A alta volatilidade do IGP-M tem gerado situações de estresse, nem sempre resolvidas de modo amigável nas relações locatícias. Assim, o reajuste do aluguel passou a ser um tema delicado entre proprietários e inquilinos, com questionamentos acerca da aplicação do índice, trazendo tensões no mercado imobiliário, mormente na fase atual advinda com a crise da covid-19.
Torna-se notável o dilema quando, nos últimos doze meses (base maio), o reajuste do aluguel, atrelado ao indicador IGP-M, registrou a marca de 37,04% – maior taxa registrada desde o início do Plano Real, superando o acumulado de 32,97% de abril de 2003.
Sob outro ângulo, numa análise comparativa de mesmo corte de período temporal, enquanto o IGP-M subiu 37,04%, o índice de Preços ao Consumidor – IPCA subiu 8,06%.
Nota-se que a alta do IGP-M está muito descolada do IPCA, a inflação "oficial" que baliza as metas do Banco Central e também do Índice de Preços ao Consumidor – INPC, que, por sua vez, subiu 8,89% – principal referência para reajustes de salários de trabalhadores de vários setores.
Irrefutável que tal descompasso diminuiu o poder real de compra de quem tem boletos de aluguel para pagar todo mês.
E por que o IGP-M está subindo tanto?
O IGP-M é um indicador inflacionário calculado a partir de outros três índices:
- Índice de Preços ao Produtor Amplo – IPA que monitora a indústria atacadista, commodities e representa 60% do IGP;
- Índice de Preços ao Consumidor – IPC que representa a inflação e poder de compra das famílias e representa 30% do IGP;
- Índice Nacional de Custo da Construção – INCC que representa a inflação para a construção civil e representa 10% do IGP.
Advém a constatação de que IGP-M tem subido devido a vários fatores, mas o principal peso vem das consequências do novo coronavírus. A pandemia fez os preços das commodities dispararem nos mercados globais, com mais demanda de outros países. Também a alta do dólar, em paralelo, torna a exportação mais vantajosa para os produtos brasileiros, diminuindo a oferta dentro do Brasil e aumentando os preços.
E, como o IGP-M é bastante sensível ao câmbio e sofre alta volatilidade, partes na relação locatícia acabam entrando em duelo de valores, mormente quando havia previsão contratual de reajuste por tal índice, onerando especialmente o locatário.
Não há de se olvidar que, quando o aumento do dólar chegou próximo dos 5,60 reais, fixou-se a principal causa para o reajuste destas commodities (IPA que representa 60% do IGP), levando o IGP-M a um grande patamar de índice – 37,04, logo, aos aluguéis também.
Neste contexto de tantas informações e contas, há de se questionar: o que são commodities? Por que representam 60% do cálculo do IGP e qual a razão de atingir os aluguéis?
Em resposta, são materiais em estado bruto, como petróleo, minério de ferro, celulose, soja, gás natural, algodão, alumínio, carne bovina, e outros, que compõem uma parte extremamente relevante da indústria brasileira, principalmente no cenário da exportação. A matéria prima ou produto, ao ser convertido, economicamente em commodities, passa a ter um valor unitário padrão fixado, atrelado ao dólar, o que geralmente é realizado a partir de um preço-base definido em bolsa de valores internacional, refletindo sobre os diversos níveis de mercado. Como são fundamentais para o mundo todo, as commodities têm um grande peso na economia.
E por que o IGP-M um índice tão influenciado pelo dólar corrige os aluguéis?
Por ser considerado um índice baseado nos setores econômicos, criado pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, o IGP-M costuma ser indicado como base para o reajuste dos aluguéis. A Lei do Inquilinato de 1991, não define qual índice deve reger os contratos, ou seja, o proprietário e o locatário podem chegar a um acordo entre qual indicador que o aluguel será reajustado a cada ano, e quando não há indicação, ele é aplicado por ser o mais usual. É uma questão histórica, tem cláusulas de estilo que vão se perpetuando, ainda que não reflita a condição e a volatilidade do valor do mercado de locação.
Porém, o reajuste desses aluguéis acontece num momento difícil de pandemia, em que muitos inquilinos não podem suportar o aumento ou são obrigados a mudar para imóvel mais barato, enfrentando, quase sempre, dificuldade de negociação com o proprietário.
No caso de residenciais, famílias que moram em imóveis alugados têm enfrentado queda de renda afetada pela diminuição da atividade econômica e desemprego, chegando este à desocupação de 14,7% da força de trabalho com 14,8 milhões de pessoas desempregadas e num balanço mais amplo, 33,2 milhões de pessoas subutilizadas (fonte IBGE). Além disso, há a aceleração da inflação que tem preocupado as famílias, cortes de salários ou redução dos aumentos salariais que, muitas vezes, não acompanharam a alta inflacionária, frente à pandemia que assola o país.
Nas locações comerciais, a queda de braço tem sido ainda mais complicada e tudo fica mais difícil para o comércio, diante da pandemia, uma vez que os segmentos que operam em imóveis alugados passam por queda de faturamento, de medidas mais rigorosas ao funcionamento de atividades não essenciais ainda que transitoriamente, abertura com 20% do público, redução de horas de aberturas do estabelecimento, resultando numa diminuição do fluxo de consumidores, entre outros.
Pontua-se: qual a diferença entre IGP-M e IPCA?
A principal diferença entre eles é a metodologia adotada para cada um deles. De maneira simples e rústica, cada índice mede a inflação de uma cesta de produtos diferentes. E cada um deles reflete com maior precisão como os preços subiram ou desceram, em média, para determinado perfil de consumidores.
