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Muito além do direito de ir e vir

De acordo com o último Censo feito pelo IBGE, o número de pessoas portadoras de necessidades especiais chegou a 24 milhões em todo o País. Estima-se que dois terços dos portadores de mobilidade reduzida permaneçam em suas residências, devido à dificuldade de se locomover em cidades pouco adaptadas.

1/2/2007


Muito além do direito de ir e vir

Renato Giusti*

De acordo com o último Censo feito pelo IBGE, o número de pessoas portadoras de necessidades especiais chegou a 24 milhões em todo o País. Estima-se que dois terços dos portadores de mobilidade reduzida permaneçam em suas residências, devido à dificuldade de se locomover em cidades pouco adaptadas.

E os obstáculos que todos - e não só os portadores de mobilidade reduzida - enfrentam ao sair às ruas já começam nas calçadas: a maioria é estreita, com excessiva inclinação, pavimento irregular, piso escorregadio, buracos e barreiras físicas. É um conjunto de impedimentos que torna o passeio público uma corrida de obstáculos. A situação fica ainda mais grave se lembrarmos que, no Brasil, cerca de 40% dos trajetos acontecem a pé ou sem a participação de qualquer meio de transporte. Partindo deste contexto, a calçada deveria ser considerada e tratada como o elemento mais importante do sistema viário.

Acredito que o caminho para revitalização do passeio público está na utilização de uma tecnologia que minimize o impacto, aumente o desempenho do uso e exclua a maioria dos problemas descritos acima. A "calçada acessível" deve ser feita com sistemas construtivos que resultem num pavimento resistente, uniforme e antiderrapante. Entre as diversas alternativas de construção existem as placas e os blocos intertravados, ambos de concreto, e que seguem uma tendência mundial no sentido de que tornam as calçadas rotas completas e inteligentes, além de arquitetonicamente agradáveis para qualquer cidadão. Países como Estados Unidos e Canadá têm grandes áreas formadas por sistemas de blocos intertravados.

Uma das grandes vantagens é permitir que as concessionárias de água, esgoto, telefonia e gás façam intervenções no subsolo sem destruir ou remendar a calçada - uma vez que as peças podem ser retiradas uma a uma e recolocadas com facilidade. Além de melhorar o aspecto das vias, que podem ficar com as redes de fiação completamente subterrâneas, essa vantagem diminui o tempo gasto com manutenção e dá maior segurança aos transeuntes.

Inúmeras ruas de todo o Brasil, principalmente algumas vias de grande capitais como São Paulo, Brasília, Curitiba, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e Belo Horizonte foram (re) feitas com placas e pavimento intertravado de blocos de concreto e estão servindo de exemplo para o resto do país. Após a reurbanização, as calçadas ganharam uma faixa livre e de uso exclusivo de pedestres, com mobiliário urbano limitado às áreas pré-determinadas, com fácil acesso aos portadores de mobilidade reduzida, trânsito fácil e sinalização tátil para o deficiente visual. Tornaram-se calçadas "ideais", que nada devem às calçadas acessíveis de países de primeiro mundo.

Indispensáveis à vida urbana por sua função de garantir segurança e conforto à circulação de pessoas, as calçadas proporcionam uma integração que é fundamental para o relacionamento de diversas atividades dentro da cidade. Fazem parte do próprio direito constitucional de ir e vir assegurado a todo cidadão.

Não se pode - principalmente as administrações municipais -- esquecer das calçadas e do direito à acessibilidade segura, pois, assim como as estradas, as nossas calçadas mereçam ser melhoradas.

A estrada segura é a garantia de diminuição de acidentes, viagens mais rápidas, além de fretes mais baratos que ajudam a tornar os produtos brasileiros mais competitivos. Já a calçada acessível é a chave da porta para milhares de portadores de necessidades especiais. E mais do que isso: é o resgate do passeio público, do caminhar agradável.

A administração da cidade de São Paulo, por meio do Programa Passeio Livre, está avançando no conceito da calçada acessível. Centenas de calçadas, estão em reforma na cidade (a Rua Augusta, que faz parte do projeto, está em obras) e muitas outras em processo de licitação. As prefeituras de diversas cidades e capitais estão analisando e prevêem projetos para padronizar seus passeios, a exemplo de São Paulo.

Feitas com planejamento e projeto urbanístico, de forma que, no longo prazo, as calçadas possam absorver as intervenções sem prejuízo de suas funções básicas que são garantir o espaço e proteção ao caminhar da população, não podemos perder este excelente momento para repensar o passeio público e garantir -- de modo agradável e seguro -- o direito de ir e vir do brasileiro.

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* Engenheiro e presidente da Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP)







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