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A natureza fala e o homem não a escuta

Em tempos atrozes, o Top de Ecologia mira o futuro. Este avenir "não é mais o que era" (Paul Valery), também não é "eu reinventei o passado para ver a beleza do avenir" (Louis Aragon), mas, para este escriba, "não se experimenta o avenir, constrói-se" (George Bernanos).

9/2/2007


A natureza fala e o homem não a escuta1

Jayme Vita Roso*

Em memória do pranteado amigo José Zetune

Em tempos atrozes, o Top de Ecologia mira o futuro.

Este avenir "não é mais o que era" (Paul Valery), também não é "eu reinventei o passado para ver a beleza do avenir" (Louis Aragon), mas, para este escriba, "não se experimenta o avenir, constrói-se" (George Bernanos).

Mas, por que uma Associação como a ADVB se projeta sobre a ecologia? É um produto a se vender, para ser consumido?

Não. É que, ressoando o brado dos inconformados, já excluídos, percebeu a necessidade de motivar as empresas e a sociedade organizada a involucrarem-se na preservação do que resta para a vida subsistir no planeta. Basta recordar-se que, sobre as 32.000 espécies comestíveis catalogadas, somente quatro plantas servem de base a 60% da alimentação humana: trigo, arroz, milho e soja. E isto se dá porque, nos dois últimos séculos, modificamos mais as condições da vida humana que durante os seis primeiros anos de existência da humanidade; queimamos o petróleo acumulado durante milhões de anos; destruímos a metade dos territórios onde se localizam as florestas tropicais, em menos de sessenta anos, e favorecemos, assim, a progressão dos desertos.

A economia frenética, desabusada e amoral fabricou conceitos para motivar a produção em massa de quinquilharias e o consumo do supérfluo. Aliás, com a habitual lucidez, Bauman esclarece que "o funcionamento do mercado de consumo desafia a lógica da inerentemente aporética luta pela individualidade. Um anúncio como 'Seja você mesmo, beba Pepsi' recorda essa aporia com uma franqueza que a maioria dos consumidores potenciais do produto agradecerá e pela qual se sentirão agradecidos". Por isso, que "a luta pela singularidade se converteu atualmente no motor principal tanto da produção em massa, como do consumo de massas"2.

O Top de Ecologia é um convite-apelo à reflexão, para colocar em desordem seus próprios pensamentos (Jean Rostand). É mirar o mundo pela fresta do bom senso, que só alguns possuem. E estes são os empresários engajados com a ecologia, cada vez mais nos cases da década.

E este decênio mostrou-nos, segundo Hugo Penteado, Economista do Verde, os mitos da economia (mecanicista, tecnológica e social) frente ao constatado descalabro ambiental, pelo desigual comércio globalizado, pela crescente miséria humana e pelo impedimento à imigração, donde as políticas econômicas se voltam à demanda indiscriminada, que induz ao aumento das desigualdades e da criminalidade.

No Brasil, embora lentamente, caminhamos para salvar o que resta da Amazônia e da Mata Atlântica, assim como as últimas áreas protegidas, com um recente plano nacional bem elaborado, no dizer da ambientalista Anita Correia de Souza.

Se, jocosamente, o humorista Frances Coluche disse: "para que um ecologista seja eleito Presidente da República, seria preciso que as árvores votassem", não menos necessário que os cientistas parem de sabotar o gênero humano e adotem o juramento de Hipócrates, adaptado ao mundo atual pelo botânico e farmacêutico Jean-Marie Pelt e pelo pesquisador em biologia molecular Gilles-Éric Séralini, assim declinado:

1) "Juro ser fiel à ética do respeito às pessoas e às vidas humanas e contribuir ao desenvolvimento do conhecimento e à mais ampla difusão do saber".

2) "Respeitarei todas as espécies na sua diversidade: este respeito inspirará meus atos e meus projetos no curso de minhas experiências sobre os animais ou os tecidos humanos".

3) "Esforçar-me-ei para aliviar os sofrimentos de todos os seres vivos".

4) "Admitido na intimidade do tecido ou da genética das pessoas, resguardarei sua identidade e me circunscreverei ao segredo médico".

5) "Mesmo sob ameaça, não usarei meus conhecimentos contra as leis da humanidade".

6) "Preservarei a independência necessária ao cumprimento de minha missão".

7) "Eu me informarei e refletirei sobre o sentido de minhas experiências e suas conseqüências".

8) "Velarei para que meus trabalhos e pesquisas não sejam utilizados a fins de destruição ou de manipulação".

9) "Respeitarei a sabedoria das etnias e das sociedades tradicionais".

10) "Ficarei atento a não me esquecer de minhas responsabilidades à vista das gerações presentes e futuras".

11) "Recusarei que opiniões sobre nacionalidade, cultura, política ou vantagens pessoais me desviem de meus deveres".

12) "Intervirei para defender, se convocado a fazê-lo, o conjunto desses preceitos".

13) "Que os homens e meus colegas me dêem sua estima, se eu for fiel às minhas promessas".

14) "Que eu seja desonrado e desdenhado, se faltar com meus deveres"3.

Diante desses fatos incontroversos, onde o consumismo assumiu papel preponderante na vida contemporânea, onde o marketing passou a desviar as atenções da realidade e, outra vez com Bauman, a sociedade moderna liquida não tem heróis e nem cuida de ideais a longo prazo. Criou uma figura sui generis do homo eligens, ou seja, ele "e o mercado de artigos de consumo convivem em uma perfeita simbiose: nem um e nem outro veriam a luz de um novo dia se não contassem com o apoio e o alimento que supõe sua companhia mútua"4 .

E este escriba, arrematando, antes que o próximo dilúvio ocorra, como agora reconhecido por todos, com o aquecimento global, sugere que se movimentem a sociedade organizada e os governos para reparar os graves danos que ate agora foram cometidos contra a natureza.

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1O texto acima foi escrito para ser incluído em um livro a ser brevemente publicado e editado pela ADVB/SP.

C’est une triste chose de penser que la nature parle et que le genre humain n’ecoute pas” (Victor Hugo, 1802-1885).

2BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. Buenos Aires: Paidós, 2006. p. 37.

3PELT, Jean-Marie, SÉRALINI, Gilles-Éric. Après nous le déluge?, Paris: Le Grand Livre du Mois, Flammarion/Fayard. Abr.2006, p. 184-190.

4BAUMAN, Zygmunt. Vida liquida. Buenos Aires: Paidós, 2006. p. 49.

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*Advogado do escritório Jayme Vita Roso Advogados e Consultores Jurídicos


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