O IGP-M, criado em 1940 calculado pela FGV – Fundação Getúlio Vargas, é composto pela média aritmética de índices, busca replicar a inflação para toda a população, independente da situação financeira ou níveis de renda. Sua inflação é baseada no mercado de atacado (principalmente no setor industrial), também muito focada no mercado financeiro e mercado imobiliário (principalmente aluguéis), que são sensíveis ou influenciados pela variação cambial (dólar) que disparou nos últimos meses.
O IPCA, criado em 1999 pelo CMN – Conselho Monetário Nacional, medido pelo IBGE, além de revelar a evolução do poder de compra das classes atingidas pelo salário mínimo, serve como referência para a política monetária do Banco Central, responsável por definir a meta da taxa Selic.
O IPCA tem como objetivo abranger 90% das pessoas que vivem em áreas urbanas do país, com rendimentos de 10 a 40 salários mínimos. Ele é composto por itens como alimentação – 19,3%, habitação – 15,6%, transportes – 20,6%, despesas pessoais – 10,7%, saúde – 13,5%, educação – 6,1%, entre outros.
É de se pontuar que as regiões do Brasil têm pesos diferentes na composição do IPCA, como exemplo São Paulo – 32,3%, Belo Horizonte – 9,7%, Rio de Janeiro – 9,4%.
Importante lembrar que o IGP-M também supera, com folga, a variação do INPC – Índice Nacional de Preço ao Consumidor, que reflete a inflação para as famílias com renda até 05 (cinco) salários mínimos e serve de referência para boa parte das negociações salarias no mercado de trabalho formal. Em 12 meses (base maio), o INPC acumula alta de 8,89% (fonte IBGE).
Vale a pena a troca do IGP-M pelo IPCA?
O clima de incerteza por conta da pandemia, o câmbio que sofre alta volatilidade, a queda da renda devido ao fechamento do comércio, a perda de empregos e o grande número de vidas perdidas para o Covid deixando famílias desamparadas econômica e emocionalmente, mostra que os tempos são outros, de correlação, e, especialistas no ramo imobiliário têm sido unânimes em indicar a negociação para esses casos. O mesmo vem ocorrendo com empresas que já estão pedindo a revisão de contrato para a troca de índices.
Dentro destas amostras, vê-se que as dificuldades da economia e do mercado têm impacto direto no setor de locações. A Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo – Aabic, calcula que, em São Paulo, cerca de 25% dos imóveis residenciais destinados a locação, estão desocupados; e na área de imóveis comerciais, esse índice ultrapassa a casa de 40%.
Os números apontados empurram o proprietário à negociação, de modo a não ficar com o imóvel para locação desocupado.
Sugerem-se soluções entre as partes, como o adiamento de pagamentos, aceitação de correção mais baixa, ou até a troca de indexador pelo IPCA, cuja composição se restringe ao custo de vida, com o fito de evitar o encerramento do contrato de locação.
Ressalta-se que essa medida negociatória tem sido aceita por donos de imóveis, que compreendem a instável relação que ficou com o inquilino desde o início da pandemia. A perda de um bom inquilino ou sua inadimplência, por conta de um reajuste tão alto, não compensa uma atitude muito rígida; afinal, com o desemprego em alta e a renda parada, os proprietários têm preferido segurar reajustes e conceder descontos a perder inquilinos e ficar com imóveis vazios, pois procurar novo inquilino está saindo mais caro do que negociar um aumento mais em conta que o atual.
Atrelado a este aspecto, sem locatário, é o dono que tem que pagar condomínio, luz, água, IPTU, etc., ressaltando que, atualmente, a demanda do mercado de locação está em baixa, com alta taxa de vacância como acima explicitado, e é possível encontrar novos imóveis com preços inferiores aos vigentes em contratos, o que dá força ao inquilino na negociação com o atual proprietário
Dessa forma, a negociação da troca de índice ou mesmo de um desconto por meses, pode ser a solução para ambas as partes, pois a explosão inédita do IGP-M, influenciado pelo aumento do dólar, matéria prima e commodities já começa a ser questionado por diversas partes do mercado imobiliário, lembrando que o uso do IGP-M nunca foi obrigatório, sendo usado há décadas, em praticamente todos os contratos de aluguéis por pura convenção.
Menciona-se que a única exigência da lei dos aluguéis – lei 8.245/91, é que haja reajustes periódicos no valor cobrado, para preservar o poder de compra dos proprietários, e, a escolha da correção é livre e pode ser acordada entre as partes.
Assim, para evitar custos com imóvel parado e chegar a uma solução justa para as partes, o Secovi-SP recomenda o reajuste do aluguel por um índice que tenha o IPCA como base, que por sua vez, foi desenhado exatamente para refletir a variação dos preços que refletem os hábitos ou cesta de consumo média das famílias brasileiras, servindo ainda como referência para a política monetária do Banco Central, responsável por definir a meta Selic (taxa básica de juros).
Porém, quando as negociações emperram, considerando a crise da saúde pública imposta pela covid-19, a afetação da economia com um recuo econômico nos último 12 meses de 3,8%, abaixo do ponto mais alto da atividade econômica do país, desestabilização do consumo e de renda incidindo em questão social, além das negociações com proprietárias ou empresas não surtirem efeito, o inquilino que se sente prejudicado em face de fatos supervenientes imprevisíveis que afetam o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos pode judicializar a questão, requerendo ao magistrado que altere o índice do contrato que é o IGP-M para o IPCA, que realmente reflete a inflação do período (aplicação do princípio rebus sic stantibus, noções limitadoras da força obrigatória daquilo que foi particularmente pactuado). É o vínculo da reciprocidade.