No dia 12 de maio foi publicada a lei 14.151 que tratou do afastamento da empregada gestante do ambiente de trabalho, tendo como justificativa “que o isolamento social é a forma mais eficaz de evitar a contaminação pelo vírus e que qualquer infecção grave pode comprometer a evolução da gestação além de aumentar o risco de prematuridade”, conclui a Deputada Federal Perpétua Almeida.
A proposta toma como fundamento o estudo publicado em julho de 2020 pelo International Journal of Gynecology and Obstetrics, que tratou de casos de mortes de mulheres grávidas. A Deputada relata que o número de mortes de mulheres gestantes no Brasil representa 80% (oitenta por cento) no número total de mortes no mundo.
Essa preocupação aliada a inexistência de legislação brasileira tratando do tema, levou a propositura de projeto de lei ainda no mês de julho de 2020, que tramitou em regime de urgência e acreditamos que em razão do tempo e do tema pontual, a Lei foi bastante simples, trazendo apenas dois artigos, porém com uma grande complexidade em sua aplicação.
Por conta disto fizemos um estudo detalhado, com base nas questões mais frequentes que nos foram trazidas, e para as quais trazemos as seguintes considerações:
Do que se trata exatamente e por qual período devemos atendê-la?
Enquanto perdurar a emergência de saúde pública decorrente do coronavírus, as empregadas gestantes deverão ser afastadas do ambiente de trabalho, deixando de exercer suas atividades presencialmente para que sejam realizadas “em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.” (artigo 1º, lei 14.151/21).
A lei se aplica a todas as empresas, inclusive as micro e pequenas empresas?
Nâo há qualquer tratamento diferenciado para as empresas enquadradas no SIMPLES, como as micro e pequenas empresas. A aplicação se dá a qualquer empregador seja ele pessoa física, inclusive os empregadores domésticos, e as pessoas jurídicas, independentemente de seu porte.
Esta lei se aplica aos casos de adoção?
Não, a lei é bastante especifica, aplicando-se apenas às empregadas gestantes, cessando sua aplicação a partir do momento do parto e igualmente nas situações de adoção ou guarda judicial.
E se a atividade da empregada gestante não puder ser realizada em seu domicílio, o que fazer?
O artigo 392, parágrafo 4º, inciso I da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, prevê que a empregada poderá ser transferida de função, retornando à sua função anterior, quando do retorno da licença maternidade.
“Art. 392. A empregada gestante tem direito à licença-maternidade de 120 (cento e vinte) dias, sem prejuízo do emprego e do salário.
§ 4o É garantido à empregada, durante a gravidez, sem prejuízo do salário e demais direitos:
I - transferência de função, quando as condições de saúde o exigirem, assegurada a retomada da função anteriormente exercida, logo após o retorno ao trabalho”
Caso não haja possibilidade de transferência de função, quais outras alternativas que o empregador deve considerar?
Na impossibilidade de transferência de função o empregador poderá ainda considerar a aplicação das alternativas de flexibilização do contrato de trabalho advindos das Medidas Provisórias - MP 1.045 e 1.046, e ainda das previsões da CLT, que trataremos a seguir:
Medida Provisória 1.045 - Aplicável à Gestante, conforme previsão do artigo 13:
1. Redução Proporcional de Jornada de Trabalho e Salário
A aplicação desta medida somente será possível com a complementação de outras medidas por dois motivos, primeiro o empregador ainda precisará observar a questão das atividades serem desenvolvidas em domicílio, e segundo, a remuneração mensal da empregada gestante não poderá sofrer prejuízo.
Desta forma, a redução de jornada deverá ser complementada com medidas como a adoção de banco de horas previsto na MP 1.046 e pagamento de ajuda compensatória de forma a se manter a remuneração da empregada.
2. Suspensão Temporária do Contrato de Trabalho
A suspensão temporária do contrato de trabalho atende à necessidade de afastamento da empregada da atividade presencial, porém reduz a remuneração mensal, devendo ser complementada pelo empregador por meio de ajuda compensatória.
Em ambos os casos o empregador necessitará complementar a remuneração da empregada gestante de tal forma que seja mantida sua remuneração mensal. Sendo assim, o empregador deverá considerar o valor do Benefício Emergencial que a mesma terá direito, devido pelo Ministério da Economia e pagar-lhe a diferença apurada.
Vale ressaltar que entende-se como remuneração a somatória do salário contratual, as comissões, horas extras, adicional noturno, e demais salários adicionais habitualmente pagos.
1. Antecipação de Férias Individuais
A concessão de férias individuais poderá ser uma das medidas a ser utilizada pelos empregadores. Nesse caso há possibilidade de afastamento da empregada observada as disposições, como a comunicação prévia de pelo menos 48 (quarenta e oito) horas.
Poderá o empregador, acordar com a empregada gestante a antecipação de férias futuras, ou seja, férias relativas ao período aquisitivo em curso e seguintes.
Importante ressaltar, que deve-se observar a situação de cada empregada, vez que em 2020, com a publicação da MP nº 927, já havia a possibilidade de antecipação de férias e do acordo de férias futuras como trazido pela nova MP. Essa situação poderá limitar a prática dessa medida.
2. Banco de Horas
O banco de horas previsto no artigo 15 da MP, traz a possibilidade do empregador interromper o cumprimento da jornada de trabalho, assegurando a remuneração do empregado, gerando assim o que passamos a conhecer como banco de horas negativo, invertendo o conceito natural de banco de horas.
