Migalhas de Peso

O crescente apoio da forças armadas em operações de garantia da lei e da ordem, após o "teto de gastos"

Após a aprovação da Emenda Constitucional 95, de 2016, é possível verificar uma evolução anual dessas despesas orçamentárias no âmbito do Ministério da Defesa - MD.

23/7/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Vivemos há alguns anos um cenário de restrição fiscal, com sucessivos déficits acumulados nos últimos exercícios. Em meio a esse contexto, houve a aprovação do Novo Regime Fiscal introduzido pela EC 95, ou "teto de gastos", que vigorará até 2036, o qual impõe limites individualizados para as despesas primárias para vários Órgãos da União, dentre eles os do Poder Executivo, de forma agregada. Ou seja, a expansão da ação governamental que acarrete aumento de despesa primária implica, necessariamente, cancelamento de montante equivalente em despesas primárias para o cumprimento dos limites definidos. Dessa forma, para que haja o incremento de programas relacionados a determinada Pasta ministerial, faz-se necessário corte compensatório de recursos em outra Pasta, o que tenciona ainda mais as escolhas e decisões a respeito de qual Política Pública deve ser priorizada em cada exercício.

No processo anual de elaboração do Projeto de lei Orçamentária Anual (PLOA), após seu envio ao Congresso Nacional, muitas discussões, análises e busca de consenso são realizadas, no sentido de se chegar à conformação final da lei que chamamos de “orçamento anual”.

Após a sanção pelo Presidente da República da lei Orçamentária Anual (LOA), as programações nela previstas começam a ser executadas no âmbito de cada Ministério, respeitando as dotações autorizadas.

Ocorre que, com o cenário de sucessivos déficits fiscais verificados há mais de 5 anos, especialmente após 2014, com quedas de arrecadação e as citadas limitações impostas pelo novo “teto de gastos”, que impactam mais diretamente as despesas discricionárias (que não constituem obrigações constitucionais ou legais) dos órgãos, visto que as despesas obrigatórias ainda mantêm, por diversas razões, viés de alta, muitas políticas públicas encontram-se sufocadas pela insuficiência de recursos para sua continuidade satisfatória. Dentre elas incluem-se as das áreas de Justiça, Segurança Pública e Proteção e Preservação Ambiental.

É nesse contexto que se verifica, em uma análise do período entre 2017 a 2020, o crescente apoio das Forças Armadas, por meio de Operações de Garantia da lei e da Ordem - GLOs, com consequente impacto orçamentário nas despesas do Ministério da Defesa para este fim. Esse acréscimo de orçamento para viabilizar a atuação do Ministério da Defesa nessas operações pode ser  verificado pela publicação de diversos atos normativos (Portaria, Lei Ordinária, Medida Provisória), a depender das decisões político/financeiras no exercício fiscal em que ocorreram essas atuações.

O art. 142 da Constituição Federal de 1988 estabelece que as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

De forma a corroborar o já exposto, tendo como fonte de informação relatórios de gestão do referido órgão, no ano de 2017, no âmbito do Plano Nacional de Segurança Pública, o Governo Federal determinou o estabelecimento de ações de apoio ao Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Espírito Santo, com o emprego de tropa das Forças Armadas em Operações de Garantia da lei e da Ordem. Ainda no exercício de 2017, os efetivos militares também atuaram nas Operações Varredura, por solicitação dos respectivos governadores, nos Estados de Rondônia, Amazonas, Roraima, Acre e Pará, em articulação com as Forças de Segurança Pública locais e com o apoio de agentes penitenciários, em revistas de estabelecimentos prisionais.

Em 2018, o MD iniciou o exercício de com R$ 133,2 milhões para despesas dessa natureza, destinados, em sua totalidade, ao atendimento da Operação Furacão, no Estado do Rio de Janeiro, na área de Segurança Pública, cujo encerramento era previsto para dezembro de 2018. No decorrer do exercício, recebeu crédito extraordinário, no valor de R$ 80 milhões, para mobilização das Forças Armadas durante a paralisação dos caminhoneiros, em atendimento à Medida Provisória (MP) 839, de 30 de maio de 2018.

