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O vulcão em Canárias e a destruição de direitos no Brasil

Assim como nas Ilhas Canárias, em La Palma, o vulcão Cumbre Vieja, continua sua destruição rumo ao mar, onde constrói uma extensão da ilha. Trata-se de uma destruição natural e criadora. Aqui, a destruição é contínua, avassaladora, e nada cria.

8/10/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

É assustadora a destruição promovida pelo vulcão Cumbre Vieja em Palmas, Ilhas Canárias (ES). Lá presenciamos um fenômeno natural, com poder devastador tão grande quanto a resistência de seu povo e a prontidão e agilidade do Estado na proteção e construção de alternativas para recuperar as atividades produtivas e turísticas da bela ilha. Dói ver os estragos, mas a disciplina da população e agilidade do Estado impediu mortes e a fome.

Aqui, neste imenso e continental país, a destruição é avassaladora, já causou prejuízos incalculáveis. Do vulcão de lá ouve-se roncos, saem lavas, fumaça e labaredas de fogo. A destruição daqui também gerou chamas que queimou a Amazônia e o Pantanal, mas os olhos cospem lágrimas de dor pelas mortes, que poderiam ser evitadas, pelo desemprego, desamparo e falta de perspectiva. O ronco aqui sai mesmo é do estômago de muitas famílias, da fome que retornou aos lares brasileiros.

Aqui a resistência tem sido insuficiente e o Estado tem sido a principal força a espalhar desgraças por todos os lados. No Brasil a ferocidade vulcânica tem sido dos neofascistas. A devastação tem sido tão grande, que tornará difícil a recuperação da capacidade produtiva e do espaço internacional já ocupado pelo Brasil. Não será fácil, mas é imperioso resgatar direitos, fazer justiça e restituir os avanços civilizatórios conquistados pela humanidade neste imenso continente. Em especial, acabar novamente com a fome e colocar a ciência na posição de destaque que merece no orçamento público.

Aqui, Bolsonaro, sua equipe e parlamentares que lhe dão sustentação, operam máquinas públicas e privadas com forte capacidade destrutiva. Não são apenas as milícias, mas também o guindaste de demolição operado por Paulo Guedes, que tem força e milhões de dólares aplicadores em sua participação societária em offshore em paraísos fiscais. Opera para destruir aqui e embolsa milhares de dólares acolá. É a verdadeira destruição criadora.

Nas Ilhas Canárias, o governo não economiza combustível para salvar e abrigar famílias. Aqui, os preços dos combustíveis dispararam, mas são usados sob medida em máquinas operadas por profissionais especializados em demolição de direitos. Tratam-se de seres de baixa envergadura política e ética, que em Canárias já estariam guerreando para ocupar a área terrestre produzida pela endurecimento do magma em seu choque no mar. Quanto aos aos investimentos em paraísos fiscais, por enquanto nada a declarar, mas que têm se beneficiado com acesso a recursos públicos para atender suas bases eleitorais, parece-nos evidente.

O relator da reforma trabalhista de 2017, depois de usar técnicas de demolição sofisticadas em seu relatório e conseguir transformar uma proposição de poucos artigos em uma nova CLT, tornou-se Secretário Especial da Previdência e Trabalho, onde se sentiu à vontade para colocar todas suas bolas de demolição em ação. Ousadia e virulência ainda maior do que a imensa destruição provocada pelo vulcão Cumbre Vieja. Lá todos sobrevivem, aqui houve mais de 600 mil mortes, que poderiam ter sido evitadas.

Lá a economia foi abalada, mas o Estado já colocou recursos a disposição para reconstruir residências e recuperar a economia e os empregos. Aqui, milhares vivem nas ruas sem esperança, com fome. O Estado se afasta de suas responsabilidades com o bem estar, corta programas sociais e preocupa-se apenas com o agronegócio e com o rentismo, em especial aquele derivado de investimentos em paraísos fiscais.

A deformação trabalhista e previdenciária foi capaz de tornar terra arrasada os avanços civilizatórios de mais de um século. Em contrapartida, não gerou os empregos prometidos. Em Palmas, pelo menos a Ilha tem ganho alguns alqueires na dimensão de seu território, ampliado pela solidificação do magma vulcânico com as águas do mar.

Depois de comandar a deformação e destruir direitos trabalhistas, instituindo a prevalência do negociado sobre o legislado, e de viabilizar uma deformação previdenciária, o governo e sua base aliada:

(1) atacaram as Normas Regulamentadoras (NRs) para destruir as medidaspreventivas e de proteção da saúde dos trabalhadores;

(2) embutiram um pacote de maldades na MP 881/19, que só não se tornourealidade graças à resistência do movimento sindical, democratas do direito e do Senado Federal;

(3) preparam o caminho para ampliar seus ataques à organização sindical e àJustiça do Trabalho, com a criação do Grupo de Altos Estudos do Trabalho, no qual não estão representados aqueles que mais entendem do assunto: dirigentes sindicais e advogados trabalhistas que exercem sua profissão defendendo os trabalhadores. Mas, a parte patronal tem acento com intelectuais, juristas e o ex-presidente do TST, cujas trajetórias revelam forte alinhamento de suas posições com as da classe patronal.

(4) implantaram a prevalência do direito individual sobre o coletivo, de portariae decreto sobre legislação ordinária para flexibilizar e reduzir direitos.

