Migalhas de Peso

Ofensa à liberdade

A ofensa à liberdade somente tem sido considerada pela jurisprudência como causa de reparação moral quando demonstrada a ilicitude da prisão ou o recolhimento além do prazo.

11/10/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

INTRODUÇÃO 

A partir de hoje será abordado o tema “O Valor da Reparação Moral”, demonstrando, com a colação de farta jurisprudência, os valores e critérios prevalentemente adotados pelo Superior Tribunal de Justiça sobre os mais frequentes casos, com sua equivalência em salários mínimos para manter a atualidade das cifras encontradas. 

Esta apresentação tem por base a obra “O Valor da Reparação Moral”, escrita por Mirna Cianci (De Plácido Editora, 5ª ed. 2.020), sendo resultado de uma pesquisa estatística efetuada em aproximadamente 5.000 acórdãos do STJ, onde foram constatados os casos mais frequentes, as faixas de valores concedidos a cada caso (mínimo e máximo) com frequência estatística e as causas de aumento e diminuição, que justifiquem a eleição dos valores em cada faixa, portanto, não se trata de um resultado aleatório, mas sim, levando em conta a posição prevalente na Corte.

A partir do momento em que o STJ atraiu para si o reexame dos valores que considerasse ínfimos ou exagerados, acabou por revelar, de modo intrínseco, a eleição por uma base que viabilize essa comparação, o que foi constatado por esse estudo. 

A mesma obra gerou um Projeto de Lei (o PLS 334/08) que chegou a obter relatório favorável do Senador Alvaro Dias, mas que não logrou aprovação final, pois há forte pressão para que se mantenha a reparação moral como uma verdadeira loteria. Esse Projeto sugere como critérios da avaliação da reparação, ressalvada a possibilidade de reposição natural e tempestiva,  seja considerado:  o bem jurídico ofendido; a posição socioeconômica da vítima; a repercussão social e pessoal do dano;  a possibilidade de superação psicológica do dano, quando a vítima for pessoa física, e de recomposição da imagem econômica ou comercial, quando pessoa jurídica; a extensão da ofensa e a duração dos seus efeitos; o potencial inibitório do valor estabelecido, com acréscimo de outros elementos que determinem a gravidade da lesão ao patrimônio ideal do ofendido, o que resulta igualmente da pesquisa estatística feita a partir da jurisprudência do STJ.

 À míngua de legislação regulamentadora, busca-se norte capaz de diminuir as enormes disparidades na fixação da reparação moral, trazendo em separado os casos mais frequentes, na área cível e trabalhista. Ao final, serão trazidas ementas, também por assunto, das causas cujos pedidos foram julgados improcedentes, a respeito dos quais tem o STJ afastado a reparação. 

A ofensa à liberdade somente tem sido considerada pela jurisprudência como causa de reparação moral quando demonstrada a ilicitude da prisão ou o recolhimento além do prazo. Em outras situações tem sido afastado o reconhecimento do dano moral, em especial quando demonstrado que a absolvição posterior deu-se por falta de provas. 

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRISÃO PREVENTIVA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ERRO JUDICIÁRIO. INEXISTÊNCIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO NÃO CONFIGURADA. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ.

1. O Tribunal de origem consignou que "dentro dos fatos acolhidos, não entendo por haver qualquer o arbitrariedade ou imprudência no ato de prender e processar a ora demandante, visto que não faltaram indícios de seu envolvimento numa organização criminosa, indícios esses, suficientes à denúncia por parte do Ministério Público Estadual, que estava no exercício do seu mister. Dito posto, avanço na apreciação da e atuação do Estado. Quanto a sua permanência presa, a autora/apelante alega ter sido mantida em presídio por mais de 10 (dez) meses indevidamente (Declaração de fl. 13), posto que foi absolvida por Sentença Criminal, fatos que causaram danos morais e materiais a sua pessoa. Em análise à Sentença do juízo criminal da 17º Vara da Capital, mais especificamente em sua fl. 28, o Magistrado declara a absolvição de (...) das acusações imputadas com fundamento no art. 386, inciso VI, do o Código de Processo Penal, aduzindo, expressamente, que diante da inexistência de provas contundentes que levem a condenação de alguns denunciados, a absolvição é o o único caminho. Isso quer dizer que a declaração de inocência da autora no processo criminal se deu por falta de provas, e não por erros na apuração de materialidade ou autoria, portanto, tendo em vista o princípio do in dubio pro reo, não se pode condenar o alguém sem a devida comprovação de envolvimento no crime" (fl. 151, e-STJ). 2. No presente caso, para rever o entendimento da Corte de origem, a fim de atender ao apelo da recorrente, é necessário revolver o contexto fático-probatório dos autos. Incidência, na hipótese, da Súmula 7 do STJ. 3. Agravo Interno não provido. (AgInt no AgInt no AREsp 1681624/AL, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/12/2020, DJe 18/12/2020) 

