Migalhas de Peso

As tutelas provisórias e a judicialização da crise decorrente da covid/19

O texto faz algumas reflexões sobre a importância das tutelas provisórias como instrumentos de efetivação de direitos fundamentais

22/6/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Um dos temas mais importantes do CPC/15 diz respeito à disciplina das tutelas provisórias e sua utilização como instrumentos de efetivação e garantia dos direitos fundamentais.

O objeto do presente texto é analisar a utilização das técnicas de provisoriedade em tempos de pandemia, especialmente em razão das múltiplas questões que estão sendo levadas ao Poder Judiciário em decorrência da Covid-19.

Nos primeiros meses do ano de 2020, com a disseminação da contaminação no território nacional, e com o reconhecimento do estado de calamidade pública pelo Congresso Nacional (decreto legislativo 06/2020), houve um aumento significativo de demandas judiciais em que se discutiu a necessidade de tutela provisória de urgência (antecedente ou mesmo incidental) o que, consequentemente, gerou importante atuação do Poder Judiciário inclusive no que respeita à análise de efeito suspensivo pleiteado em recursos ou mesmo em Pedido de Suspensão de Liminar. 

Esta mesma situação está ocorrendo em 2021, com múltiplas demandas debatendo tema ligado à intervenção judicial em política pública. É possível afirmar, sem medo de errar, que está ocorrendo ampliação da Judicialização da Crise (social, política, federativa1, econômica, orçamentária, de saúde pública, etc), o que gera, de um lado, a importante e protagonista atuação do Poder Judiciário e, de outro, a necessidade de apreciação da multiplicidade de questões com parcimônia e atendendo aos princípios contidos na CF/88. 

Aliás, no que respeita a concessão da tutela provisória de urgência inaudita altera pars nas múltiplas ações judiciais, há a necessidade de demonstração dos requisitos autorizadores da medida. De acordo com o caput do art. 300, do CPC/15, os positivos são: a) probabilidade do direito; b) perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Já o requisito negativo, para a tutela de urgência antecipada, está previsto no §3º, do art. 300, a saber: perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão2. 

Outrossim, a tutela provisória de urgência pode ser concedida de forma liminar (inaudita altera parte), após justificação prévia (art. 300, §2º, do CPC/15), ou em qualquer outra etapa durante o andamento do feito, inclusive em sede recursal. A rigor, inexiste preclusão em relação ao momento de concessão da tutela provisória incidental3. 

Na prática forense e considerando a já mencionada ampliação da Judicialização dos Direitos Fundamentais nestes tempos de crise em decorrência da Covid-19, as tutelas provisórias funcionam como um instituto absolutamente essencial e relevante. Não há como se aguardar o natural diálogo procedimental e a ampliação do contraditório para se definir critérios ligados à salvaguarda imediata dos direitos e garantias previstas na Constituição de 1988. A rigor, a negativa da tutela provisória pode significar o verdadeiro perecimento do direito ou do bem jurídico discutido judicialmente.

Aliás, uma vez concedida a tutela provisória para garantir direitos fundamentais como saúde, vida, internação, medicação, vacina etc., o caso concreto pode caminhar apenas para discussão futura de natureza pecuniária, se for o caso. 

De outra banda, existem casos urgentes e os de maior e mais extrema urgência, tão relevantes que não há como se aguardar propriamente a propositura da demanda (judicialização do objeto litigioso). Imagine, como exemplo, hipótese em que discute direito à saúde, decorrente da negativação de internação de paciente com quadro grave de insuficiência respiratória decorrente da Covid-19, não há que se pensar em aguardar o tempo e a abertura do contraditório. Como sugerido no título deste ensaio, existe a urgência da urgência, a merecer imediata tutela jurisdicional antecipada, inclusive em requerimento antecedente (arts. 303 e 304, do CPC/15) à própria judicialização do objeto principal, deixando para uma análise futura (e incerta) a questão ligada ao aspecto patrimonial decorrente da tutela provisória concedida. 

Com efeito, nesta situação extrema (urgência da urgência) não resta outra alternativa senão utilizar da tutela antecipada antecedente, prevista nos arts. 303 e 304, do CPC/15. Aliás, esta tutela antecedente também pode estar presente no caso de tutela coletiva, funcionando como precedente à própria ação coletiva4. 

