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Olimpíadas em tempos pandêmicos: novos desafios relativos à proteção contra o marketing de emboscada

Esta percepção de associação pode ocorrer, também, em relação a agentes participantes dos referidos eventos, como por exemplo atletas e confederações desportivas.

13/7/2021

(Imagem: Divulgação)

Após um ciclo olímpico maior que o usual, devido ao adiamento das Olimpíadas em 2020 por conta da pandemia global do Coronavírus, Tóquio receberá, entre os dias 23 de julho e 8 de agosto de 2021, mais de 11 mil atletas1 para a realização dos Jogos Olímpicos (que por conta de questões comerciais manteve a nomenclatura oficial de Jogos Olímpicos de Verão de 20202).

Diante desta nova realidade que impõe restrições a interações ao vivo (como por exemplo a limitação de público na arena aonde ocorrerão os eventos olímpicos), e cria novas formas de consumo virtual, será interessante observar a relação entre a proteção da propriedade intelectual relativa a todos os agentes envolvidos no evento, as fronteiras de tal tutela, bem como as tentativas de burlá-las3.

Nesse contexto, é fundamental entender o conceito de marketing de emboscada e seus tipos para saber como a sua dinâmica será alterada no contexto dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Primeiramente, André Zonaro Giacchetta e Ciro Torres Freitas definem o marketing de emboscada, ou ambush marketing, como uma estratégia usada por empresas para divulgar seus produtos ou serviços "à custa de eventos que não patrocinam, sem autorização ou pagamento aos respectivos organizadores, com o intuito de despertar no público a falsa percepção de associação entre as partes"4 . Extrapolando esta definição, esta percepção de associação pode ocorrer, também, em relação a agentes participantes dos referidos eventos, como por exemplo atletas e confederações desportivas.

Adicionalmente, em suas Diretrizes para Proteção de Marca, o Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de Tóquio destaca, ainda, que a configuração do ambush marketing independe da intenção do agente infrator, bastando a associação indevida com o evento para a sua configuração5.

Assim, a partir de sua conceituação, se pode distinguir dois diferentes tipos de marketing de emboscada: aquele (1) por intrusão e o (2) por associação.

O marketing de emboscada por (1) intrusão ocorre pela associação de uma marca cujo titular não patrocina o evento a partir da introdução de elementos que remetam a esta marca nos locais de realização do espetáculo. Kone Prieto Furtunato Cesário e Marina Affonso Silva destacam o objetivo de captação da atenção do público, seja no próprio local, seja os que estão acompanhando em transmissões remotas:

Neste caso, porém, a espécie se conforma por meio da captação da atenção de um conjunto de pessoas para uma atividade promocional não autorizada pela entidade organizadora. O que importa no marketing de emboscada por intrusão é a divulgação de material não autorizado pelo ente organizador nos locais onde ocorram os eventos. Trata-se de utilizar as instalações ou redondezas de um evento para fazer anúncios ostensivos de uma marca.6

O caso da cervejaria holandesa Bavaria é comumente citado como exemplo desse tipo de marketing de emboscada7. Durante uma partida da seleção holandesa de futebol na Copa do Mundo de 2010, um grupo de trinta e seis torcedoras vestidas da mesma forma, posicionadas conjuntamente em um mesmo setor do estádio Soccer City, em Joanesburgo, para divulgar a marca, que era concorrente da marca de cerveja patrocinadora do evento. Constatada a atividade ilícita, as torcedoras foram expulsas do estádio, sendo duas delas presas pela polícia sul-africana.

A partir da conceituação e do exemplo apresentado, o que se observa é uma série de empecilhos à prática do marketing de emboscada por intrusão nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Diante da limitação do público nos locais de evento8, bem como o desestímulo por parte dos organizadores a grandes aglomerações e contato físico presencial entre muitas pessoas ao mesmo tempo9, há maior controle contra à realização de ações de marketing ilícitas capazes de gerar atenção suficiente para caracterizar a intrusão. As próprias ações de marketings lícitas presenciais de parceiros dos organizadores serão reduzidas, majorando-se o enfoque no aspecto digital10 da divulgação.

Ademais, as limitações a grandes aglomerações facilitam a identificação de potenciais infratores. Porém, diante da criatividade de possíveis infratores em se associar aos Jogos Olímpicos sem ser um patrocinador oficial, não há como afirmar que esse tipo de marketing se reduzirá ou se extinguirá11 (sendo as agora obrigatórias máscaras um possível instrumento para a intrusão desses concorrentes dentro do sítio onde ocorrerão os eventos).

Já no marketing de emboscada por associação, não há a necessidade de a tentativa de associação indevida ocorrer no local onde se realizam os eventos. Basta a (2) associação indevida, que faça o consumidor acreditar haver uma conexão entre a empresa infratora e o evento que ela não patrocina, para se configurar o marketing de emboscada por associação12.

