locatária, objetivando o uso de imóvel para o desempenho de função pública. 

Prevalece o entendimento de que a relação jurídica locatícia entre o particular e a Administração Pública é contrato da administração (e não contrato administrativo). Isto é, a Administração Pública atua como se um particular fosse, aplicando-se, na essência, o regime de direito privado.

O Superior Tribunal de Justiça, da mesma forma, já se manifestou sobre o tema da natureza de direito privado do contrato de locação quando o locatário é o Poder Público1. 

Registre-se que a previsão do item 1, da alínea “a”, do parágrafo único, do art. 1º, da lei 8.245/1991, refere-se à locação de imóveis em que o Poder Público seja locador, na qualidade de proprietário, e não locatário2. 

A despeito da natureza privada reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência, o fato de ter a Administração Pública num dos polos da relação jurídica locatícia não afasta a observância de preceitos de direito público3.

Por exemplo: (i) há necessidade de observância das normas sobre licitações e contratos (leis 8.666/1993 e 14.133/2021); e (ii) a execução da despesa pública deve cumprir a normatizações de direito financeiro previstas na lei 4.320/1964 e na lei Complementar 101/2000.

Ressalte-se que, em se tratando de contratos firmados com a Administração Pública, a regra geral dos contratos é a sua celebração por prazo determinado4, sendo excepcional previsão normativa sobre prazo indeterminado5. Portanto, há necessidade de indicação, no contrato, do prazo de duração como cláusula contratual obrigatória.

Assim, em tese se configuraria em manifesta ilegalidade a relação jurídica mantida entre a Administração Pública e o particular quando inexistente novo contrato (ou aditivo).

Não obstante, é preciso ponderar duas situações jurídicas distintas: (i) contrato com cláusula estabelecendo prazo indeterminado; (ii) contrato com prazo determinado, mas que, findo o prazo, não se firmou nova avença ou aditivo contratual.

A primeira hipótese colide frontalmente com as normas sobre contratos em direito administrativo, ao passo que a segunda hipótese é juridicamente aceitável, sendo até mesmo comum de ocorrer na realidade brasileira.   

Como dito, prevalece o entendimento de que a relação jurídica locatícia é de direito privado quando a Administração Pública é locatária. Como corolário, deve-se aplicar a regra prevista no parágrafo único do art. 56 da lei 8.245/19916, que estabelece que, findo o prazo de locação, prorroga-se automaticamente o contrato, passando a vigorar por prazo indeterminado.

Assim, os dispositivos legais que vedam a contratação por prazo indeterminado devem ser compatibilizados com o regime de direito privado típico da locação.  

Sobre o tema, a Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro já consolidou o entendimento por meio do Enunciado 22: “Os contratos de locação de imóveis, nos quais a Administração Pública figure como locatária, podem ser prorrogados por prazo indeterminado, nos termos do art. 56, parágrafo único, da lei 8.245/1991”.                     

Em sentido semelhante, a Advocacia Geral da União, por meio da Orientação Normativa nº 6/2009, também possui posição sedimentada sobre o tema: “A vigência do contrato de locação de imóveis, no qual a Administração Pública é locatária, rege-se pelo art. 51 da lei 8.245, de 1991, não estando sujeita ao limite máximo de sessenta meses, estipulado pelo inciso II do art. 57, da lei 8.666, de 1993”.

Eventuais questionamentos por parte de órgãos de controle, tais como Tribunal de Contas e Ministério Público, não merecem prosperar, na medida em que, tendo o contrato de locação celebrado com o Poder Público natureza preponderantemente de direito privado, não há, portanto, qualquer ilegalidade na sua prorrogação por prazo indeterminado.

_________

1 “(...) O negócio jurídico ora sob exame, locação de imóvel, é tipicamente de direito privado e, portanto, o fato de o Locatário ser a Administração Pública não basta para que preponderem os ditames específicos de direito público em detrimento das normas de direito privado, inclusive as atinentes à prescrição” (REsp 685.717/RO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 04/02/2010, DJe 01/03/2010).

 

2 Nesse sentido: REsp 1224007/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 24/04/2014, DJe 08/05/2014.

3 Nesse sentido é o entendimento de Jessé Torres Pereira Junior: “No contrato de figuração privada, a predominância do direito privado não exclui a incidência dos princípios e normas de direito público que a lei imponha, devendo as normas de direito privado com eles conviver compulsoriamente sob pena de invalidade do acordado” (PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei das licitações e contratações da administração pública. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 600).

4 Na Lei 8.666/1993 há expressa previsão normativa vedando contrato com prazo de vigência indeterminado (§3º do art. 57). No regime da Lei nº 14.133/2021, o art. 105 indica que “a duração dos contratos regidos por esta Lei será a prevista em edital”.

5 Exemplo de situação excepcional é a disciplina do art. 109 da Lei nº 14.133/2021: “A Administração poderá estabelecer a vigência por prazo indeterminado nos contratos em que seja usuária de serviço público oferecido em regime de monopólio, desde que comprovada, a cada exercício financeiro, a existência de créditos orçamentários vinculados à contratação”.

Art. 56. Nos demais casos de locação não residencial, o contrato por prazo determinado cessa, de pleno direito, findo o prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso.

Parágrafo único. Findo o prazo estipulado, se o locatário permanecer no imóvel por mais de trinta dias sem oposição do locador, presumir - se - á prorrogada a locação nas condições ajustadas, mas sem prazo determinado.

João Bosco Won Held Gonçalves de Freitas Filho
Professor de Direito e advogado do escritório João Bosco Filho Advogados.

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