Com acentuada pertinência ao mundo real das licitações, a nova lei criou a figura da “proibição de marca”, avanço na gestão que aproxima o Poder Público do mundo corporativo da iniciativa privada.
É corriqueiro que nas empresas privadas ou mesmo em nosso âmbito doméstico haja “fuga” de determinadas marcas que criam problemas ao invés de oferecerem soluções.
Assim, prevê a lei federal 14.133/21:
Art. 41. No caso de licitação que envolva o fornecimento de bens, a Administração poderá excepcionalmente:
(...)
III - vedar a contratação de marca ou produto, quando, mediante processo administrativo, restar comprovado que produtos adquiridos e utilizados anteriormente pela Administração não atendem a requisitos indispensáveis ao pleno adimplemento da obrigação contratual;
Pensamos que a nova figura criou uma espécie de “obrigação de não fazer no âmbito administrativo”.
Qual seria o formato jurídico para a adoção de tal vedação? Qual seria o limite temporal para tal medida? Como comunicar marcas/produtos cujos endereços não sejam localizados?
Esses temas serão abordados no presente texto.
A nova lei criou uma nova modalidade de “impedimento de licitar”, previsto de forma genérica no artigo 156, III do códex licitatório e previsto de forma específica no artigo 41, III.
A primeira regra a ser observada é a do devido processo legal com a consequente garantia do contraditório e da ampla defesa.
O prazo a serem observados serão _ a princípio _ aqueles previstos para as sanções do artigo 158 e 158,§2º, ou seja, 15 dias para a defesa e 15 dias para as alegações finais.
Deve ocorrer instauração de processo administrativo específico a ser conduzido por comissão composta por 2 ou mais servidores estáveis que “intimará o licitante ou contratado” para apresentação de defesa. No caso de processo para imposição de pena de impedimento de licitar a “intimação” terá, na verdade natureza jurídica semelhante à “citação” pois haverá ciência do processo administrativo para imposição da pena de impedimento de licitar.
Em nosso modesto sentir, a nova regra aproxima (quanto aos efeitos práticos) o processo administrativo aqui descrito do processo judicial da ação civil pública para imposição de obrigação de não fazer com aplicação de toda a sistemática do microssistema processual de defesa dos interesses difusos e coletivos.
Por tal motivo existe proximidade axiológica com a “ação civil pública administrativa” e ousamos sugerir que as regras da lei federal 7.347/85 devem ser utilizadas como regramento subsidiário do referido processo administrativo, além do CPC, a lei de ação popular, o CDC e, por fim, a lei de processo administrativo do ente política que irá sancionar determinada marca.
A lei de ação civil pública deverá ser aplicada _ adequando-se à natureza administrativa do processo _ em algumas hipóteses.
Por exemplo, haverá formação de coisa julgada administrativa formal no âmbito do ente político, aplicando-se o artigo 16 da LACP, podendo; inclusive; ser instaurada novo processo administrativo na hipótese de deficiência de provas no primeiro.
Outra hipótese a ser resolvida com o microssistema dos interesses difusos e coletivos: a inversão do ônus da prova na hipótese de hipossuficiência técnica da administração pública em demonstrar a insuficiência tecnológica da marca a ser temporiamente proibida.
A citação por edital da marca também poderá ser feita na hipótese de impossibilidade de localização do endereço da marca, aplicando-se o CPC.
O limite temporal da sanção de impedimento de licitar deverá ser de 3 anos já que é a hipótese para o impedimento imposto ao licitante.
Assim, prevê a nova lei de licitações:
“Art. 156. Serão aplicadas ao responsável pelas infrações administrativas previstas nesta Lei as seguintes sanções:
(...)
III - impedimento de licitar e contratar;
§ 4º A sanção prevista no inciso III do caput deste artigo será aplicada ao responsável pelas infrações administrativas previstas nos incisos II, III, IV, V, VI e VII do caput do art. 155 desta Lei, quando não se justificar a imposição de penalidade mais grave, e impedirá o responsável de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta do ente federativo que tiver aplicado a sanção, pelo prazo máximo de 3 (três) anos.” (grifos nossos)
Outro requisito para a instauração, prosseguimento e imposição da pena genérica de vedação de marca será o registro junto ao Portal Nacional de Contratações Públicas da mesma forma que serão feitos os registros de licitações.
Aliás, a realização de licitações pode _ facultativamente _ utilizar a plataforma do PNCP. No caso do processo administrativo de vedação de marca, a interpretação sistemática nos leva à conclusão da obrigatoriedade do uso da plataforma do PNCP, seja porque garante mais elevado grau de possibilidade de conhecimento pela marca a ser vedada (e, portanto, do exercício da ampla defesa), seja porque a nova lei de licitações prevê que o catálogo eletrônico de padronização (art. 174,§3º) deve constar no PNCP e a vedação de marca configura um detalhamento do referido catálogo.
Além disso, o PNCP dará acesso Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS) e ao Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), motivos que reforçam a necessidade de que todo o procedimento seja feito no seio desta nova plataforma ou _ pelo menos _encaminhado após o término do processo administrativo, caso resulte na vedação da marca.
É possível ( e até provável) que haja um cadastro específico das marcas vedadas já que a proibição de marca não se encaixa_ nos exatos termos _ às descrições do parágrafo anterior.
Por fim, a escolha de marca específica deverá seguir exatamente o mesmo trâmite já que é _ por via transversa _ uma vedação ainda mais ampla de marcas junto às licitações do Poder Público.
Em síntese: a vedação de marca deverá seguir o trâmite das sanções previstas para licitantes/contratados da administração pública, aplicação subsidiária do microssistema de defesa dos interesses difusos e coletivos e deve tramitar, integralmente, na Plataforma Nacional de Contratações Públicas (PNCP).