O Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) foi constituído há mais de 20 anos com o intuito de promover a universalização dos serviços de telecomunicações. Neste período, entretanto, o fundo foi caracterizado pela arrecadação, contingenciamento e utilização desvirtuada de seus recursos.
Apesar disso, recentes inovações legislativas sobre a utilização dos recursos do FUST podem ajudar para o que Fundo não entre para a história apenas como uma promessa governamental não cumprida.
O que é?
O FUST foi criado pela lei 9.998/2000 (lei do FUST), a partir de previsão da LGT (lei Geral de Telecomunicações, lei 9.472/97). O fundo tem o objetivo de prover recursos complementares para o cumprimento de obrigações de universalização de prestadoras de serviços de telecomunicações.
Para tal a finalidade, o FUST viabiliza a aplicação dos recursos arrecadados em programas, projetos e atividades voltados a setores da sociedade e a localidades que são economicamente desinteressantes ou inviáveis.
A redação original do art. 5º da lei do FUST previa que o fundo deveria ser utilizado em casos específicos: localidades com menos de cem habitantes; comunidades de baixo poder aquisitivo; estabelecimentos de ensino, bibliotecas e instituições de saúde; áreas remotas e de fronteira de interesse estratégico; órgãos de segurança pública; unidades de serviço público, civis ou militares em pontos remotos; instituições de assistência a deficientes; pessoas com deficiência; e na implementação de telefonia rural.
Subutilização dos recursos arrecadados
Desde o início de sua arrecadação em 2001, até abril de 2021, a Anatel estima que tenham sido arrecadados cerca de R$ 23,8 bilhões para o FUST, com a seguinte distribuição ao longo dos anos.
Esse valor histórico, no entanto, diverge do valor contabilizado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e pela Secretaria do Orçamento e Finanças (SOF). No Acórdão 28/2016 – Plenário, do Tribunal de Contas da União (TCU), as Secretarias afirmaram que o valor arrecadado do FUST, entre 2001 e 2015, teria sido de R$ 16,04 bilhões, enquanto que, para a ANATEL, o valor teria sido de R$ 19,44 bilhões, uma diferença de R$ 3,4 bilhões.
Apesar de a ANATEL ter afirmado ao TCU que a totalidade das despesas executadas teria sido utilizada para as finalidades previstas no art. 5º da lei do FUST, o TCU, ao apurar os dados também apresentados pela STN e pela SOF, chegou à conclusão de que somente 1,2% dos valores arrecadados entre 2001 e 2015 teriam sido utilizados na universalização dos serviços de telecomunicações.
De acordo com o TCU, ademais, não seria possível identificar todas as ações em que teriam sido empregados recursos do FUST. No entanto, a aplicação para fins distintos da universalização dos serviços de telecomunicações teria sido de R$ 10,14 bilhões no período, cerca de 69,39% da arrecadação total.
Em relação ao período entre 2016 e 2020, o Portal Siga Brasil, do Senado Federal, permite verificar situação semelhante àquela dos anos anteriores:
Ano |
Autorizado |
Empenhado |
Executado |
Pago |
2016 |
1,8 bilhão |
123,5 mil |
122,6 mil |
205,7 mil |
2017 |
1,4 bilhão |
118,7 mil |
118,7 mil |
118,7 mil |
2018 |
343,3 milhões |
69,2 mil |
89,2 mil |
89,2 mil |
2019 |
1,3 bilhão |
11,1 mil |
11,1 mil |
11,1 mil |
2020 |
807,8 milhões |
0 (até 04/2020) |
0 (até 04/2020) |
0 (até 04/2020) |
Fonte: Portal Siga Brasil, dados de 01/06/2021
Utilização do FUST para fins diversos dos previstos em Lei
Como relatado no referido acórdão do TCU, a SOF observou que os recursos do FUST teriam sido utilizados para diversos fins não previstos no art. 5º da Lei do FUST, tais como: a modernização da estrutura de informática do Ministério das Comunicações, assistência médica e odontológica aos servidores, empregados e seus dependentes e assistência pré-escolar aos dependentes dos servidores e empregados do Ministério. Além disso, o TCU apurou que cerca de R$ 2,1 bilhões do FUST teriam sido desvinculados e destinados para o pagamento de dívida pública, no exercício de 2008.