A compensação das horas em descanso poderá ser realizada após o retorno da gestante, estendendo-se a jornada de trabalho diária em até duas horas, desde que não se ultrapasse a 10 horas diárias, e poderá ser realizada também aos finais de semana.
O período de compensação do banco de horas será de até 18 meses a contar do fim da vigência desta Medida Provisória, ou seja, 25 de agosto de 21.
Em situação normal, o banco de horas é gerado pela prorrogação da jornada de trabalho do empregado e que será compensado com a interrupção do cumprimento da jornada em momento futuro.
Importante ressaltar que ambas as Medidas Provisórias, 1.045 e 1.046, foram publicadas com vigência de 120 (cento e vinte) dias, portanto as alternativas relacionadas acima tem um período limitado de tempo e aplicação.
Existem outras alternativas?
Outra alternativa que vem sendo avaliada é a aplicação do parágrafo 3º, artigo 394-A da CLT:
“Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de:
...
§ 3o Quando não for possível que a gestante ou a lactante afastada nos termos do caput deste artigo exerça suas atividades em local salubre na empresa, a hipótese será considerada como gravidez de risco e ensejará a percepção de salário-maternidade, nos termos da lei 8.213, de 24 de julho de 91, durante todo o período de afastamento.”
No momento entendemos que podemos interpretar de duas formas a questão da aplicação do dispositivo em referência:
A primeira é aplicar a analogia, considerando que independentemente do ambiente de trabalho ser insalubre ou não, o coronavírus traz um risco a saúde para a trabalhadora e para a gestação, já justificados pelo legislador ao propor a lei 14.151.
Neste caso, restaria a preocupação sobre a questão prática, vez que entendem que não há previsão de arrecadação para esse benefício, situação essa que já foi solucionada pela Receita Federal do Brasil, através da Solução de Consulta 4.017 – SRRF04/DISIT, de 3 de maio de 21.
“ASSUNTO: CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PREVIDENCIÁRIAS. SALÁRIO-MATERNIDADE. ATIVIDADE INSALUBRE. GRAVIDEZ DE RISCO POR INSALUBRIDADE. COMPENSAÇÃO (DEDUÇÃO). POSSIBILIDADE.
Segundo a previsão legal objeto do artigo 394-A, e § 3º, da CLT, ao contribuinte é permitido o direito à dedução integral do salário-maternidade, durante todo o período de afastamento, quando proveniente da impossibilidade de a gestante ou lactante afastada em face de atividades consideradas insalubres, e esta não possa exercer suas atividades em local salubre na empresa, restando caracterizada a hipótese como gravidez de risco.
SOLUÇÃO DE CONSULTA VINCULADA À SOLUÇÃO DE CONSULTA 287 - COSIT, DE 21 DE OUTUBRO DE 19.
Dispositivos Legais: Constituição Federal de 88, artigos 7º, incisos XVIII, XX e XXII, e 201, inciso II; lei 6.136, de 74, artigo 1º; lei 8.213, de 91, artigo 71, parágrafo 1º; lei 13.467, de 2017, artigo 1º; CLT, artigo 394-A, inciso II, e parágrafo 3º; RPS aprovado pelo decreto 3.048, de 1999, artigos 93, parágrafo 1º, 94 e 96; e IN RFB 971, de 2009, artigos 86, parágrafo 2º, e 93.”
Diante do disposto e na impossibilidade da empregada gestante exercer sua atividade de maneira remota, o empregador que afastar a trabalhadora, por força do parágrafo 3º, artigo 394-A da CLT, poderá compensar integralmente a remuneração paga durante todo o período da gestação até o parto.
A segunda corrente entende que o artigo 394-A é especifico tratando de atividades insalubres, o que poderá trazer para o empregador riscos em razão do motivo que levou ao afastamento, gerando um passivo tributário, sendo possível a cobrança, por parte da Previdência Social, da remuneração deduzida como salário-maternidade.
Outro risco que esta segunda corrente traz, é da consideração subjetiva, por parte do empregador, de que os trabalhadores estão expostos ao risco de contaminação da Covid-19 no ambiente de trabalho, o que possibilitará o afastamento do empregado contaminado por motivo de doença profissional, trazendo um possível aumento do índice do FAP da empresa, e estabilidade de 12 meses após a alta do empregado que tiver afastamento superior a 15 dias (artigo 118, lei 8.213/91).
Diante de todo o exposto o que devo aplicar, caso o empregador tenha uma empregada gestante e que não possa desenvolver suas atividades de forma remota?
Caberá ao empregador juntamente com sua assessoria jurídica analisar e aplicar o que entenderem ser mais adequado, tendo como princípio a aplicação da lei em referência, afastando a empregada gestante de suas atividades presenciais, sem prejuízo de sua remuneração.
Segundo Maurício Godinho Delgado (Curso de Direito do Trabalho, 18ªed., p.234/235, Ltr), o princípio da norma mais favorável ”.. deve ser observado no contexto de confronto entre regras concorrentes (princípio orientador do processo de hierarquização de normas trabalhistas) ou, por fim, no contexto de interpretação das regras jurídicas (princípio orientador do processo de revelação do sentido da regra trabalhista). no contexto de interpretação das regras jurídicas”.
Como iniciamos, entendemos que apesar da Lei parecer extremamente simples, a mesma traz uma complexidade na sua interpretação e aplicação diante de todas as possibilidades.
Temos a certeza de não termos esgotado a matéria e nos colocamos a disposição para esclarecimentos e para conhecer seu entendimento sobre o tema.