DANOS MORAIS. PRISÃO PREVENTIVA. POSTERIOR ABSOLVIÇÃO. ERRO JUDICIÁRIO. INEXISTÊNCIA. 1. Cuidaram os autos, na origem, de Ação de reparação por danos morais em virtude de ilegal prisão preventiva por alegada suspeita de execução durante atuação policial. A sentença julgou improcedente o pedido por entender não haver violação ao estado de inocência e que a prisão decorreu do exercício regular do dever público. O acórdão da Apelação manteve a sentença. 2. É inviável analisar a tese defendida no Recurso Especial, pois inarredável a revisão do conjunto probatório dos autos para afastar as premissas fáticas estabelecidas pelo acórdão recorrido de que a prisão decorreu do exercício regular do dever público, não havendo violação ao estado de inocência. Aplica-se, portanto, o óbice da Súmula 7/STJ. 3. Recurso Especial não conhecido, e condenada a parte recorrente ao pagamento de honorários advocatícios correspondentes a 10% (dez por cento) sobre a verba sucumbencial fixada na origem, observando-se eventual concessão do benefício da Justiça Gratuita deferida nos autos. (REsp 1788307/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/04/2019, DJe 29/05/2019) 

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRISÃO CAUTELAR E POSTERIOR ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS. PRISÃO CONSIDERADA LEGAL PELA CORTE DE ORIGEM. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. (REsp 1429718/PE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/12/2018, DJe 13/02/2019) 

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRISÃO PREVENTIVA. LIBERDADE PROVISÓRIA. REVOGAÇÃO. ALEGADO ERRO JUDICIÁRIO. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS, CONCLUIU PELA AUSÊNCIA DE QUALQUER ILEGALIDADE NA PRISÃO DA PARTE AUTORA. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. I. Agravo interno aviado contra decisão publicada em 16/06/2017, que, por sua vez, julgara recurso interposto contra decisum publicado na vigência do CPC/73. II. Na origem, trata-se de ação ordinária, proposta por Aparecido Donizetti Garcia em face da Fazenda do Estado de São Paulo e outros, argumentando, em síntese, que é cabo da Polícia Militar do Estado de São Paulo e responde a processo por crime militar. Sustenta que, em 31/10/2007, teve suspensa a liberdade provisória que lhe fora conferida, em razão do não comparecimento em audiência de interrogatório. Alega, contudo, que não fora notificado desse ato processual. Defende que, em razão de erro judiciário, ficara preso por 28 dias, razão pela qual pretende o recebimento de indenização por danos morais, no valor correspondente a 120 salários-mínimos.

III. Quanto à alegação de negativa de prestação jurisdicional, verifica-se que, apesar de apontar como violado o art. 535 do CPC/73, a agravante não evidencia qualquer vício, no acórdão recorrido, deixando de demonstrar no que consistiu a alegada ofensa ao citado dispositivo, atraindo, por analogia, a incidência da Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal ("É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia"). Nesse sentido: STJ, AgRg no AREsp 422.907/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 18/12/2013; AgRg no AREsp 75.356/SC, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 21/10/2013. IV. O Tribunal de origem, à luz das provas dos autos, manteve a sentença de improcedência, consignando que o autor, "posto em liberdade, claramente procurou dificultar o desenvolvimento regular do processo ao evitar, reiteradamente, comparecer às audiências designadas, sempre alegando questões de ordem médica. Tal perdurou por cerca de seis meses". Esclareceu que "pouco mais de 15 dias após a realização da audiência de seu julgamento o apelante foi posto novamente em liberdade". Por fim, concluiu a Corte a quo pela ausência de "qualquer abuso na revogação da liberdade provisória do apelante, a qual resultou de sua própria conduta evasiva, não havendo qualquer motivo para a responsabilização dos apelados". Tal entendimento não pode ser revisto, em sede de Recurso Especial, sob pena de ofensa ao comando inscrito na Súmula 7 desta Corte. Precedentes do STJ. V. Agravo interno improvido. (AgInt no AREsp 1088866/SP, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 28/11/2017) 

SUSPEITA DA PRÁTICA DE CRIME. PRISÃO EM FLAGRANTE. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. RESPONSABILIDADE CIVIL INDEPENDENTE DA CRIMINAL. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ.

