Estocolmo, 1912. Duke Kahanamoku, pai do surf moderno, conquista a sua primeira medalha de ouro como nadador, e pede pela primeira vez a inclusão do Surfing no Jogos Olímpicos.
Tóquio, 2021. O pleito de Duke, fora finalmente atendido, e o surf fez parte pela primeira vez, dos jogos olímpicos.
O surf foi, sem dúvidas, o highlight deste ciclo olímpico, pelo menos para os brasileiros, que dominam o circuito mundial de surf desde 2011. Entre 2015 e 2019, foram 30 etapas vencidas por brasileiros de 66 disputadas. Atualmente o brasil detém o maior número de atletas na elite do surf mundial. No momento em que faço este escrito, os 3 primeiros surfistas do ranking mundial são brasileiros.
Em Tóquio, ouro. Podíamos ainda mais é verdade. O que não passou in albis contudo, foi a polêmica em seu critério de julgamento. O grande publico foi, pela primeira vez, apresentado à um elemento já conhecido por quem acompanha o esporte de perto, a subjetividade.
O julgamento no surf é provavelmente o julgamento de desporto individual mais subjetivo do planeta. Não há uma pista estática e todas as ondas são diferentes, nem mesmo o mesmo surfista consegue repetir a mesma manobra da mesma forma. Não há repetição idêntica. As condições de vento, ondulação e maré se alteram a todo momento, fazendo com que os juízes tenham que também alterar os critérios de julgamento. É um martírio em terra.
Introdução feita. Ouro registrado. O que o isso tem a ver com o Direto? Tudo.
Para viver em sociedade, o homem estabeleceu uma série de regras imperativas. Essas normas de conduta impõem determinados comportamentos. Esse conjunto de regras é Direito, e todo ele encontra-se sujeito as mais diversas interpretações.
Assim, o Direito, no seu âmago, também é pautado pela subjetividade. Sendo a sua exegese ainda mais tormentosa, já que as alterações sociais são ainda mais complexas que as singelas alterações climáticas.
A subjetividade na ratio decidendi também não é algo propriamente moderno. Em um momento histórico no qual a religião funcionava como o grande código de conduta da sociedade, já havia a necessidade de interpretar as regras, e a partir delas, obter soluções jurídicas.
“Não matarás”, diz um dos dez mandamentos entregues pelo próprio Deus a Moisés, em regra de conduta repetida na Bíblia. Contudo, nas mesmas Escrituras Sagradas, há referência a uma série de crimes cuja pena seria exatamente a morte.
A conciliação dessas orientações, a princípio contraditórias, apenas se faz possível pela interpretação, e ainda que todas as pessoas estejam munidas das melhores intenções, abraçadas aos mais louváveis propósitos, elas divergem.
Nos ensina Mozart Victor Russomano:
O intérprete, muitas vezes, também precisa descobrir, por antevisão, no bloco normativo que ele examina, não apenas o que já existe na lei, mas também, o que, através dela, seu raciocínio pode revelar, pela força da exegese, como condição essencial da vida humana e como ordenamento justo das coisas sociais.
Quando isso acontece, a interpretação atinge seu apogeu: o interprete se sobrepõe à lei, sem contrariá-la; antes, sem paradoxo, cria as condições indispensáveis para que ela seja integralmente cumprida, segundo seu destino, no esplendor de sua nobreza.
A capacidade de sentir, nas suas incontáveis formas, nos distingue das máquinas. O computador pode facilmente identificar uma injustiça, mas não será capaz de senti-la. Neste ponto, os advogados, promotores e juízes são insubstituíveis.
Cabe assim, ao intérprete, ter sensibilidade de compreender que tudo muda: os casos, o mundo, ele próprio.
Não somos perfeitos. É claro. Somos seres humanos. Contudo a natureza humana, têm na imperfeição uma das suas características mais marcantes e belas, apenas enquanto humanos é que conseguimos compreender a humanidade.
Quanto ao Direito, creio humildemente, que temos andado na direção certa, ainda que não na velocidade desejada.
Quanto ao ouro olímpico, obrigado Ítalo Ferreira.