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Código Florestal: pela segurança jurídica, STF e STJ precisam dialogar

Espera-se que haja o exame prioritário e urgente do tema pelo STJ, e que a decisão a ser proferida seja coerente e uniforme com o que vem decidindo, reiteradamente, o STF acerca do tema, para que, finalmente, tenhamos a almejada segurança jurídica na aplicação desse importante diploma legal.

19/10/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O acórdão proferido no âmbito do Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial 1.145.207/SP, de relatoria do E. Ministro Francisco Falcão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), analisa, uma vez mais, o tema da aplicação - no tempo - da lei  12.651/12 – novo Código Florestal.

O recurso ao STJ é oriundo de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, que impugnou a legalidade de construções, com fundamento, dentre outros, na sua localização em área de preservação permanente.

O acórdão em questão, em linhas gerais, ratificou a decisão monocrática anterior do Ministro Francisco Falcão, que determinou o afastamento da incidência da lei 12.651/12, com base na aplicação do princípio tempus regit actum, aplicando a lei 4.771/1965, vigente ao tempo da origem das construções impugnadas. Fez referência, ainda, ao princípio da vedação ao retrocesso em matéria ambiental.

Forte na aplicação da regra da irretroatividade das leis, a decisão colegiada ora analisada, fazendo referência a outros precedentes do STJ no mesmo sentido, ratificou a decisão monocrática que reformou o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, a despeito de haver mantido a demolição das construções, pelo fundamento da ausência de licenciamento ambiental, aplicou a lei do Novo Código Florestal para considerar inexistente ocupação em área de preservação permanente de “topo de morro”, diante da alteração dos critérios legais e técnicos para a sua configuração, admitindo a regularização das construções com base, também, na aplicação da nova lei.

De acordo com o relator Min. Francisco Falcão, “a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que, em se tratando de matéria ambiental, deve-se analisar a questão sob o ângulo mais restritivo, em respeito ao meio ambiente, por ser de interesse público e de toda a coletividade, e observando, in casu, o princípio tempus regit actum”.

Nesse sentido, o STJ atribui à decisão uma conotação de que a legislação anterior, aplicada em detrimento do Código Florestal vigente, tem maior capacidade de conferir proteção ao meio ambiente e, consequentemente, ao interesse da coletividade, por esse motivo não podendo retroagir.

Ocorre que, por conta de outra decisão nesse mesmo sentido, sob o mesmo fundamento, e situação fática semelhante, proferida também pelo STJ, o tema foi submetido ao recente exame do E. Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da Reclamação 39.991.

Em decisão monocrática proferida pelo relator Ministro Ricardo Lewandowski, e publicada em 08/06/2021, foi consignado que:

“(...) esta Suprema Corte, em reiteradas reclamações, tem considerado que o raciocínio adotado pelo STJ, fundado nos princípios do tempus regit actum e da vedação de retrocesso ambiental, acarreta burla à decisão proferida pelo Plenário desta Corte na ADC 42/DF e nas ADIs 4.901/DF, 4.902/DF, 4.903/DF e 4.937/DF”.

O citado posicionamento do STF, fundamentado em outros tantos precedentes no mesmo sentido (vejam-se a propósito, no STF, as reclamações 42.711, 43.202, 42.889 e 38.764, dentre outras), ratifica o entendimento de que a não aplicação de dispositivos da lei 12.651/2012, sob o argumento de que o novo Código não poderia alcançar fatos pretéritos, resulta no esvaziamento da eficácia da referida norma, cuja validade constitucional foi afirmada pela Corte.

A mencionada Reclamação foi julgada procedente para cassar a decisão que deu provimento ao Recurso Especial 1.687.335/SP (citado na decisão do Ministro Francisco Falcão) interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, para afastar a incidência, no caso, do artigo 68 da lei 12.651/12, assim como os acórdãos posteriores que a mantiveram, com observância ao entendimento firmado no julgamento das ações que analisaram a constitucionalidade da lei  12.651/2012.

A preocupação do STJ quanto à proteção ao meio ambiente e aos interesses da coletividade não é deixada de lado pela aplicação da lei 12.651/2012, nos termos do que já foi decidido pelo STF. Isto porque a referida lei traz mecanismos que asseguram a proteção ambiental e que devem ser levados em consideração para a obtenção das licenças ambientais pertinentes e para a regularização ambiental das propriedades urbanas e rurais, não havendo se falar em retrocesso.

Conquanto saibamos que a decisão proferida pelo STF no âmbito da Reclamação não possui efeitos vinculantes, fato é que o sistema do novo CPC foi concebido à luz da busca por um processo célere, eficiente e convergente em direção a uma lógica de uniformidade e coerência das decisões, fundamentada na valorização de precedentes.

As decisões proferidas no âmbito das ações que analisaram a constitucionalidade da lei 12.651/12, estas sim, possuem efeitos erga omnes e vinculantes, daí porque, em nosso entendimento, diante das reiteradas reclamações ajuizadas em face de decisões do STJ de mesmo conteúdo e natureza, já declaradas afrontosas das decisões proferidas pela Suprema Corte em sede de controle concentrado de constitucionalidade, deveriam ser observadas no âmbito do STJ em homenagem à segurança jurídica e aos princípios da eficiência, da celeridade e da uniformidade das decisões.

Nesse sentido, mostra-se urgente o exame, pelo STJ, dos Recursos Especiais 1.762.206 e 1.731.334, submetidos ao rito dos recursos repetitivos, cuja tese delimitada é exatamente a da “possibilidade de se reconhecer a retroatividade de normas não expressamente retroativas da lei 12.651/12 (novo Código Florestal) para alcançar situações consolidadas sob a égide da legislação anterior”.

Aliás, a Primeira Seção, no âmbito dos mencionados Recursos Especiais, por unanimidade, suspendeu a tramitação de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional, nos termos do artigo 1.037, II, do CPC, o que, salvo melhor juízo, não vem sendo observado pelo próprio STJ.

Importa salientar, por fim, que a resolução destes Recursos Especiais Repetitivos deve observar o posicionamento da Suprema Corte, que já analisou a matéria sob o ponto de vista constitucional e considerou que a norma assegura a devida proteção ao meio ambiente. A manutenção, pelo STJ, do entendimento que vem adotando nestes julgamentos esparsos implica na caracterização do que o legislador buscou a tanto custo evitar na elaboração do CPC de 2015: a divergência jurisprudencial, que se monstra ainda mais grave quando ocorrida entre os Tribunais Superiores.

Espera-se, assim, que haja o exame prioritário e urgente do tema pelo STJ, e que a decisão a ser proferida seja coerente e uniforme com o que vem decidindo, reiteradamente, o STF acerca do tema, para que, finalmente, tenhamos a almejada segurança jurídica na aplicação desse importante diploma legal.

Ana Claudia La Plata de Mello Franco
Advogada com atuação em Direito Ambiental na área de infraestrutura e construção.

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