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LC 182/21 e a introdução do regime da Sociedade Anônima Simplificada

A SAS, com a LC 182, passa então a ser uma nova via de organização oferecida às associações empresariais.

18/6/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Sancionada no início deste mês (1º/6/21), a Lei Complementar 182/21 (“LC 182”) – que entrará em vigor após 90 (noventa) dias de sua publicação – tem o propósito declarado de instituir o marco legal das startups e do empreendedorismo inovador. Para tanto, “apresenta medidas de fomento ao ambiente de negócios e ao aumento da oferta de capital para investimento em empreendedorismo inovador” (artigo 1º, parágrafo único, inciso II).

Mas um dos grandes trunfos da nova medida legislativa extrapola o ambiente das startups e reverbera, de forma positiva, também em outros segmentos econômicos, mediante um movimento necessário há bastante tempo – e que pode ser entendido como ampliação (ou flexibilização) da tipicidade societária brasileira; isto é, a introdução de regras que inauguram o regime da sociedade anônima simplificada (“SAS”), idealizada pelos advogados Rodrigo Monteiro de Castro, sócio fundador de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados, e Walfrido Warde, e lançada no Projeto de Lei 4303/12 (“PL 4.303/12”).

De maneira um pouco diversa do PL 4.303/12, porém com evidente inspiração nele, a LC 182 incorporou premissas e dispositivos idealizados para a SAS; e introduziu, finalmente, essa figura no ordenamento societário.

A LC 182 alterou a lei 6.404/76 (“Lei das Sociedades por Ações” ou “LSA”), inserindo regras que autorizam estruturações organizativas (dentro do modelo de uma S.A.) menos burocráticas, menos custosas e mais compatíveis com sociedades que, inobstante de menor porte, desejam funcionar como anônimas – mas sem atrair, no entanto, os mesmos impactos e encargos que o tipo tradicional de uma companhia implica. Trata-se, portanto, do oferecimento de uma via simplificada, pela introdução do regime da SAS.

Nesse sentido, veja-se que o artigo 143 da LSA passa a permitir que a diretoria de uma sociedade anônima seja composta por 1 (um) ou mais membros; dispensando a obrigatoriedade de, pelo menos, 2 (dois) diretores.

O artigo 294 da LSA igualmente é modificado, de modo a desobrigar a companhia fechada que tiver receita bruta anual de até R$78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais) – critério estabelecido para fins de aproveitamento do regime simplificado, e inspirado, ao que parece, na limitação para adesão ao regime tributário do lucro presumido – de realizar suas publicações na forma do art. 289 da LSA[1]. Muda-se o conceito de sociedade sujeita ao regime especial de publicidade, antes pautado não em faturamento – que é um importante termômetro da dimensão da atividade empresarial –, mas no tamanho do patrimônio líquido e no número de acionistas.

As publicações (para as companhias enquadradas no critério indicado acima, e que remetem às SAS) passam a poder ser realizadas de forma eletrônica (inciso III); assim como os livros sociais poderão ser substituídos por registro mecanizados ou eletrônicos (inciso IV). Os incisos I e II foram revogados, aliás.

O artigo 294 da LSA também ganha um novo parágrafo (o § 4º), que permite, na omissão do estatuto, o livre estabelecimento de dividendos nas SAS. Autoriza-se, assim, a distribuição de dividendos de maneira desproporcional às participações dos acionistas no capital social – algo já permitido no âmbito das sociedades limitadas.

Caso o estatuto social não preveja a forma de distribuição de dividendos, a assembleia geral, então, torna-se livre para versar sobre o tema, afastando-se, inclusive, o disposto no artigo 202 da LSA (sobre dividendo mínimo obrigatório), “desde que não seja prejudicado o direito dos acionistas preferenciais de receber os dividendos fixos ou mínimos a que tenham prioridade”.

Ainda, a LC 182 inclui os artigos 284-A e 294-B na LSA, para dispor a respeito da “companhia de menor porte” – isto é, “aquela que aufira receita bruta anual inferior a R$ 500.000.000,00 (quinhentos milhões de reais)” – e da competência da Comissão de Valores Mobiliários – CVM para facilitar o acesso dessas sociedades ao mercado de capitais, mediante regulamentações próprias.

A introdução do regime da SAS na LSA reforça seu propósito de incentivar a constituição de ambientes favoráveis ao empreendedorismo inovador, com valorização da segurança jurídica e da liberdade contratual.

O estabelecimento de regras como a permissão de publicações eletrônicas (o que desonera a companhia) e a autorização da distribuição desproporcional de dividendos (que tende a servir como atrativo à captação de investimentos em participação societária), objetivam incentivar a adoção do (ou a passagem ao) modelo de sociedade anônima, de maneira mais simplificada e compatível com o estágio de desenvolvimento ou o porte da atividade exercida pela entidade.

A SAS, com a LC 182, passa então a ser uma nova via de organização oferecida às associações empresariais.

Estas são tidas pela nova medida legislativa como premissas para a promoção do investimento e do aumento da oferta de capital direcionado não só a iniciativas inovadoras, mas também a organizações de menor porte. Espera-se, assim, que os movimentos de desburocratização e redução de custos sirvam como estímulo ao surgimento de novos negócios e à revisão (ou adaptação) daqueles já existentes, aproximando-os, inclusive, de ambientes como o mercado de capitais, para fortalecimento da economia e do empreendedorismo no país.

_____________

1 Referido dispositivo determina que todas as publicações ordenadas pela LSA devem acontecer em órgão oficial e em jornal de grande circulação da sede da companhia; o que costuma onerar financeiramente as companhias

Leonardo Barros Corrêa de Araújo
Graduado em Direito pela UFPE. Mestrando em Direito Comercial pela PUC/SP. Pós-graduado (LL.M.) em Direito Societário no Insper/SP. Membro da Comissão de Direito Bancário da OAB/PE. Advogado com atuação em Direito Societário no escritório monteiro de castro, setoguti advogados.

Cássio N. de Lira Braga
Graduado em Direito pela UEPB. Mestre em Ciência Política pela UFCG. Pós-graduado (LL.M.) em Direito Empresarial pela FGV/RJ. Advogado associado com atuação em Direito Societário no escritório monteiro de castro, setoguti advogados.

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