Fui surpreendido com a notícia do TJ/PE, que criou um Centro de Inteligência para “estudo, identificação e tratamento de demandas de massa e lides agressoras nos órgãos do sistema de Justiça do Estado, que impactam de forma negativa na sociedade”.
A conclusão de que o excesso de judicialização é necessariamente ruim para sociedade não é verdadeira. Quando o excesso decorre de danos sistêmicos causados pela conduta lesiva, consciente e intransigente de determinados agentes, o número crescente de demandas é o sintoma (e não o problema). E, pelo menos nesse caso, a ausência de demandas apenas comprova a inexistência de verdadeiro acesso à justiça e consagra o triunfo dos infratores.
Essa, inclusive, é a realidade brasileira no universo das demandas de massa em consumo, como tentei explicar em artigo publicado recentemente pelo Migalhas.
Sei que esse tema pode ser complexo e controvertido, então vamos deixar ele de lado por enquanto (pois o mais absurdo vem agora).
A mensagem do TJPE, em outras palavras, expressa formalmente preconceito a priori sobre determinadas demandas INDEPENDENTEMENTE E SEM ANALISAR o mérito, colocando em dúvida o seu principal alicerce: a imparcialidade.
Como seria possível, antes mesmo do processo chegar na “mesa” do magistrado, uma ação judicial ser taxada de forma pejorativa de “lide agressora” no momento da sua distribuição?
Ou seja, ao distribuir uma ação na justiça para contestar um dano sistêmico que prejudicou milhares ou milhões de outros indivíduos, o pleito já é recebido com imenso preconceito pelo Poder Judiciário (e os grandes litigantes deste país, agradecem).
Olhando por este ângulo, então, somos obrigados a concluir que para o TJ/PE a culpa pelo excesso de demandas no Brasil seria da vítima.
Compreendo perfeitamente a preocupação do Poder Judiciário com a sobrecarga de trabalho dos magistrados, mas desestimular a judicialização punindo a vítima é um erro.
A justiça deve, sim, promover a pacificação social estimulando o infrator a cessar a conduta lesiva. E isso exige uma postura mais rígida (e não mais leniente) com aquelas empresas que são alvo de demandas em massa.
A nossa sugestão seria justamente para que o TJPE identificasse quais empresas, apesar de serem condenadas de forma reiterada na justiça, NÃO cessam a sua conduta lesiva. E, nesses casos, conduzir um programa educativo junto aos magistrados para que compreendam a necessidade de aumentar o rigor das suas condenações, ao invés de passar a perseguir a vítima e seus advogados (algo, inclusive, que já acontece todos os dias com a campanha difamatória promovida pelos grandes litigantes deste país em cada um dos processos que defendem.
Usar a tecnologia é muito inteligente (e, por este motivo, o TJPE está de parabéns). O que se critica, aí sim, é o uso que se pretende com ela.
O Poder Judiciário precisa compreender com urgência que teremos, sim, cada vez mais demandas discutindo condutas lesivas de menor grau que eram naturalmente represadas pela nossa incompetência em garantir verdadeiro acesso à justiça (seja por desinteresse econômico de advogados em patrocinar tais demandas, seja por preguiça do próprio cidadão em ter de lidar com advogados e a justiça). No entanto, os avanços tecnológicos sem precedentes e a maior proximidade das pessoas com o Direito ao contar com a presença da advocacia nas redes sociais estão derrubando a barreira que impedia que essas demandas (a maioria delas, inclusive, procedentes) desembarcassem no Poder Judiciário.
Essa nova realidade é um fato. E ela já chegou.
A questão é como, nós, operadores de direito, reagiremos a ela.
Atacar o sintoma, sem se preocupar com o verdadeiro problema, não faz sentido algum.
Afinal, todos sabemos que a culpa da necessidade de litigar em excesso no Brasil decorre da conduta consciente de um punhado de empresas que optaram em manter políticas institucionais que violam de forma sistemática determinados direitos.
É contra essas políticas institucionais que precisamos nos voltar.