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O caminho do meio

A necessidade de reforma da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, no que concerne às penalidades administrativas.

24/8/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

A Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN encontra-se em descompasso com as transformações que a carreira sofreu ao longo dos anos.

O elevado número de processos administrativos disciplinares contra juízes aponta a necessidade de que o tema seja reanalisado, sobretudo no que concerne às penalidades incidentes no caso, a fim de conferir uma punição razoável e proporcional à falta praticada.

O art. 42 da LOMAN elenca as seguintes sanções: advertência, censura, remoção compulsória, disponibilidade (com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço), aposentadoria compulsória (com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço) e, por fim, demissão.

A advertência constitui a pena mais branda aplicada aos magistrados e consiste em uma reprimenda por escrito, de forma reservada, objetivando o refreamento de condutas irregulares. Possui característica admoestadora, com nítido valor moral, tendo em vista que o infrator terá consciência de seus atos, que deverão ser pautados com maior diligência, para que não incorra novamente em sua prática.

Por sua vez, a pena de censura será aplicada, também reservadamente e por escrito, quando houver a reiteração das faltas punidas com advertência ou no caso de procedimento incorreto, se a infração não justificar punição mais grave. Como consequência, o juiz não poderá figurar na lista de promoção por merecimento no prazo de 1 ano contado da imposição da pena. Tal medida mostra-se necessária, pois, caso contrário, seria concedido um prêmio àquele que não faz jus a tanto.

A remoção compulsória consiste no aproveitamento do magistrado em outra Comarca, em virtude de transtornos por ele causados no local em que judica.

Já a disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço pressupõe em seu afastamento, em razão de interesse público. Por inexistir a quebra do vínculo funcional, é vedado o exercício de outras funções, salvo um de magistério.

A resolução 135/2011, do CNJ, dispõe que, após dois anos, poderá ocorrer o retorno imediato ou gradual do agente do Judiciário por decisão do Órgão Especial ou do Tribunal a ele vinculado.

Todavia, diante da gravidade das infrações praticadas, o magistrado faltoso, ao receber o escarmento da disponibilidade, deveria ser proibido de regressar à magistratura, caso contrário incorreria na inocuidade da pena e no incentivo indireto à violação do dever funcional.

Ademais, ainda que a resolução preveja a reavaliação técnica e jurídica por meio de frequência obrigatória a curso ministrado pela Escola da Magistratura, aquele que retorna após um longo período em disponibilidade já perdeu a embocadura, o mister de julgar e está desatualizado sobremaneira na doutrina e na jurisprudência, que, notoriamente, encontra-se em constante evolução.

A aposentadoria com vencimentos proporcionais desliga o magistrado vitalício definitivamente, impedindo, dessa forma, o seu reaproveitamento. Por seu turno, a pena de demissão é dirigida ao juiz que ainda não adquiriu vitaliciedade.

Cumpre observar, entretanto, que a EC 103/2019 conferiu nova redação ao art. 93, VIII, suprimindo de seu texto a referência à aposentadoria compulsória, sem vedá-la expressamente. O então presidente do CNJ, min. Dias Toffoli, na revisão disciplinar 0001057-19.2019.2.00.0000, asseverou que tal penalidade continuaria válida, eis que a Constituição da República autoriza a aplicação de outras sanções administrativas pelo referido órgão (art. 103-B, §4º, III) e também porque a sua possível vedação implicaria em um grave déficit no regime disciplinar, considerando que a disponibilidade se tornaria a pena mais gravosa para os magistrados vitalícios, o que esbarraria em uma proteção imperfeita.

Vale observar que o diminuto elenco de retribuição administrativa que se encontra na LOMAN não propicia ao julgador a expiação condizente e, muitas vezes, a autoridade processante se defronta com situações sui generis, quando, por exemplo, ao realizar a dosimetria da pena, levando em consideração as peculiaridades do caso concreto, depara-se com uma sanção administrativa ora módica, ora deveras excessiva, faltando-lhe uma solução intermediária.

Desse modo, tendo como norte a Lei Orgânica do Ministério Público – LOMP, que abre maiores horizontes ao aplicador da reprimenda justa, proponho que seja acrescentada, às hipóteses do art. 42 da LOMAN, a pena de suspensão.

Tal apontamento se dá porque, instaurado e findo o processo administrativo, o desembargador relator, por vezes, tem dificuldades para aplicar a pena que corresponda ao grau da infração, porquanto, não raro, o magistrado é reincidente.

Destarte, a imposição da pena de suspensão de até 90 dias, como ocorre na Lei Orgânica do Ministério Público, mostra-se mais adequada, pois mexerá no bolso do infrator que, com certeza, sentirá o peso da retribuição.

Logo, o possível abalo em sua esfera patrimonial servirá como estímulo à estrita observância das funções que desempenha.

Entretanto, é de se observar que mesmo com a pena de suspensão aplicada, há pedido de pagamento pelo o que deixaram de receber no período em que perdurou a pena, o que é inadmissível, visto que o seu deferimento implicaria na ineficácia da sanção.

Dessa forma, urge repensar as hipóteses de pena disciplinar, a fim de que sejam asseguradas a melhor aplicação do direito e, consequentemente, a boa administração da Justiça.

Fechar os olhos para uma solução intermediária, seria negar uma resposta estatal sem a justa proporção, o que contraria os princípios que informam o próprio processo administrativo disciplinar.

José Carlos G. Xavier de Aquino
Formou-se pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Processo Penal pela Faculdade de Direito da Università degli Studi di Milano - La Statale e Mestre em Processo Penal pela Universidade de São Paulo. Com origem no Ministério Público - SP, ingressou na Magistratura pelo quinto constitucional, sendo promovido a Desembargador em 1999. Atualmente, é o integrante mais antigo em segunda instância e participa do Conselho Superior da Magistratura, como também do Órgão Especial e da Câmara Especial.

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