(5) iniciaram um processo de privatização e desmonte de empresas do porte daPetrobras, Eletrobrás e estão na linha de destruição Correios, Dataprev, EBC, Serpro, dentre outras.

(6) todas os recursos e instrumentos possíveis estão sendo operados paraviabilizar a aprovação de uma deformação administrativa, que vai substituir o concurso público pelo apadrinhamento político na ocupação e execução dos serviços que serão cada vez menos públicos e mais privados.

Acostumados a manejar armas, reais ou simbólicas, o lado de lá atirou com espingarda cano 12 cortado, por meio da portaria 604/19 e jabutis inseridos em MPs, visando acabar de vez com as medidas protetivas do descanso dos trabalhadores aos domingos e feriados, de novo alegando que geraria emprego. Na verdade, o objetivo era liberar as empresas das negociações com os sindicatos de trabalhadores e  livrá-las do pagamento das devidas compensações das horas de descanso aos domingos. O governo, reconhecido por governar por Medida Provisória, inovou com decretos e depois se superou ao desregular o mercado de trabalho por portaria.

Agindo como máquinas e robôs sem qualquer sensibilidade, emoção e racionalidade, o governo e parte da classe patronal passaram a matar por inanição sua própria cria: a prevalência do negociado sobre o legislado. O negociado, tão referenciado por ocasião da contrarreforma trabalhista, começou a morrer antes de dar os primeiros passos, ainda no período de amamentação, já que só valeria se fosse para reduzir direitos.

A moderna inovação passou a ser a prevalência do legislado por portarias, decretos, medidas provisórias e acordos individuais sobre a legislação ordinária e as negociações coletivas. Ao liberar o trabalho aos domingos e feriados, o governo prejudicou os pequenos negócios familiares e impôs imenso sacrifício aos trabalhadores e suas famílias. Diferentemente do que pregou na campanha, a família não têm qualquer valor para este governo, que agiu - e ainda age - de forma irresponsável diante da pandemia da Covid 19, tendo altas responsabilidades pelas mais de 600 mil mortes.

A fragmentação e os desenlaces familiares e nas relações de trabalho que presenciamos, só tendem a aumentar. A convivência familiar, tão essencial para sua coesão, sofreu mais um golpe com esta medida e pelas que as sucederam como emendas incluídas em Medidas Provisórias, as famosas "jabutis", seres estranhos que em tamanho podem se assemelhar aos gigantes das Galápagos, mas em nada parecidos com os nossos lindos jabutis brasileiros.

O retorno do histórico Ministério do Trabalho, que nunca poderia ter sido extirpado, não anuncia qualquer esperança de reparação do estrago já realizado. Pelo contrário, o ministro nomeado é conhecido por suas posições contrárias aos direitos mais elementares da classe trabalhadora e pelo seu estreito alinhamento com os interesses retrógrados de parte do empresariado.

A fiscalização do trabalho foi desmontada, não conta com o número de fiscais necessários para assegurar o cumprimento da legislação retalhada. A fiscalização está sem os recursos necessários, teve suas atribuições furtadas e não há qualquer aceno do novo ministro de que algo será feito para corrigir esta distorção.

A aplicação de multas para coibir práticas irregulares tornou-se tão difícil quanto um trabalhador lesado conseguir recorrer à Justiça do Trabalho e ter um julgamento justo sem risco de ser condenado. Presenciamos a premiação da fraude, a naturalização da violência, a generalização da mediocridade, da mentira e do ditado popular: no Brasil, o crime compensa.

Em cenário de tamanha turbulência, com terremotos, maremotos, vulcões e vendavais, as centrais sindicais decidiram deixar suas diferenças de lado e se unificarem em um Fórum Unitário. Construíram uma Agenda Legislativa que lhes serve de referência para o acompanhamento da tramitação das matérias e manifestação de suas posições, para realizar os diálogos e as legítimas pressões sobre os e as parlamentares da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Ampliaram suas alianças e construíram Grupos Estaduais da Agenda Legislativa para atuar na base de cada parlamentar. Estreitaram suas relações com entidades do mundo jurídico, como Anamatra, ANPT, Associação Nacional de Advogados Trabalhistas, dentre outras. Sabemos que umas agem e têm mais força e capacidade de mobilização que outras. Mas, a importância da unidade em cenários como este vai muito além. Já podem comemorar alguns resultados, mas o cenário ainda é difícil. Quando se recuperam de um embate já têm pela frente um enxame de proposições destrutivas.

Assim como nas Ilhas Canárias, em La Palma, o vulcão Cumbre Vieja, continua sua destruição rumo ao mar, onde constrói uma extensão da ilha. Trata-se de uma destruição natural e criadora. Aqui, a destruição é contínua, avassaladora, e nada cria, tudo transforma em prejuízo dos que mais precisam. A previsão em Canárias é que o vulcão continue a provocar destruição por mais uns três meses. Por aqui, pode se estender por mais tempo, mas de 2022 não passará.

Luiz Antonio Alves de Azevedo
Mestre em Sociologia Política. Foi dirigente sindical e deputado. Sócio da Veredas Inteligência Estratégica, que presta serviços à CUT Nacional. Autor de Sindicalismo sob ataque e Reforma Sindical.

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