1.  Consoante jurisprudência desta Corte, "salvo casos de má-fé, a notitia criminis levada à autoridade policial para apuração de eventuais fatos que, em tese, constituam crime, em princípio não dá azo à reparação civil, por constituir regular exercício de direito, ainda que posteriormente venha a ser demonstrada a inexistência de fato ilícito" (REsp 468.377/MG, Quarta Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 23/6/2003). 2.        O aresto impugnado foi categórico em afirmar a ausência de responsabilidade da ora agravada pelos alegados danos morais, haja vista que, diante da 'suspeita concreta da prática de furto', agiu dentro dos limites aceitáveis, inexistindo dolo, culpa ou má-fé por parte de seus prepostos, por ocasião da abordagem da agravante. À vista de tais fatos, soberanamente delineados pela Corte de origem, a modificação do julgado, conforme pretendida, demandaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que é incompatível com a via estreita do recurso especial. Incidência da Súmula 7 do STJ.3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag 1377174/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 18/09/2012, DJe 15/10/2012) 

PRISÃO QUESTIONADA. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANO MORAL. DESCABIMENTO.

Tendo sido realizada a prisão dentro dos parâmetros legais, mesmo ante a pertinência da questão afeita à falta de intimação para defesa prévia, não há que se cogitar de teratologia do ato judicial, o que mitiga o erro do judiciário a ponto de não impor a indenização por dano moral.  (REsp 815.004/RJ, Rel. Ministro  JOSÉ DELGADO, Rel. p/ Acórdão Ministro  FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12.09.2006, DJ 16.10.2006 p. 309) 

RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO. ATO ILÍCITO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA NO JUÍZO CRIMINAL .

O entendimento do Tribunal de Origem, no sentido de que a decisão absolutória na esfera criminal não é razão suficiente para garantir a absolvição na esfera cível, está em consonância com a jurisprudência desta Corte. Incidência da Súmula 83/STJ. A agravante não trouxe qualquer argumento capaz de infirmar a decisão que pretende ver reformada, razão pela qual se entende que ela há de ser mantida na íntegra.  (AgRg no Ag 1069357/RS, Rel. Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 03/02/2009, DJe 16/02/2009) 

RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. ABSOLVIÇÃO. INEXISTENTE DEVER DE INDENIZAR.

O Tribunal de origem valeu-se de premissas as quais não foram objeto de combate na via especial – de que não cabe, no caso, falar em indenização, porquanto a prisão e a absolvição do ora agravante deram-se por meio de processo criminal regular, sem a ocorrência de erro judiciário. Caracteriza-se a falta de combate a fundamentos do acórdão recorrido, acarretando a incidência, ao recurso especial, do óbice da Súmula 283/STF."O exercício regular da atividade estatal não pode ser capaz de gerar indenização. Afinal, é preciso que tenha o agente margem de segurança e largueza para fazer o seu trabalho repressivo" (REsp 337.225/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/03/2003, DJ 14/04/2003).O Tribunal de origem assentou que: não se consubstanciou "erro judiciário", na medida em que não houve condenação, não estando o processo criminal contaminado por qualquer ato "contra legem". O apelante foi absolvido pelo E. Tribunal do Júri, em processo criminal regular, sendo expedido Alvará de Soltura, incontinenti (fls. 10). A prisão do apelante se deu em regular processo, e fundamentada de forma suficiente (fls. 28) (e-STJ fl. 119). (AgRg no Ag 1307948/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/08/2010, DJe 08/09/2010) 

PRISÃO PREVENTIVA E POSTERIOR ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - NECESSIDADE DE CONSTATAÇÃO DA ILEGALIDADE DO DECRETO PRISIONAL 

 Esta Corte tem firmado o entendimento de que a prisão preventiva, devidamente fundamentada e nos limites legais, inclusive temporal, não gera o direito à indenização em face da posterior absolvição por ausência de provas. Precedentes. Na mesma linha, tem decidido que avaliar se a prisão preventiva caracterizou erro judiciário enseja reexame de provas, sendo inviável em recurso especial (Súmula 7/STJ). Precedentes.  (REsp 911.641/MS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/05/2009, DJe 25/05/2009)

Mirna Cianci
Procuradora do Estado de São Paulo. Doutora e mestre em Direito Processual Civil. Professora. Sócia no escritório Cianci Quartieri Advogados.

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