A cessão creditícia é um negócio jurídico contratual no qual uma das partes transfere o seu direito em relação a um crédito para terceira pessoa – essa não envolvida na transação inicial.
Nas palavras de Flavio Tartuce:
A cessão de crédito pode ser conceituada como um negócio jurídico bilateral ou sinalagmático, gratuito ou oneroso, pelo qual o credor, sujeito ativo de uma obrigação, transfere a outrem, no todo ou em parte, a sua posição na relação obrigacional. Aquele que realiza a cessão a outrem é denominado cedente. A pessoa que recebe o direito do credor é o cessionário, enquanto o devedor é denominado cedido.1
Ensina Silvio Rodrigues que:
A cessão de crédito é o negócio jurídico, em geral de caráter oneroso, através do qual o sujeito ativo de uma obrigação a transfere a terceiro, estranho ao negócio original, independentemente da anuência do devedor. O alienante toma o nome de cedente, o adquirente o de cessionário, e o devedor, sujeito passivo da obrigação, o de cedido.2
Em outros termos, o CEDENTE transfere ao CESSIONÁRIO seus direitos sobre determinado crédito, independentemente da anuência do SACADO (devedor).
A cessão creditícia, então, é estabelecida entre as seguintes partes:
- O CEDENTE, que é o credor originário da transação e aliena seu respectivo crédito para terceiro;
- O CESSIONÁRIO, que é o terceiro que adquire o crédito do CEDENTE e, consequentemente, torna-se o novo credor da dívida inicial; e
- O SACADO, que é o devedor, e após a cessão creditícia deve realizar o pagamento do débito ao novo credor (CESSIONÁRIO).
Assim podemos exemplificar: Maria realizou a compra de todos os eletrodomésticos de sua casa nova na loja ABCD, gastando um total de R$20.000,00, tendo parcelado esse valor em 10x sem juros. A loja ABCD, por precisar da quantia total de forma mais célere, não estando disposta a esperar 10 meses, procurou a empresa ANTECIPE AQUI para conseguir o valor da compra da Maria naquele mesmo dia. Então, a loja ABCD cedeu o seu direito creditório de R$20.000,00 para a empresa ANTECIPE AQUI, que tornou-se a nova credora de Maria. Em outras palavras, agora a loja ABCD possui o valor - quase - integral instantaneamente, enquanto a empresa ANTECIPE AQUI receberá da Maria o valor de R$20.000,00 diluído em 10 meses, assim como anteriormente pactuado por ela na loja ABCD quando foi adquirir seus eletrodomésticos.
Sendo assim, verifica-se que:
a) A loja ABCD é a cedente;
b) A empresa ANTECIPE AQUI é a cessionária; e
c) Maria é a devedora, também chamada de sacado.
Por fim, diz-se que a loja ABCD recebeu da empresa ANTECIPA AQUI o valor quase integral, pois é típico das operações de cessão creditícia um deságio (desconto) na compra do crédito. Então, no caso do exemplo acima, a Loja ABCD vendeu R$20.000,00 para a empresa ANTECIPA AQUI, que lhe pagou apenas R$18.000,00, sendo que, no futuro, receberá integralmente os R$20.000,00 de Maria.
Tal negócio jurídico é tutelado nos atigos 286 e seguintes do Código Civil.
Em regra, qualquer crédito pode ser cedido, exceto as hipóteses constantes no Artigo 286, quais sejam: (i) oposição decorrente da natureza da obrigação (exemplo: créditos derivados de obrigações personalíssimas); (ii) existência de vedação legal (exemplo: crédito decorrente de direito alimentício); e (iii) existência de convenção proibitiva de cessão creditícia:
Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação.
Destaca-se que, nos termos do artigo 287 do Código Civil, a cessão, em regra, abrange todos os acessórios do crédito alienado – como, por exemplo, juros e multas –, salvo disposição contrária:
Art. 287. Salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-se todos os seus acessórios.
Também é importante ressaltar que a cessão, a despeito de ser válida, é ineficaz em relação a terceiros se não for celebrada mediante instrumento público ou instrumento particular contendo a "indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos", nos termos dos Artigos 288 e 654 do Código Civil:
Art. 288. É ineficaz, em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, se não celebrar-se mediante instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do § 1° do art. 654.
Inclusive, para resguardo do cessionário, além de todas as solenidades supracitadas, de rigor que conste no instrumento que o cedente se responsabiliza pela solvência do devedor, na hipótese de inadimplemento deste, já que, nos termos do Artigo 296 do Código Civil, o cedente não responde, salvo estipulação em contrário.
Quanto a este ponto, também para precaução do cessionário, o legislador preocupou-se em impor a responsabilidade do cedente sobre a existência do crédito cedido, evitando-se que o cessionário do direito seja prejudicado em eventuais golpes envolvendo a cessão de crédito. Essa é a redação do artigo 295 do Código Civil:
Art. 295. Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé.
A legislação civilista também se preocupou em dispor acerca da necessidade de notificação do sacado, bem como sobre a possibilidade de cobrança pelo cessionário, estando tais temas dispostos entre os artigos 290 e 293 do Código Civil.
Acerca da cobrança do sacado pelo cessionário, dispõe o artigo 293 que, independentemente do conhecimento do devedor acerca da cessão creditícia, poderá o cessionário exercer os atos conservatórios do direito cedido – como cobrar o débito diretamente do devedor ou até mesmo incluir seus dados nos cadastros de proteção ao crédito:
Art. 293. Independentemente do conhecimento da cessão pelo devedor, pode o cessionário exercer os atos conservatórios do direito cedido.
Destaca-se que a despeito do teor do Artigo 293 supracitado, o artigo 290 dispõe, de maneira adversa, que "A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada".
Justamente em razão do quanto disposto no artigo 290 que não há prejuízo algum se o sacado realizar o pagamento ao antigo credor (cedente do direito), já que, por não ter sido notificado previamente, para todos os fins estava cumprindo a obrigação de forma correta. Tal permissivo está exposto na primeira parte do artigo 292 do Código Civil:
Art. 292. Fica desobrigado o devedor que, antes de ter conhecimento da cessão, paga ao credor primitivo, ou que, no caso de mais de uma cessão notificada, paga ao cessionário que lhe apresenta, com o título de cessão, o da obrigação cedida; quando o crédito constar de escritura pública, prevalecerá a prioridade da notificação.
Entretanto, apesar do artigo 290 coexistir com o artigo 292, é válido citar que a legislação pátria é munida de uma "incoerência" ao dispor que o cessionário pode cobrar o débito do sacado independentemente de seu conhecimento acerca da cessão (artigo 293), ao mesmo tempo que determina a ineficácia da cessão de crédito não notificada ao devedor (artigo 290).
Assim, tem-se que os temas e artigos acima abordados são necessários para um entendimento geral acerca do instituto da cessão creditícia, amplamente (e diariamente) utilizado para transmissão de direitos e obrigações.
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1 Manual de Direito Civil. Volume único. 2ª ed. rev. atual. São Paulo: Método, 2012. p. 380.
2 Direito Civil. 27ª ed. ver. atual. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 291.