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Compliance: por uma cultura de integridade nos procedimentos de insolvência empresarial

É necessário lançar mão de um instrumento de mitigação de riscos, preservação dos valores éticos e de sustentabilidade corporativa, preservando a continuidade do negócio e o interesse de seus públicos.

19/7/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

A última década foi marcada pelo intenso debate sobre mecanismos para ampliar os níveis de percepção pública acerca do papel desempenhado pelas organizações empresariais nos crimes econômicos e combate à corrupção no país.

Conforme o Índice de Percepção da Corrupção (IPC)1, realizado pela Transparência Internacional desde 1995, o Brasil ocupa a 94ª posição dentre os países com a maior percepção da corrupção. Com a pontuação de 38/100, a pesquisa demonstra que o país ainda tem um longo caminho para avançar no combate à corrupção em todos os seus setores.

Como alternativa para ampliar os mecanismos de fiscalização e combate à atos de corrupção nos setores privados e públicos, registrou-se, em contrapartida, o impulso da implementação de Programas de Compliance, com o incentivo para aplicação de uma cultura de integridade e adoção de técnicas de prevenção, detecção e combate às infrações econômicas.

Em poucos anos, o termo Compliance deixou de ser um vocábulo restrito ao ambiente coorporativo de setores altamente regulados – indústrias financeiras e empresas multinacionais expostas às legislações internacionais de anticorrupção e antissuborno – e passou a ser interpretado de modo amplo e sistemático, como um instrumento de mitigação de riscos, preservação dos valores éticos e de sustentabilidade corporativa, preservando a continuidade do negócio e o interesse dos stakeholders2.

À vista dessa nova visão sobre o instituto, denota-se a sua aplicação para assegurar a criação de um ambiente hígido e íntegro para o trâmite dos procedimentos de insolvência empresarial e a atuação eficiente do administrador judicial, à luz das funções e princípios trazidos pela versão da Lei de Recuperação de Empresas e Falência (lei 11.101/2005), atualizada pela lei 14.112/2020.

O desenvolvimento das Políticas de Compliance como alternativas de combate à corrupção

À luz do ordenamento jurídico brasileiro, é nítido que a Lei Anticorrupção (lei 12.846/2013) é um marco no âmbito das medidas adotadas pelo Poder Legislativo no enfrentamento à corrupção, estipulando diretrizes sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

Na prática, o texto legal do decreto 8.420/2015 cuidou de detalhar as ações voltadas ao tema do Compliance mediante a implementação de um conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, com vistas a facilitar a detecção e combate à eventuais desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Além disso, fixa diretrizes de incentivo de denúncias às irregularidades e aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta.

Em que pese a legislação seja voltada à regulação de normas para a administração pública, a sua aplicação auxiliou na evolução da implementação de Programas de Compliance no setor privado.

Os índices levantados pela Price Waterhouse Coopers Brasil (PwC Brasil) demonstram que as empresas brasileiras estão mais dispostas a investir no aperfeiçoamento de sua política de integridade, razão pela qual registrou-se que 52% (cinquenta e dois por cento) dos participantes aumentaram as despesas com combate à fraude entre 2016 – 2018, contra 42% (quarenta e dois por cento) no mundo3.

Eduardo Saad-Diniz e Mariana Urban (2021)4 conceituam Programas de Compliance como "um investimento estratégico e fundamental para a antecipação de riscos e atendimento às exigências normativas". Noutras palavras, conceitualmente, uma política de integridade se dedica à redução das infrações econômicas, cuidando de um programa de gestão empresarial estruturado para auxiliar a identificação, prevenção e redução dos riscos e infrações dentro de um ambiente controlado e fiscalizado.

Nota-se, por oportuno, que a associação das diretrizes de uma eficaz cultura de integridade à função de administração judicial nos procedimentos de insolvência empresarial buscam criar e incentivar as condições das boas práticas jurídicas, de modo que contribuir para que os agentes envolvidos nos processos de insolvência empresarial cumpram sua função social colaborando com o desenvolvimento econômico íntegro, com a geração de empregos, desenvolvimento regional e, também, agregando valor e gerando resultados positivos à todos os agentes processuais.

As funções diretas e transversais do administrador judicial

A Lei de Recuperação de Empresas e Falência define o administrador judicial como profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada (art. 21 da lei 11.101/2005), cujas funções encontram-se descritas na legislação, com o objetivo principal de auxiliar o Poder Judiciário na condução dos processos de recuperação judicial e falência.

