Perdi as contas de quantas vezes escrevi e falei: o negócio de seguro é um ilustre desconhecido.
Fala-se muito, sabe-se pouco a respeito. Além disso, o conhecimento fica quase que restrito aos que o operam. E o que se fala nem sempre é bom, muito menos veraz. Há desconhecimento geral sobre os fundamentos do negócio e até certo ranço ideológico contra ele.
Não são poucos os que não acham errado prejudicar seguradoras porque “são ricas demais”. Uma mentira aqui, outra acolá, e tudo bem; afinal de contas, “elas têm dinheiro”.
O engano coletivo é a soma de muitos enganos ou autoenganos. E assim, nessas enganações mútuas e reflexas, vai a sociedade, seguindo curso em meio aos mais acidentados mares.
Há até quem, com ares de Robin Hood, justifique a fraude pura e simples – desde que “não seja muito grave nem prejudique pessoas”. Para muitos, lesar a seguradora não ofende a ética nem grita contra o bom-senso. Sem falar no caráter ilícito da conduta lesiva, há nisso tudo uma ignorância acentuada.
Não que lesar a riqueza das seguradoras tenha alguma justificativa, porque não tem, mas o fato ignorado quase por completo é que não é só (e este “só” bem entre aspas) ela que é prejudicada diante da mentira, da fraude, porém todo o colégio de segurados.
A vítima do dano é o mútuo que a seguradora representa. E quando se leva em consideração o signo social do negócio de seguro, é a coletividade que perde. Vê-se que tudo é realmente mais complicado do que parece e que relações jurídicas imbrincadas em outras exigem sempre especial e detida atenção.
Todavia, em que pese a importância disso tudo, não é da fraude ou da mentira que desejo tratar. Esses são temas que se relacionam com o princípio da boa-fé objetiva e que merecem um estudo cuidadoso, à parte.
Quero tratar de outra coisa: os limites do dever de indenizar das seguradoras.
Infelizmente, mesmo as coisas mais óbvias têm que ser constantemente afirmadas e defendidas, sob pena de serem desnaturadas, ainda que por ingenuidade.
Muitas vezes vejo nos litígios judiciais as seguradoras serem condenadas ao pagamento de indenizações acima dos limites estabelecidos expressamente nas apólices (as importâncias seguradas) e por riscos não cobertos ou expressamente excluídos. Condenações juridicamente erradas e fundamentalmente injustas.
É certo que seguradora nenhuma poderia ser obrigada a pagar indenização acima da importância segurada, muito menos por risco não coberto ou, pior, por risco excluído. Essa constatação seria de uma incrível obviedade se o desrespeito a ela também não fosse incrivelmente comum.
Há mais mistérios entre o negócio de seguro e a realidade forense do que supõe nossa vã filosofia.
Uma das portas de entrada para essas estranhas condenações, penso eu, é aberta pelo direito do consumidor nas controvérsias entre segurados e seguradores.
Diretamente regulado pelo Código Civil, o contrato de seguro tem normas específicas e, em muitos casos, não se alinha ao conceito de relação de consumo. Mesmo assim, a incidência do Código de Defesa do Consumidor para a solução de controvérsias é mais comum do que se possa imaginar.
Quando se aplica a legislação consumerista, surge um rol de princípios e normas que pode eventualmente retirar o contrato de seguro do arquétipo, da base em que ele se funda. Além disso, esse contrato é muito anterior ao direito do consumidor e tem uma dinâmica própria, inconfundível.
Submetê-lo, sem critério, ao regramento do consumidor é esvaziá-lo de sua dignidade original e, sob o argumento duvidoso de proteger o consumidor, alterar perigosamente sua substância.
Por isso que, em muitas contestações, envolvendo frequentemente inadimplidos contratos de transporte, nas quais defendo o segurador de pleitos de cobrança ou de reparação civil, costumo apresentar argumentos contrários à incidência da legislação consumerista.
__________
- Clique aqui para conferir a íntegra do artigo.