Em 2020, cumpre destacar a atuação do Ministério da Defesa na Operação Verde Brasil 2, atuando na proteção da região amazônica, conforme estabeleceu o Decreto 10.341, de 6 de maio de 2020. Para este fim, destaca-se a publicação da lei 14.037,de 17 de agosto de 2020. O montante gasto nessa Operação foi da ordem de R$ 370,7 milhões no referido ano.

Por fim, ressalta-se que, em relação ao período de 2017 a 2020, houve um incremento de 171% na dotação final do Ministério da Defesa para despesas relacionadas à garantia da lei e da ordem. Em 2017, o exercício foi encerrado com R$ 147 milhões nessa rubrica orçamentária, já em 2020 o valor verificado foi de R$ 398,4 milhões. Conforme gráfico abaixo:

(Imagem: Divulgação)

A crescente atuação das Forças Armadas em apoio a outras áreas governamentais, em função das restrições orçamentárias de políticas públicas de diversas Pastas, influenciadas pelas limitações ao crescimento das despesas primárias decorrentes do “teto de gastos”, por ser um assunto recente e complexo, merece um estudo amplo e aprofundado, que esmiúce melhor as causas e efeitos dos fenômenos aqui apresentados.

O sucesso das mencionadas operações evidencia as capacidades de planejamento, logística e execução dos comandos militares frente às missões para as quais são demandados. Contudo, isso não deve afastar o debate sobre a falência da atuação estatal em outras áreas, as limitações fiscais que a determinam, bem como possíveis alternativas e soluções. O próprio Ministério da Defesa necessita estar “equipado” (viaturas, munições, pessoal treinado) para atuar quando demandado, porém é afetado também pelo cenário de redução de despesas já mencionado.

O MD é uma Pasta intensiva em custeio e, diante das restrições orçamentárias recentes, quando da fase de elaboração do PLOA, prioriza a alocação dos recursos que recebe em ações de manutenção de suas estruturas/organizações, treinamento e preparação de pessoal, gastos de custeio e manutenção, bem como em projetos de grande porte, assumidos em governos anteriores, e com altos custos de renegociação contratual. Nesse contexto, durante o processo legislativo orçamentário, fase inicial, despesas subsidiárias, como as GLOs, recebem montantes menos expressivos de dotações. Salienta-se que estes gastos não atraem o interesse dos parlamentares durante a fase de emendas ao PLOA, não recebendo historicamente qualquer dotação por essa via (emendas individuais, de Bancada, de Comissão ou de Relator). As emendas parlamentares individuais, por exemplo, recebidas pela Pasta, ocorrem, em sua grande maioria, para ações de implementação de infraestrutura básica nos municípios da Região do Calha Norte

Em observância ao processo legislativo orçamentário, o Congresso então prestigia determinadas ações na forma da ampliação das autorizações para gastos, enquanto diminui ou mantém outras, mediante emendas, o mesmo ocorre ao tempo da execução orçamentária, mediante créditos adicionais. Além disso, o referido processo faculta o ajustamento de dotações ao longo do ano durante a execução do orçamento fixado. A suplementação de recursos nas rubricas para GLOs são um exemplo disso.

As despesas com GLOs, por não serem priorizadas na fase inicial de tramitação do PLOA, pela concorrência com gastos mais prementes do Ministério da Defesa, e por não receberem emendas durante a tramitação do projeto pelo Congresso Nacional, acabam por serem suplementadas, quando necessário, durante o exercício financeiro, pela edição de atos normativos já citados.

Por fim, de forma a reforçar todo o exposto, bem como comprovar a atualidade e relevância do tema, há poucos dias foi publicado o Decreto 10.730, de 28 de junho de 2021, que autoriza o emprego das Forças Armadas na Garantia da lei e da Ordem nas terras indígenas, em unidades federais de conservação ambiental, em áreas de propriedade ou sob posse da União e, por requerimento do respectivo Governador, em outras áreas dos Estados abrangidos. Esta é a primeira GLO de 2021 e as tratativas entre os atores envolvidos, o levantamento das necessidades orçamentárias e o planejamento das atividades estão sendo realizados de forma a viabilizar a nova operação.

José Fernandes Pontes Júnior
Analista de Planejamento e Orçamento (Carreira do Ministério da Economia). Pós-Graduado em Políticas Públicas pela Universidade Federal de Goiás - UFG. Pós-Graduando em Orçamento Público pelo Instituto Legislativo Brasileiro - ILB

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