Não obstante, a doutrina moderna também define que o profissional deve cumprir às funções transversais – ou seja, que não estão previstas em lei – contudo, que contribuem para o bom andamento do processo, como a fiscalização regular das atividades da empresa em recuperação judicial e o combate às ações prejudiciais aos credores e a higidez da Justiça.

Sobre a questão, Daniel Carnio Costa (2018)5, juiz titular da 1ª Vara de Falências e Recuperação de Empresas do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e Assessor da Presidência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), esclarece que a prática efetiva das funções transversais pelo administrador judicial é necessária para que o procedimento de insolvência atinja os seus objetivos com eficiência:

[...] na recuperação judicial, deve-se garantir a preservação dos benefícios econômicos e sociais que decorrem da atividade empresarial (geração de rendas, empregos, recolhimento de tributos, circulação de produtos, serviços e riquezas) através da criação de um ambiente transparente e de confiança, de modo a viabilizar a negociação entre credores e devedores de um plano de recuperação da empresa em crise. Já na falência, deve-se buscar garantir os mesmos valores, mas através da venda da empresa em bloco (preservando diretamente os empregos, rendas, tributos, circulação de produtos, serviços e riquezas) ou através da venda de ativos (permitindo que ativos vinculados à atividades improdutivas, passem a ser utilizados no desenvolvimento de outras atividades empresarias geradoras daqueles mesmos benefícios econômicos e sociais).

(COSTA, 2018)

(Sem grifo no original)

Com efeito, os procedimentos de insolvência empresarial são notórios por abrigarem, de modo harmônico, diversos interesses coletivos – função social; devedores; credores e terceiros interessados. Nessa perspectiva, por óbvio, a constante análise dos riscos promovida pela implantação de um programa de integridade, promove não apenas a transparência sobre a política de relacionamento estabelecida com os agentes, mas também padrões éticos e legais que devem ser seguidos.

Além do monitoramento periódico de riscos, de infrações internas e de retorno dos investimentos realizados, outro ponto interessante proveniente da implementação desses programas é justamente a criação dos canais de denúncia:

Um dos principais mecanismos para a detecção de irregularidades no ambiente corporativo é o canal de denúncias, pois seu adequado funcionamento possibilita que, a partir do prévio conhecimento sobre o descumprimento das normas, sejam ativados os mecanismos internos de saneamento da situação e de responsabilização dos indivíduos, antes que o fato ilícito produza efeitos externos e acione as autoridades públicas. Estimulada, sobretudo, após a edição da Lei 12.846/2013, também conhecida como Lei Anticorrupção, a estruturação de mecanismos de denúncia e irregularidades passaram a compor parte fundamental aos programas de compliance nas empresas brasileiras.

(SAAD-DINIZ E URBAN, 2021, p. 9)

Portanto, entende-se que a implementação das ferramentas de controle auxilia na prevenção, identificação e mitigação de eventuais fraudes dentro do procedimento de insolvência empresarial sob a gestão do administrador judicial, bem como contribui para o bom andamento do processo.

Além disso, incentivar o enraizamento de uma cultura de integridade, pelo qual todos os agentes compreendem as regras éticas sob as quais o relacionamento é pautado, por óbvio, aumenta a probabilidade de que a causa se torne legítima e efetiva, pois as estruturas desenvolvidas se tornam um resultado de esforços coletivos e não apenas uma série de regras impostas unilateralmente por uma empresa.

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1 Transparência Internacional – Brasil. Índice de Percepção da Corrupção 2020. Acesso: 24 mai 2021.

2 CARVALHO, André Castro. Manual de compliance – 3ª Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2021.

4 SAAD-DINIZ, Eduardo; URBAN, Mariana. Análise Qualitativa sobre a Implementação dos Programas de Compliance no Brasil. Revista dos Tribunais, vol. 1027/2021, p. 41 – 65, 2021.

5 COSTA, Daniel Carnio. O administrador judicial no projeto de lei 10.220/18 (Nova lei de recuperação judicial e falências). Migalhas, São Paulo, 18 de setembro de 2018. Acesso em: 29 jun. 2021.

Gustavo A. Heráclio Cabral Filho
Advogado com mais de dez anos de experiência na área de insolvência empresarial. Embaixador do IBAJUD no Estado de Goiás. Sócio cofundador da Dux Administração Judicial S/S Ltda. Vasta experiência na área de Compliance. Exerce a função de Compliance Officer na Dux Administração Judicial.

Letícia Marina da S. Moura
Jornalista pela PUC-GO, especialista em Assessoria de Comunicação e Marketing pela UFG, graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Goiás - Uni-Goiás e especialização em curso em Direito Empresarial pela Faculdade Legale. É auxiliar jurídico na Dux Administração Judicial.

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