Existem vários exemplos concretos dessa Judicialização da crise advinda desse novo vírus, onde o fenômeno da tutela provisória tem importante espaço. No âmbito do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, diversas classes de incidentes e demandas foram apresentadas apenas nos primeiros meses de 2020, dentre as quais é possível destacar: 

- Ação Direta de Inconstitucionalidade 6363 (STF – Rel. Min. Ricardo Lewandowki). 

- Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 676 (STF- Rel. Min. Alexandre de Moraes). 

- Ação Direta de Inconstitucionalidade 6341 (STF – Rel. Min. Marco Aurélio) e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 672 (Rel. Min. Alexandre de Moraes). 

- Ação Civil Originária 3376 (STF- Rel. Min. Alexandre de Moraes). 

- Ações Diretas de Inconstitucionalidade 6387, 6389, 6388 e 6390 (STF- Rel. Min. Rosa Weber).

 - Suspensão de Tutela Provisória 175 (STF - Rel. Min. Dias Toffoli). 

- HC 570.728 (STJ – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino). 

-MS 26.024 (STJ- Rel. Min. Assusete Magalhães). 

- SLS 2922/STJ (Rel. Min. Humberto Martins). 

Além destas, diversos outros assuntos relacionados à Covid-19 foram levados ao Poder Judiciário, por exemplo: direito a internação imediata, disponibilização de UTI em hospital público ou custeio, pelo ente federado, de UTI em hospital particular, tratamento médico com determinado fármaco, prioridades na aquisição e aplicação de vacinas, etc. 

A ampliação da Judicialização de direitos fundamentais acaba gerando reflexos em institutos clássicos do Estado de Direito, como: direito de ir e vir, direito à vida, liberdades individuais e coletivas, pacto federativo, Separação de Poderes, dentre outros. 

Esta multiplicidade de demandas envolvendo o mesmo tema central (Judicialização da Crise), provoca também a necessidade de revisitação de conceitos como intervenção em políticas públicas, direitos fundamentais (individuais e coletivos), ampla defesa, contraditório e, em última análise, a importância das tutelas provisórias em tempos de crise (especialmente as de urgência), considerando o pouco tempo, o enorme risco aos direitos fundamentais, e os bens jurídicos em discussão. 

Estas são as reflexões apresentadas em relação a este complexo e importante tema tutela provisória e judicialização da crise.

____________

1 Vale a leitura das petições iniciais e das decisões dos Exmos. Ministros Relatores da ADI 6341 (STF – Rel. Min. Marco Aurélio) e da ADPF 672 (Rel. Min. Alexandre de Moraes), que discutem aspectos ligados à Lei 13.979/20 e, também, a própria competência entre os entes federados e as diretrizes do Sistema Único de Saúde.

2 É mister afirmar, o que já vem sendo discutido desde a redação do CPC/73 (art. 273, §3º), que o requisito negativo não deve ser interpretado de forma absoluta, mas sim de acordo com a situação jurídica tratada em cada caso concreto. A propósito, vale citar o Enunciado 419 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “(art. 300, § 3º) Não é absoluta a regra que proíbe tutela provisória com efeitos irreversíveis. (Grupo: Tutela de urgência e tutela de evidência)”.

3 Vale citar o Enunciado 496 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “(art. 294, parágrafo único; art. 300, caput e §2º; art. 311) Preenchidos os pressupostos de lei, o requerimento de tutela provisória incidental pode ser formulado a qualquer tempo, não se submetendo à preclusão temporal. (Grupo: Tutela de urgência e tutela de evidência)”.

4 1ª Seção do STJ já enfrentou hipótese de requerimento de tutela provisória à ação rescisória (TP 1800 / SP Rel. Min. Francisco Falcão – 1ª Seção – J. em 10.04.2019 – DJe 06/05/2019).

 

 

José Henrique Mouta
Mestre e Doutor (UFPA), com estágio em pós-doutoramento pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professor do IDP (DF) e Cesupa (PA). Procurador do Estado do Pará e advogado.

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