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Restos a pagar: o drama dos credores no município do Rio

Cedo ou tarde os cariocas arcarão com o custo tanto de suas dívidas, quanto pela tentativa de calote empreendida. Sem dúvidas, a fama de mau pagador do município ainda permanecerá, afastando os investidores, que preferirão alocar seus recursos em outras cidades.

22/9/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

“Não vou pagar”, respondeu o prefeito do Rio, Eduardo Paes, ao ser questionado sobre os restos a pagar. A negativa ocorreu na entrevista coletiva sobre os cem dias do governo.

É sabido que a cidade passa por mais uma crise fiscal-orçamentária. Nesse cenário de inadimplência, os credores da prefeitura que não receberam a tempo e modo ingressam na fila dos chamados “restos a pagar”, ou seja, na fila das despesas já geradas, mas que não foram quitadas pelo município no prazo correto.

O discurso do prefeito, eivado de má-fé, tinha fundamento no decreto 48.364/21, que introduzia novo procedimento para pagamento dos restos a pagar. A norma previa uma “ratificação” dos ordenadores de despesas para que essas dívidas — já reconhecidas — fossem, enfim, pagas.

Várias são as críticas ao decreto: por sua inconstitucionalidade; por usurpar competência legislativa; por não oferecer os parâmetros ou critérios objetivos para a “ratificação”; por não tratar dos efeitos da tal ratificação na ordem cronológica de pagamentos; por ignorar o empenho etc. No entanto, o que mais preocupa neste procedimento é a falta de elemento basilar na gestão administrativa: a transparência.

A falta de transparência preocupa não só por apego constitucional, mas porque suas potenciais consequências concretas são graves. Diante do desconhecimento da ordem de credores da prefeitura, e dos critérios utilizados por ela para realizar ou para cancelar pagamentos devidos, amplia-se a possibilidade da indesejável ocorrência de negociações pouco republicanas ou, no mínimo, de difícil controle. 

Numa visão global, o último Resumo Orçamentário por bimestre do município dá conta do cancelamento de mais de R$ 421 milhões de RPs. Em conta rápida, pode-se notar que houve um cancelamento maior neste ano (superior a 8%) do que nos últimos cinco exercícios anteriores no mesmo período (mais próximo é o balanço de 2019, com cerca de 4%).

Não há, no entanto, o mínimo de informações sobre como e por que os números foram tão altos: não se sabe quais despesas foram canceladas, a motivação desses atos, muito menos a forma e os critérios de como foi feita a inédita “ratificação”. O diferencial deste para os outros exercícios é, justamente, o novo decreto — que, por ilegal, tornaria os cancelamentos também ilegais e, portanto, nulos.

O passivo é escondido e cria-se a impressão de que o problema foi resolvido. Porém, as despesas canceladas não desaparecerão por meio de um procedimento que é dissonante da legislação. Sabemos, falta grave. Já houve até impeachment de presidente por isso.

Neste caos, os prognósticos também não são favoráveis à Administração. Na hipótese de confirmação da ilicitude dos atos, o município arcará não só com as despesas canceladas de forma indevida, mas também com juros, correção monetária e, no caso de judicialização, custas e honorários, sem prejuízo da apuração de responsabilidade fiscal pelos atos. Ao final, o “alívio” pode ter sido rápido, mas não será indolor. Provisório, comprometerá ainda mais o orçamento e, invariavelmente, os contribuintes cariocas.

De todo modo, a promessa do prefeito foi concretizada, e R$ 421 milhões de restos a pagar “desapareceram”, ao menos momentaneamente. As dúvidas, as críticas, os questionamentos e as consequências econômico-financeiras, administrativas e judiciais geradas pela edição do decreto permanecem.

Oito meses depois, e tendo que enfrentar contestações de diversas ordens sobre a legalidade da norma, o município revogou o polêmico decreto. Porém, não sem antes deixar claro que a normativa cumpriu seu objetivo: cancelou o que deveria ser cancelado. Isso, claro, na visão da atual gestão municipal.

Não bastasse a celeuma, ainda publicou o recente decreto 49.320/21, que suspende de vez o pagamento dos restos a pagar até que seja editada nova norma prevendo as regras e procedimentos para tanto — ou seja, agora os credores dependem de uma improvável celeridade do processo legislativo para receber o que é devido.

Enfim, cedo ou tarde os cariocas arcarão com o custo tanto de suas dívidas, quanto pela tentativa de calote empreendida. Sem dúvidas, a fama de mau pagador do município ainda permanecerá, afastando os investidores, que preferirão alocar seus recursos em outras cidades, não tão belas, mas que honram os compromissos que assumem.

Maís Moreno
Advogada da banca Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados e atua em Direito Administrativo e Regulatório.

Carine de Oliveira Dantas
Advogada no escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques - Sociedade de Advogados.

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