Ao contrário do que ocorre com o ICMS, a não-cumulatividade das contribuições PIS/Cofins é implementada mediante (1) a soma da totalidade das receitas auferidas pelo contribuinte e (2) a dedução dos valores considerados como exclusões permitidas pela legislação tributária, sendo o maior exemplo dessas exclusões os insumos utilizados para a produção de bens ou prestação de serviços.
Nos termos do entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal em todo o Brasil, "o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte".
Esse entendimento foi exarado em sede de julgamento de recurso especial sob o rito dos repetitivos (tema 779 – REsp 1.221.170/PR)1. Na ocasião, foi declarada a ilegalidade da disciplina de creditamento prevista nas instruções normativas (IN's) da Secretaria da Receita Federal 247/2002 e 404/2004, porquanto, na visão da Corte Especial, "compromete a eficácia do sistema de não cumulatividade da contribuição ao PIS e à Cofins, tal como definido nas leis 10.637/2002 e 10.833/2003".
Tais IN's foram objeto de muitas críticas, justamente, por restringir, de forma ilegal, a nosso ver, o conceito de insumo, previstos nas referidas leis, e, consequentemente, reduzir a possibilidade de tomada de créditos de PIS/Cofins.
Considerando a vinculação da Receita Federal do Brasil (RFB) ao entendimento do STJ, haja vista o disposto no art. 19 da lei 10.522/20022, bem como a declaração da ilegalidade das referidas IN's, foi editado o parecer normativo Cosit/RFB 5, de 17 de dezembro de 2018, a fim de alinhar o entendimento do Fisco Federal ao decidido no REsp 1.221.170/PR.
Feitas essas necessárias considerações, indaga-se: os itens relacionados à pandemia da covid-19, tais como álcool em gel, máscaras, luvas etc., podem ser considerados insumos para fins de apropriação de créditos de PIS/Cofins?
Não há dúvidas que esses "insumos pandêmicos", tal como denominado pelo conselheiro do Carf, Pedro Lima, em sua obra "Aproveitamento de Crédito de PIS e Cofins não-cumulativos sobre os dispêndios realizados nas Aquisições de Insumos Pandêmicos", foram e ainda continuam sendo imprescindíveis e relevantes para o desenvolvimento de atividades econômicas durante esta pandemia que estamos vivendo.
Por exemplo, caso queira funcionar, as empresas devem, obrigatoriamente, sob pena de multas e interdições, adotar rigorosos planos de biossegurança, a fim de conter riscos relacionados à covid-19. Além de outras exigências que geram gastos, tais planos determinam o fornecimento pelas empresas dos "insumos pandêmicos" para todos os seus colaboradores.
Além de imprescindíveis, insumos como álcool em gel e máscaras também são fornecidos pelas empresas aos seus clientes, visando a garantir a segurança destes por ocasião da compra de produtos em loja física ou do recebimento pessoal de prestação de serviços. Disso se extrai a relevância desses insumos no desenvolvimento da atividade econômica nesse período pandêmico que vivemos.
Recentemente, a RFB publicou a solução de consulta 164/20213, onde definiu que álcool em gel, máscaras e luvas somente podem ser considerados insumos e, portanto, geradores de créditos de PIS/Cofins, quando fornecidos à funcionários alocados em atividades de produção da indústria (e não em atividades administrativas desse setor).
Com o devido respeito, essa conclusão da RFB não resiste aos mais óbvios contra-argumentos, como o de que em atividades administrativas também há imposição de legal para o uso de máscaras e disponibilização de álcool em gel. A ocorrência de um surto de covid-19 em qualquer área da empresa pode implicar no fechamento dessa. Desta forma, a essencialidade e a relevância desses itens não podem variar conforme a área da empresa. Mostra-se inadequada tal diferenciação, assim como aquela que distingue despesas realizadas antes e após o processo de produção para fins de créditos de PIS/Cofins.
Ademais, consoante as leis 10.637/2002 e 10.833/2003, o conceito de insumo é aberto, não se tratando de um rol taxativo. Por consequência, o conceito de processo de produção de bens e serviços deve ser interpretado de forma ampla, de modo a afastar a ideia restritiva de que somente é insumo se umbilicalmente ligado a atividade fim da empresa.
Uma vez atendidos os critérios de essencialidade e relevância para o processo de produção de bens ou prestação de serviços considerado em sentido amplo, deve ser a apropriação de créditos de PIS/Cofins. Até porque, atualmente, muitas das atividades de produção são viabilizadas por atividades prévias e recorrentes de setores administrativos da empresa.
Sejam alocados em atividades de produção, sejam em atividades administrativas, fato é que ambas as áreas integram sinergicamente o processo de produção de bens e serviços, e, sendo uma imposição legal o fornecimento dos "insumos pandêmicos" a colaboradores e até clientes, trata-se de despesas imprescindíveis e importantes para o desenvolvimento da atividade econômica da empresa nesses tempos pandêmicos. Logo, deve ela ter o direito apurar créditos de PIS/Cofins sobre o que gasta com álcool em gel, máscaras e luvas.
2 Art. 19. Fica a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional dispensada de contestar, de oferecer contrarrazões e de interpor recursos, e fica autorizada a desistir de recursos já interpostos, desde que inexista outro fundamento relevante, na hipótese em que a ação ou a decisão judicial ou administrativa versar sobre:
(...)
VI - tema decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional, ou pelo Superior Tribunal de Justiça, pelo Tribunal Superior do Trabalho, pelo Tribunal Superior Eleitoral ou pela Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência, no âmbito de suas competências, quando:
a) for definido em sede de repercussão geral ou recurso repetitivo; ou (...)