Em outro caso, conforme constatado na Nota Técnica 84/2020 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), entre os anos de 2015 e 2020, R$ 8,7 bilhões arrecadados com o FUST foram destinados para constituição de Reserva de Contingência, possibilidade não prevista na lei.
Recentemente, cogitou-se até mesmo a aplicação dos recursos do FUST na compra de vacinas contra o coronavírus causador da covid-19. A questão foi levada ao Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 770, que ainda não foi julgada em definitivo.
Ainda que a medida possa se mostrar benéfica, não corresponde às finalidades inicialmente previstas para o Fundo e se junta a uma série de outras possibilidades cogitadas para a aplicação do fundo como o pagamento de despesas do Programa Antártico Brasileiro e a cobertura celular em rodovias federais e estaduais.
Lei 14.109/20
Em dezembro de 2020 foi publicada a lei 14.109/2020, que alterou a lei do FUST. Quanto às finalidades do Fundo, destaca-se a possibilidade de utilização dos recursos para banda larga. Além de ampliar as possibilidades de emprego dos recursos, a nova lei inovou no quesito da governança do Fundo com a criação de um Conselho Gestor, responsável por administrar a aplicação destes recursos e composto por representantes de diversos ministérios, da ANATEL, das prestadoras de serviços de telecomunicações, inclusive de pequeno porte, e da sociedade civil.
Não obstante a nova lei, que pretende destravar o uso do Fundo após mais de 20 anos da sua criação e a reconhecida essencialidade dos serviços de telecomunicações para os cidadãos brasileiros, sobretudo na banda larga móvel e não mais na telefonia fixa, o FUST não entrou na previsão orçamentária de 2021, o que impede a sua utilização em gastos públicos.
No momento, a lei aguarda regulamentação por meio de Decreto. O Ministério das Comunicações planeja que a norma regulamentadora tenha texto curto e principiológico (ou seja, de caráter mais amplo e diretivo) com o objetivo de permitir maior autonomia do Conselho Gestor.
MP 1.018/2020
A MP 1.018/20 foi remetida a sanção no final de maio de 2021.
A norma, além de modificar aspectos da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (CONDECINE) e da Taxa de Fiscalização de Instalação (TFI), também trouxe mudanças ao FUST.
Foi retirada a previsão de que os serviços do FUST seriam destinados no todo ou em parte a regiões com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Ademais, a modalidade de aplicação de recursos por meio de apoio não reembolsável deverá ser utilizada prioritariamente para reduzir desigualdades socioeconômicas e regionais.
Foi alterado, também, o limite de redução da contribuição incidente sobre a receita operacional bruta das prestadoras de serviços de telecomunicações que executarem, com recursos próprios, programas, projetos, planos, atividades, inciativas e ações aprovados pelo Conselho Gestor para o ano de 2021. O limite estabelecido pela lei 14.109/20, que era de 0%, passa a ser de 10%. Os valores para os demais anos foram mantidos.
Por fim, a norma aprovada aumentou o número de representantes do Ministério das Comunicações no Conselho Gestor do FUST.
Lei 14.172/2021
Em nova medida com o objetivo de utilizar efetivamente os recursos do FUST, foi recentemente aprovada pelo Congresso Nacional e publicada (11/06/2021) a lei 14.172/2021, que versa sobre o acesso à internet na educação básica.
Ambas as Casas do Legislativo derrubaram veto da Presidência da República e aprovaram a destinação de mais de R$ 3,5 bilhões aos Estados e ao Distrito Federal para aplicação em ações para garantir o acesso à internet para alunos com famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) ou matriculados em escolas das comunidades indígenas e quilombolas e professores da rede pública estadual, municipal e do distrito federal, em virtude da pandemia de covid-19.
Há a previsão do FUST como uma das possíveis fontes de recursos a serem utilizadas para cumprir com a finalidade da lei.