Durante as Olímpiadas de Tóquio, um fato em especial prendeu a atenção e a torcida dos brasileiros. Trata-se da medalha de prata conquistada por Rayssa Leal, na modalidade skate street feminino. Rayssa fez história não apenas pela conquista, mas por, aos 13 anos e 203 dias, se tornar a brasileira mais jovem a receber uma medalha olímpica e a sétima medalhista mais jovem em toda a história dos Jogos Olímpicos de Verão 1.
A fama de Rayssa vem muito antes da sua vitória, quando, em 2015, viralizou um vídeo da atleta (à época, com 7 anos) andando de skate vestida de fada, resultando no apelido que ela carrega até hoje: “Fadinha do Skate”.
Porém, a atleta foi surpreendida por uma empresa sediada em sua cidade natal, Imperatriz/MA, que requereu o registro da marca “Fadinha do Skate” junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI.
Para fazer o pedido de registro da marca junto ao INPI, ele deve estar vinculado a pelo menos uma das 45 classes disponíveis para registro. A marca “Fadinha do Skate” foi requerida nas classes 25 (artigos de vestuário em geral), 41 (serviços culturais e de entretenimento, incluindo a organização de competições desportivas), e 44 (serviços médicos e odontológicos).
No Brasil, o registro de marcas é regido pela lei 9.279/96 (lei da Propriedade Industrial - LPI), que, via de regra, utiliza o sistema atributivo de direito 2. Assim, a propriedade da marca é garantida àquele que a registrar primeiro, conforme artigo 129 da LPI:
Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos arts. 147 e 148.
§ 1º Toda pessoa que, de boa fé, na data da prioridade ou depósito, usava no País, há pelo menos 6 (seis) meses, marca idêntica ou semelhante, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, terá direito de precedência ao registro.
§ 2º O direito de precedência somente poderá ser cedido juntamente com o negócio da empresa, ou parte deste, que tenha direta relação com o uso da marca, por alienação ou arrendamento.
Existe uma exceção ao sistema atributivo, prevista no art. 129, §1º da LPI, que assegura o direito sobre a marca à pessoa que já utilize o sinal pelo menos seis meses antes do pedido de registro feito por terceiro. Porém, é preciso que a pessoa que se considere titular de direito de precedência se manifeste alegando esse direito e deposite o seu próprio pedido de registro, medidas que não foram tomadas no caso.
Além disso, nem todos os sinais podem ser registrados como marca. O artigo 124 do mesmo diploma legal traz um rol com todas as proibições e, dentre elas, destaca-se a seguinte:
Art. 124. Não são registráveis como marca:
(...)
XVI - pseudônimo ou apelido notoriamente conhecidos, nome artístico singular ou coletivo, salvo com consentimento do titular, herdeiros ou sucessores;
Trata-se exatamente do caso em questão, em que uma empresa registrou o apelido notoriamente conhecido de Rayssa Leal sem o seu consentimento. Nesse caso específico, além da vedação prevista na lei 9.279/96, a lei Pelé também prevê a proteção ao apelido desportivo de atleta profissional, inclusive independente de registro:
Lei 9.615/98
Art. 87. A denominação e os símbolos de entidade de administração do desporto ou prática desportiva, bem como o nome ou apelido desportivo do atleta profissional, são de propriedade exclusiva dos mesmos, contando com a proteção legal, válida para todo o território nacional, por tempo indeterminado, sem necessidade de registro ou averbação no órgão competente.
Parágrafo único. A garantia legal outorgada às entidades e aos atletas referidos neste artigo permite-lhes o uso comercial de sua denominação, símbolos, nomes e apelidos.
Tais disposições legais poderiam embasar o indeferimento dos pedidos, por decisão direta do INPI ou em função de uma petição de Oposição, que poderia ter sido apresentada nos sessenta dias subsequentes à publicação do requerimento de marca, nos termos do artigo 158 da LPI:
Art. 158. Protocolizado, o pedido será publicado para apresentação de oposição no prazo de 60 (sessenta) dias.
§ 1º O depositante será intimado da oposição, podendo se manifestar no prazo de 60 (sessenta) dias.
§ 2º Não se conhecerá da oposição, nulidade administrativa ou de ação de nulidade se, fundamentada no inciso XXIII do art. 124 ou no art. 126, não se comprovar, no prazo de 60 (sessenta) dias após a interposição, o depósito do pedido de registro da marca na forma desta lei.
Como não foram apresentadas Oposições, os pedidos de registro da marca “Fadinha do Skate” seguiram o trâmite normal e, em 22/04/2020, foram concedidos pelo INPI em nome da empresa requerente. A concessão implica no direito exclusivo de uso da marca no território brasileiro até o ano de 2030 3, podendo ser renovada a cada 10 anos. O titular da marca registrada impedir seu uso por terceiros, o que, em tese, conflitaria com os direitos garantidos à atleta pelas leis 9.279/96 e 9.615/98.
Visando inibir situações como esta e garantir que todas as marcas sejam registradas em conformidade com a legislação, os artigos 165 e 168 da LPI indicam que serão considerados nulos os registros que forem concedidos em desacordo com a lei 9.279/96:
Art. 165. É nulo o registro que for concedido em desacordo com as disposições desta lei.
Parágrafo único. A nulidade do registro poderá ser total ou parcial, sendo condição para a nulidade parcial o fato de a parte subsistente poder ser considerada registrável.
(...)
Art. 168. A nulidade do registro será declarada administrativamente quando tiver sido concedida com infringência do disposto nesta lei.
A nulidade do registro pode ser declarada pelo INPI, por meio de procedimento instaurado de ofício ou por requerimento de qualquer pessoa com legítimo interesse, no prazo de cento e oitenta dias contados da data da expedição do certificado de registro da marca. Foi exatamente a medida tomada por Rayssa, que instaurou os Processos Administrativos de Nulidade contra os três registros da marca “Fadinha do Skate”. A empresa titular foi notificada, porém não apresentou resposta. Nos próximos meses, o INPI deverá decidir pela nulidade ou não dos registros.
A conclusão que se chega, portanto, é que o registro da marca junto ao INPI é de extrema importância. Os interessados devem se atentar a sempre registrarem a marca antes mesmo dela ser introduzida ao mercado. Mesmo no caso de apelidos desportivos, que, em tese, seriam protegidos independente de registro, é possível notar situações como a que foi descrita aqui, com concessão de registros em prol de terceiros que não são os detentores do nome. Além disso, é controverso se a proteção prevista na lei Pelé alcançaria todos os tipos de produtos e serviços existentes ou se incide apenas sobre atividades desportivas. Por essas razões, é importante buscar o registro da marca, pois tal medida visa evitar discussões jurídicas e danos ao requerente.
1 Disponível aqui. Acesso em 27/07/2021.
2 São exemplos de exceções à regra atributiva os casos de marca notoriamente conhecida (art. 126 da lei 9.279/96) e denominação e símbolos de entidades esportivas (art. 87 da lei 9.615/98), que são protegidos independente de registro.
3 Art. 133. O registro da marca vigorará pelo prazo de 10 (dez) anos, contados da data da concessão do registro, prorrogável por períodos iguais e sucessivos.