Observando a jurisprudência dos Tribunais brasileiros, observa-se, por exemplo, uma forte atuação da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) no sentido de buscar coibir ações de marketing em que considere haver uma associação indevida a sua propriedade intelectual. Destacam-se julgados envolvendo a ação dos "poupançudos da Caixa" da Caixa Econômica Federal13 e a peça publicitária envolvendo o jogador Neymar para a divulgação da Cerveja Proibida14.

No âmbito das Olimpíadas de Tóquio, se poderá conferir, além das ações mais tradicionais de marketing, um destaque para o marketing em ambiente digital15. Nesse sentido, importante observar que o investimento em publicidade em mídias sociais no mundo em 2020 aumentou em 50,3% em comparação à 201916. Assim, as ações para coibir possíveis estratégias de marketing de emboscada por associação deverão observar esse enfoque nas mídias digitais sob o risco de se tornarem inefetivas.

Dentro deste ambiente do marketing digital, há uma crescente atuação de influenciadores digitais, tendo este mercado movimentado 23 bilhões de reais entre 2018 e 2019, um aumento de 57% em relação à 201717. No Brasil, entretanto, a legislação do CONAR sobre o tema ainda é incipiente, tendo o Conselho lançado um Guia de Publicidade por Influenciadores Digitais somente em dezembro de 202018.

Porém, o referido guia não apresenta nenhuma diretriz específica sobre a associação indevida a eventos de grande porte, podendo uma leitura açodada ser vista como brecha para uma atuação ilícita de empresas. Tais sujeitos de direito infratores buscam se associar indevidamente a eventos esportivos como as Olimpíadas através, por exemplo, de posts e stories patrocinados no Instagram.

Além disso, esse aspecto digital tem novos desdobramentos na medida em que o último ciclo olímpico viu a consolidação das transmissões esportivas através de redes sociais. No Brasil, por exemplo, houve a transmissão da Liga dos Campeões da Europa19 e da Libertadores da América20 pelo Facebook; da Copa do Nordeste pelo TikTok21; e, mais recentemente, da NBA pela Twitch22. Ou seja, a consolidação desse formato de transmissão e a sua assimilação pelo público podem gerar também novas formas de associação indevida a eventos nos meios digitais.

Um último aspecto a se destacar sobre o marketing de emboscada por associação para as Olimpíadas de Tóquio, especificamente no contexto brasileiro, é a relevante vitória obtida pelos atletas olímpicos relativa à flexibilização pelo COB da Regra 40 do Carta Olímpica. Tal fonte normativa regulamenta exploração individual da imagem dos atletas por marcas que não sejam patrocinadores olímpicos. As novas regras permitem a exploração da imagem individual do atleta por seu patrocinador durante o período das Olimpíadas, o que era vedado pela legislação anterior e poderia ser enquadrado como ambush marketing. Para tal exploração ser permitida, devem ser atendidos os prazos estabelecidos pelo Comitê Olímpico Brasileiro, bem como deve ser observada um caráter genérico na ação, sem utilização ou menção à propriedade intelectual do COI23.

Dessa forma, será possível conferir uma maior liberdade para uma associação, ainda que tímida, de empresas não patrocinadoras ao evento, sem que se configure um ato ilícito.

A partir desta sintética análise, o que se observa é uma nova dinâmica relativa às possibilidades de ações de marketing de emboscada nos Jogos Olímpicos de Tóquio, sendo a limitação de público nos eventos olímpicos um fator que alterará as formas de tentativa de aproveitamento parasitário das Olimpíadas sem a devida contrapartida. Da mesma forma, o papel de destaque das mídias digitais e dos influenciadores digitais cria novos desafios para a proteção da propriedade intelectual do evento, do Comitê Olímpico Brasileiro e dos próprios atletas, na medida em que não há, no Brasil, regulamentação clara sobre o tema. Por fim, a flexibilização da Regra 40 da Regra Olímpica também deve ser observada na medida em que sua interpretação de forma muito extensiva poderá gerar situações em que uma empresa patrocinadora de um atleta individual extrapole as previsões dessa flexibilização.

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1- Informação disponível aqui. Acessado em 22.06.202

2- Informação disponível aqui. Acessado em 22.06.202

3- “Por sua vez, não se pode deixar de avaliar os limites da proteção a tais investimentos. Até que ponto entidades como o COI e a FIFA podem exercer seus direitos de exploração exclusiva de espetáculos que despertam o interesse e a paixão de povos das mais diferentes culturas? Até que ponto pode uma empresa que não seja patrocinadora oficial do evento, aproveitar o clamor popular para dar visibilidade à sua marca, sem infringir os direitos da entidade organizadora e de seus patrocinadores oficiais?” (PIERI, José Eduardo. Propriedade intelectual frente ao ambush marketing e broadcasting da Copa do Mundo. Revista da ABPI, nº 96, Rio de Janeiro, 2008, p. 11-26)

4- GIACCHETTA, André Zonaro. FREITAS, Ciro Torres. A Copa do Mundo e seus Desdobramentos no Campo da Propriedade Intelectual: Livre Iniciativa vs. Ambush Marketing. Revista da ABPI, nº 114, Rio de Janeiro, 2011, p. 57-63

