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O surf olímpico e o Direito. Uma análise a partir de Tóquio

Atualmente o brasil detém o maior número de atletas na elite do surf mundial. No momento em que faço este escrito, os 3 primeiros surfistas do ranking mundial são brasileiros.

13/8/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Estocolmo, 1912. Duke Kahanamoku, pai do surf moderno, conquista a sua primeira medalha de ouro como nadador, e pede pela primeira vez a inclusão do Surfing no Jogos Olímpicos.

Tóquio, 2021. O pleito de Duke, fora finalmente atendido, e o surf fez parte pela primeira vez, dos jogos olímpicos.

O surf foi, sem dúvidas, o highlight deste ciclo olímpico, pelo menos para os brasileiros, que dominam o circuito mundial de surf desde 2011. Entre 2015 e 2019, foram 30 etapas vencidas por brasileiros de 66 disputadas. Atualmente o brasil detém o maior número de atletas na elite do surf mundial. No momento em que faço este escrito, os 3 primeiros surfistas do ranking mundial são brasileiros.

Em Tóquio, ouro. Podíamos ainda mais é verdade. O que não passou in albis contudo, foi a polêmica em seu critério de julgamento. O grande publico foi, pela primeira vez, apresentado à um elemento já conhecido por quem acompanha o esporte de perto, a subjetividade.

O julgamento no surf é provavelmente o julgamento de desporto individual mais subjetivo do planeta. Não há uma pista estática e todas as ondas são diferentes, nem mesmo o mesmo surfista consegue repetir a mesma manobra da mesma forma. Não há repetição idêntica. As condições de vento, ondulação e maré se alteram a todo momento, fazendo com que os juízes tenham que também alterar os critérios de julgamento. É um martírio em terra.

Introdução feita. Ouro registrado. O que o isso tem a ver com o Direto? Tudo.

Para viver em sociedade, o homem estabeleceu uma série de regras imperativas. Essas normas de conduta impõem determinados comportamentos. Esse conjunto de regras é Direito, e todo ele encontra-se sujeito as mais diversas interpretações.

Assim, o Direito, no seu âmago, também é pautado pela subjetividade. Sendo a sua exegese ainda mais tormentosa, já que as alterações sociais são ainda mais complexas que as singelas alterações climáticas.

A subjetividade na ratio decidendi também não é algo propriamente moderno. Em um momento histórico no qual a religião funcionava como o grande código de conduta da sociedade, já havia a necessidade de interpretar as regras, e a partir delas, obter soluções jurídicas.

“Não matarás”, diz um dos dez mandamentos entregues pelo próprio Deus a Moisés, em regra de conduta repetida na Bíblia. Contudo, nas mesmas Escrituras Sagradas, há referência a uma série de crimes cuja pena seria exatamente a morte.

A conciliação dessas orientações, a princípio contraditórias, apenas se faz possível pela interpretação, e ainda que todas as pessoas estejam munidas das melhores intenções, abraçadas aos mais louváveis propósitos, elas divergem.

Nos ensina Mozart Victor Russomano:

O intérprete, muitas vezes, também precisa descobrir, por antevisão, no bloco normativo que ele examina, não apenas o que já existe na lei, mas também, o que, através dela, seu raciocínio pode revelar, pela força da exegese, como condição essencial da vida humana e como ordenamento justo das coisas sociais.

Quando isso acontece, a interpretação atinge seu apogeu: o interprete se sobrepõe à lei, sem contrariá-la; antes, sem paradoxo, cria as condições indispensáveis para que ela seja integralmente cumprida, segundo seu destino, no esplendor de sua nobreza.

A capacidade de sentir, nas suas incontáveis formas, nos distingue das máquinas. O computador pode facilmente identificar uma injustiça, mas não será capaz de senti-la. Neste ponto, os advogados, promotores e juízes são insubstituíveis.

Cabe assim, ao intérprete, ter sensibilidade de compreender que tudo muda: os casos, o mundo, ele próprio.

Não somos perfeitos. É claro. Somos seres humanos. Contudo a natureza humana, têm na imperfeição uma das suas características mais marcantes e belas, apenas enquanto humanos é que conseguimos compreender a humanidade.

Quanto ao Direito, creio humildemente, que temos andado na direção certa, ainda que não na velocidade desejada.

Quanto ao ouro olímpico, obrigado Ítalo Ferreira.

Kleber Correa da Silveira
Advogado. Especializando em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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