Após completar 25 anos de vigência, sem modificações significativas, a lei 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial) sofreu importantes modificações em 2021, especialmente no que tange a patentes de processos farmacêuticos e a equipamentos e/ou materiais de uso em saúde.
Em maio, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a ADIn 5.529, na qual declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do Artigo 40 da Lei da Propriedade Industrial1, que estabelecia prazo de vigência não inferior a dez anos para a patente de invenção e a sete anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data de concessão.
Segundo a ADIn ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em 2017, uma vez que a vigência das patentes se inicia a partir do depósito do pedido, aquelas cujo prazo de análise ultrapassasse dez anos poderiam extrapolar o prazo de vigência de 20 anos, trazendo proteção excessiva aos seus titulares.
Esse fenômeno ocorria sobretudo nas patentes de produtos e processos farmacêuticos, não só pela complexidade da matéria envolvida, como também pela necessidade de anuência prévia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que, por muito tempo, extrapolou a sua competência institucional, analisando critérios de patenteabilidade, muitas vezes em contraposição ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), órgão incumbido dessa função.
Não obstante o questionamento da tese da PGR por grande parte dos titulares de patentes, apenados pela excessiva demora na concessão dos pedidos, o STF, por nove votos a dois, declarou a inconstitucionalidade do dispositivo, com efeitos imediatos, exclusivamente com relação às patentes de produtos e processos farmacêuticos, bem como de equipamentos ou materiais de uso em saúde.
Ao mesmo tempo, a crise na saúde pública que o Brasil enfrenta em razão da pandemia da COVID-19 trouxe ao cenário político pautas relativas à licença compulsória de patentes de vacinas e demais produtos farmacêuticos de interesse público, objeto de diversos projetos de lei.
Com a aprovação de parte desses projetos pelo Congresso Nacional, o Presidente da República sancionou, em 2 de setembro de 2021, a lei 14.200/21, que altera a redação do artigo 71 da Lei da Propriedade Industrial2, para trazer nova regulamentação sobre o procedimento de licença compulsória, temporária e não exclusiva, de patentes nos casos de calamidade pública ou declarado interesse nacional, desde que o titular ou o seu licenciado não atenda a essa finalidade.
Declarada a situação de emergência, o Poder Executivo deverá publicar, em até trinta dias, uma lista das patentes relacionadas a produtos e processos essenciais para o auxílio no combate à crise sanitária. Instituições de ensino e pesquisa e outras entidades representativas da sociedade e do setor produtivo deverão ser consultados no processo de elaboração da lista, nos termos previstos em regulamento. Ao final do procedimento, as patentes listadas serão licenciadas compulsoriamente.
Uma vez notificados, os titulares das patentes indicadas à licença compulsória poderão contribuir com o Poder Executivo na tentativa de sanar a situação de emergência nacional, mediante a exploração direta, licenciamento voluntário ou importações do objeto da patente. Nesses casos, suas patentes poderão vir a ser excluídas da lista de indicações à licença compulsória.
A sanção presidencial vetou dispositivos que obrigavam os titulares das patentes a fornecer know-how e insumos para a produção dos medicamentos e vacinas que fossem alvo de licença compulsória, cuja execução ainda gerava muitas dúvidas e questionamentos.
Caso mantidos os vetos, o que se espera3, a Lei, que já tinha eficácia duvidosa, praticamente perde o seu propósito, uma vez que aquele que desejar explorar a patente deverá, necessariamente, possuir capacidade técnica e econômica para tanto, o que é raro em caso de vacinas. Além disso, ainda não se tem notícia da existência de patentes relacionadas a vacinas contra a COVID-19, dado o seu recentíssimo desenvolvimento.
Cabe lembrar que a antiga redação do Artigo 71 da Lei da Propriedade Industrial, regulamentada pelo decreto 3201/99, já previa a possibilidade de licença compulsória de patentes em caso de emergência nacional ou interesse público. E a única licença compulsória ocorrida até então na vigência da Lei da Propriedade Industrial, relativa ao Efavirenz, medicamento utilizado no tratamento de portadores de HIV positivo, foi baseada em emergência nacional, nos termos do decreto 6.108, de 2007.
Pouco antes da sanção da lei 14.200/21, em 26 de agosto, o Presidente da República também sancionou a lei 14.195/21, oriunda da Medida Provisória 1.040/21, editada em março deste ano, cujo objeto é a “modernização do ambiente de negócios do País”, facilitando a abertura de empresas, comércio exterior, entre outros.
Ocorre que, na conversão em lei, o objeto da Medida Provisória foi expandido para promover alterações em diversos dispositivos de leis federais, entre elas o Código Civil, o Código de Processo Civil, bem como na Lei da Propriedade Industrial, que teve revogados o já mencionado parágrafo único do artigo 40, bem como o seu artigo 229-C4, ao que consta, sem o devido debate pelo Congresso Nacional.
Sem prejuízo desse possível vício formal, essas modificações não deixam de ser alvissareiras.
A revogação do parágrafo único, do artigo 40, da Lei da Propriedade Industrial, como visto, declarado inconstitucional pelo STF, põe uma pá de cal na questão, evitando novos questionamentos judiciais sobre a matéria.
A derrogação do artigo 229-C da Lei da Propriedade Industrial, por sua vez, exclui a necessidade de anuência prévia da ANVISA como pressuposto de validade para a concessão de patentes farmacêuticas, que retornam à competência exclusiva do INPI.
Embora em termos práticos a anuência prévia da ANVISA já estivesse, em certa medida, limitada a aspectos sanitários, como segurança e eficácia, durante muito tempo a Agência adentrava em questões patentárias, rivalizando com o INPI quanto à análise de preenchimento dos requisitos legais. Isso culminava com um atraso no prazo de concessão de patentes, em prejuízo dos titulares que buscavam proteção.
Assim, a exclusão da ANVISA do procedimento de concessão de patentes de produtos e processos farmacêuticos foi aplaudida pelo mercado, uma vez que, além da celeridade, com o processo a cargo exclusivo do INPI, evita eventuais mudanças de entendimento, ao sabor da posição política prevalente. A retirada dessa função em nada afeta a segurança e a eficácia dos fármacos, que continuam sendo analisadas como condição para a sua comercialização.
Espera-se que, com a atenção conferida às patentes no julgamento da ADIn 5.529 e a concentração do processo de exame no INPI, as atenções governamentais se voltem ao Instituto, concedendo-lhe recursos, pessoal e a esperada autonomia orçamentária, o melhor instrumento para acabar com o seu antigo backlog e contribuir com o desenvolvimento tecnológico nacional.
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1 Art. 40. A patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 (vinte) anos e a de modelo de utilidade pelo prazo 15 (quinze) anos contados da data de depósito.
Parágrafo único. O prazo de vigência não será inferior a 10 (dez) anos para a patente de invenção e a 7 (sete) anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data de concessão, ressalvada a hipótese de o INPI estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior.
2 Art. 71. Nos casos de emergência nacional ou internacional ou de interesse público declarados em lei ou em ato do Poder Executivo federal, ou de reconhecimento de estado de calamidade pública de âmbito nacional pelo Congresso Nacional, poderá ser concedida licença compulsória, de ofício, temporária e não exclusiva, para a exploração da patente ou do pedido de patente, sem prejuízo dos direitos do respectivo titular, desde que seu titular ou seu licenciado não atenda a essa necessidade.
3 No dia 21/9/21, diversas entidades, capitaneadas pela ICC Brasil, apresentaram uma Carta Aberta ao Congresso Nacional pela manutenção do veto.
4 “A concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos dependerá de prévia anuência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)”.
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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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