O PL 10.139/2018 tem como escopo principal a revogação do art. 57, § 8º, da lei 8.213/1991, cuja redação é a seguinte:
§ 8º Aplica-se o disposto no art. 46 ao segurado aposentado nos termos deste artigo que continuar no exercício de atividade ou operação que o sujeite aos agentes nocivos constantes da relação referida no art. 58 desta lei.
O art. 46, da lei 8.213/1991, por sua vez, encontra-se assim redigido:
Art. 46. O aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da data do retorno.
Em linhas gerais, esse dispositivo legal aplica ao segurado que obteve aposentadoria especial e continua trabalhando em atividade especial a mesma penalidade cabível ao aposentado por invalidez que continue ou volte a trabalhar.
Trata-se de uma notória confusão de conceitos e institutos previdenciários.
Aquele que obtêm a aposentadoria por incapacidade para o trabalho e retorna voluntariamente às suas atividades laborais está, evidentemente, fraudando o regime previdenciário; quem obteve a aposentadoria especial e retorna ou permanece trabalhando encontra-se plenamente dotado de capacidade laborativa e recebe aposentadoria porque preencheu, voluntariamente, todos os requisitos exigidos pela legislação previdenciária.
Duas situações previdenciárias totalmente distintas, que não deveriam contar com o mesmo enquadramento legal. Por esse motivo sempre se procurou afastar, na via judicial, a aplicação do art. 57, § 8º, da lei 8.213/1991, sendo que essa tese contava com amplo reconhecimento jurisprudencial, em alguns Tribunais Regionais Federais e mesmo no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.
Apesar disso, o STF fixou a seguinte tese no Tema 709 da repercussão geral:
i) É constitucional a vedação de continuidade da percepção de aposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividade especial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a aposentação precoce ou não.
ii) Nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros. Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial a implantação do benefício, uma vez verificado o retorno ao labor nocivo ou sua continuidade, cessará o benefício previdenciário em questão.
Em síntese, foi considerado constitucional o art. 57, § 8º, da lei 8.213/91, que veda o recebimento da aposentadoria especial em conjunto com o exercício de atividade especial.
Ora, e apesar da devida vênia ao entendimento consagrado pelo STF, esse preceito legal ofende frontalmente o direito fundamental ao trabalho, valor fundamental em qualquer país democrático e, atualmente, consagrado em diversos dispositivos da Constituição Federal, em especial art. 5º, inciso XIII, art. 6º, caput, 193 (valor social do trabalho) e 170 (liberdade econômica).
No plano infraconstitucional, vale lembrar a lei 13.874/19 que traz a Declaração dos Direitos de Liberdade Econômica, cujo escopo é a intervenção mínima do Estado na esfera econômica e a garantia da liberdade no exercício das atividades econômicas (arts. 2º, inciso I e III, e 3º, ambos da lei 13.874/19).
De outra parte, ao prever uma hipótese de despedida obrigatória por motivo de aposentadoria, ocorre contrariedade ao disposto no art. 7º, inciso I, da Constituição Federal, que estabelece que a lei protegerá contra a despedida arbitrária – e na situação contemplada na redação do art. 57, § 8º, da lei 8.213/91, há, ao contrário, a promoção da dispensa imotivada, visto que a aposentadoria não figura no ordenamento jurídico brasileiro como causa de extinção do contrato de trabalho (conforme entendimento consagrado na ADIn 1.770-4).
Embora o STF tenha declarado a constitucionalidade do art. 57, § 8º, da lei 8.213/91, o próprio Excelso Pretório já flexibilizou esse entendimento, a exemplo da permissão para os profissionais da área da saúde envolvidos na linha de frente do combate à covid-19 poderem continuar trabalhando.
Outrossim, apesar desse entendimento do STF, o Poder Legislativo possui autonomia e liberdade para alterar o ordenamento jurídico, dentro do papel que lhe cabe dentro de um Estado Democrático de Direito, pois exerce legitimamente a representação do povo. Assim, pode o Congresso Nacional legislar e determinar a revogação do mencionado art. 57, § 8º, da lei 8.213/91.
Por todos estes motivos, consideramos que o PL 10.139/21 é merecedor de muitos elogios e, sobretudo, encontra pleno respaldo no Texto Constitucional, especialmente nas perspectivas de liberdade econômica e liberdade de exercício profissional.