5- “Regardless of whether or not the act was carried out intentionally, ambush marketing refers to the use of intellectual property associated with the Olympic and Paralympic Games or the misappropriation of images associated with the Olympic and Paralympic Games by organizations or individuals, without authorization from the IOC, IPC, and the organising committee, which are the rights holders of this intellectual property”. Diretrizes para a Proteção de Marca dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio disponível aqui. Acessado em 23.06.2021

6- CESÁRIO, Kone Prieto Furtunato. SILVA, Marina Affonso. A Regulação Do Marketing De Emboscada Em Grandes Eventos Esportivos No Brasil: uma breve análise da Lei nº. 12.663 de 05 de junho de 2012. Revista do Instituto do Direito Brasileiro, Lisboa. Ano 3 (2014), nº 9, 6723-6743

7- O caso é citado, por exemplo, no artigo “A Copa do Mundo FIFA 2014 e o marketing de emboscada: contagem regressiva” de autoria de André Zonaro Giacchetta e Márcio Junqueira Leite publicado neste mesmo site. Disponível aqui. Acessado em 22.06.2021

8- Informação disponível aqui. Acessado em 22.06.2021

9- O Playbook com instruções aos parceiros comerciais dos Jogos Olímpicos é claro nesse sentido ao apontar que cada parceiro deve manter interações físicas com outras pessoas em um nível mínimo e sempre de máscaras. Disponível aqui. Acessado em 22.06.2021

10- Em reportagem do Valor Econômico, a diretora de comunicação e marketing do COB, Manoela Penna destacou que o enfoque do marketing do Time Brasil será digital, reduzindo as atividades presenciais para patrocinadores do COB: “A gente vai deixar de oferecer algumas atividades aos nossos patrocinadores presencialmente no Japão. E os patrocinadores são superconscientes e tranquilos quanto a essas limitações físicas que vão existir”. Disponível aqui. Acessado em 22.06.2021

11- “Por fim, o que deve-se ter em mente é que o marketing de emboscada sucessivamente poderá estar presente, pois sempre existirão empresas procurando obter algum tipo de vantagem com relação aos seus concorrentes.” (LOIS, Nicolas Cabeller. CARDOSO, Olga Regina. CUNHA, Carlos Eduardo Freitas da. Estratégias de combate ao marketing de emboscada em processos de patrocínio no Brasil: um estudo multicaso. PODIUM: Sport, Leisure and Tourism Review, São Paulo, v. 2, n. 1, p. 01- 24, jan./jun. 2013.)

12- “O marketing de emboscada por associação se dá pela própria divulgação das marcas, produtos ou serviços, ou a utilização de ingressos ou convites, associando-os indevidamente aos eventos e seus símbolos oficiais, vinculando-se, ainda, à não autorização da entidade organizadora ou dos patrocinadores oficiais.” (CESÁRIO, Kone Prieto Furtunato. SILVA, Marina Affonso. A Regulação Do Marketing De Emboscada Em Grandes Eventos Esportivos No Brasil: uma breve análise da Lei nº. 12.663 de 05 de junho de 2012. Revista do Instituto do Direito Brasileiro, Lisboa. Ano 3 (2014), nº 9, p. 6736)

13- TRF2, Apelação Cível nº 0805184-80.2010.4.02.5101, Rel. Desembargador MESSOD AZULAY NETO, PRIMEIRA SEÇÃO ESPECIALIZADA, julgado em 10/11/2015, DJe 27/11/2015

14- TJRJ, Apelação Cível nº 0014369-64.2018.8.19.0001, Rel. Desembargador WAGNER CINELLI DE PAULA FREITAS, DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, julgado em 05/04/2019, DJe 09/04/2019

15- Cabe destacar que o marketing digital não se limita ao espaço da internet per se. Em bem sucedida ação de marketing, a rede de fast-food Burger King patrocinou o Stevenage, pequeno clube da quarta divisão inglesa de futebol, e estimulou os seus consumidores a utilizarem o clube no game FIFA. Como o game possui licença de imagem dos principais jogadores do mundo, como Lionel Messi e Cristiano Ronaldo, era possível customizar o game para que esses jogadores jogassem pelo Stevenage, os associando a marca Burger King, porém, sem caracterizar um ato ilícito. Mais informações sobre os resultados da ação podem ser conferidas aqui.

16- Informação disponível aqui. Acessado em 23.06.2021

17- Informação disponível aqui. Acessado em 23.06.2021

18- A íntegra do Guia está disponível aqui. Acessado em 23.06.2021

19- Informação disponível aqui. Acessado em 22.06.2021

20- Informação disponível aqui. Acessado em 22.06.2021

21- Informação disponível aqui. Acessado em 22.06.2021

22- Informação disponível aqui. Acessado em 22.06.2021

23- Informação disponível aqui. Acessado em 22.06.2021

Fabiano Gonzaga
Bacharel em direito pela UERJ e Sócio de Denis Borges Barbosa Advogados

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