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Considerações sobre a teoria do risco administrativo

A responsabilidade extracontratual do Estado, baseada no risco administrativo, tem por fundamento a possibilidade de a atividade pública acarretar danos aos membros da comunidade, impondo-lhes um ônus não suportado pelos demais, ainda que estes danos tenham decorrido de uma atividade lícita.

31/1/2007


Considerações sobre a teoria do risco administrativo

Gisele Hatschbach Bittencourt*

A responsabilidade extracontratual do Estado, baseada no risco administrativo, tem por fundamento a possibilidade de a atividade pública acarretar danos aos membros da comunidade, impondo-lhes um ônus não suportado pelos demais, ainda que estes danos tenham decorrido de uma atividade lícita.

Para compensar esta desigualdade originada pelo próprio Estado, os demais componentes desta comunidade devem concorrer para a reparação do dano.

Assim, para Rui STOCCO1, “a base de sustentação do direito constitucional é, sem dúvida, a sujeição de todos à ordem jurídica instituída, de modo que a lesão a bens jurídicos alheios impõe ao causador do dano a obrigação de repará-lo.”

Segundo León DUGUIT, a atividade do Estado se exerce no interesse de toda a coletividade; as cargas que dela resultam não devem pesar mais fortemente sobre uns e menos sobre outros.

Pela teoria do risco administrativo a obrigação de indenizar surge do só ato lesivo causado à vítima pela Administração, não se exigindo qualquer falta do serviço público, nem culpa dos seus agentes. Basta a lesão, sem o concurso do lesado. Na teoria da culpa administrativa exige-se a falta do serviço; na teoria do risco administrativo, apenas o desempenho de serviço. Naquela, a culpa presumida pertine à falta administrativa; nesta, é a do fato lesivo da Administração.

Adverte Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO2 que “o problema da responsabilidade do Estado não pode nem deve ser confundido com a obrigação, a cargo do Poder Público, de indenizar os particulares naqueles casos em que a ordem jurídica lhe confere o poder de investir diretamente contra o direito de terceiros, sacrificando certos interesses privados e convertendo-os em sua correspondente expressão patrimonial”, do que é exemplo a desapropriação.

O mesmo autor ressalva que isto não significa a impossibilidade de se impor ao Estado uma responsabilidade por atos lícitos, pois “caberá falar em responsabilidade do Estado por atos lícitos nas hipóteses em que o poder deferido ao Estado e legitimamente exercido acarreta, indiretamente, como simples conseqüência – não como sua finalidade própria –, a lesão a um direito alheio”3.

O constituinte de 1988 determinou em nosso ordenamento jurídico, através do art. 37, § 6º, a fórmula que obriga as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos a responder pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Se de um comportamento estatal resultou prejuízo para o administrado, recai-lhe o dever de reparação, devendo-se apenas ressaltar que esta sua responsabilidade é governada por princípios próprios, compatíveis com sua posição jurídica, diferenciando-se aí da responsabilidade privada.

No tocante ao rol das pessoas responsáveis elencadas no art. 37, § 6º da Lei Maior, sustentou Hely Lopes MEIRELLES4 que muito bem andou o constituinte, pois “não é justo e jurídico que a só transferência de execução de uma obra ou serviço originariamente público a particular descaracterize sua intrínseca natureza estatal e libere o executor privado das responsabilidades que teria o Poder Público se o executasse diretamente, criando maiores ônus de prova ao lesado.”

Portanto, pode-se concluir com segurança que o constituinte pátrio de 1988 patenteou, de forma explícita, a responsabilidade civil objetiva do Estado, na modalidade de risco administrativo, impondo a este o dever de responder pelo prejuízo que causar ao particular sem dele exigir o ônus de demonstrar a existência de culpa do ente estatal, mas, simplesmente, do dano sofrido e do nexo de causalidade com a atividade pública.

A responsabilidade civil objetiva, baseada no risco administrativo, exige de forma conjunta a atividade administrativa, a ocorrência do dano, a existência de nexo causal entre aquela atividade e o dano e a ausência de culpa excludente da vítima. Verificando-se estas quatro condições, o Estado é obrigado a reparar a lesão que causou.

Nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro , a responsabilidade do Estado prevista no art. 37, § 6º da Constituição Federal de 1988 (clique aqui) exige a concorrência de seis condições, quais sejam:

1. que se trate de pessoa jurídica de direito público ou de direito privado prestadora de serviços públicos; (...)

2. que essas entidades prestem serviços públicos, o que exclui as entidades da administração indireta que executem atividade econômica de natureza privada; (...)

3. que haja um dano causado a terceiro em decorrência da prestação se serviço público; (...)

4. que o dano causado por agente das aludidas pessoas jurídicas, o que abrange todas as categorias, de agentes políticos, administrativos ou particulares em colaboração com a Administração, sem interessar o título sob o qual prestam o serviço;

5. que o agente, ao causar o dano, aja nessa qualidade; (...)” (destaques no original)

Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO6 ainda destaca que o fundamento da responsabilidade civil objetiva do Estado se biparte: para o caso dos comportamentos ilícitos o dever de reparação é a contrapartida do princípio da legalidade7, ao passo que no caso dos comportamentos lícitos, é a distribuição equânime dos encargos, o que se traduz em princípio da igualdade. Para esse autor apenas o ato comissivo (ação) do Estado enseja a responsabilidade objetiva, ainda que o ato seja legítimo. E, se mesmo sendo legítimo o ato há a incidência da responsabilidade objetiva, outra conseqüência não teria lugar quando os atos fossem ilegítimos, pois tanto numa quanto noutra situação o administrado não pode se evadir da atuação estatal.

Assim, pode-se concluir que o risco administrativo tem como fundamento o fato de que toda atividade pública gera um risco para os administrados, consistente na possibilidade de acarretar danos, isoladamente, a certos membros da sociedade e com isso acaba por impor-lhes um ônus não suportado pelos demais. A responsabilidade do Estado funciona aí como mecanismo para compensar esse desequilíbrio; os que não sofreram prejuízo algum com determinada atividade pública concorrem para a reparação do dano através do erário da Fazenda Pública. É o princípio da solidariedade social, que busca promover a partilha dos encargos, como ensina MEIRELLES8.

Themístocles Brandão CAVALCANTI9 já havia escrito que “a distribuição dos encargos pela coletividade é uma espécie de seguro coletivo que garante a cada um contra os danos que venha a sofrer, e obriga a todos a contribuir, na medida de sua participação fiscal, para a indenização dos prejuízos.”.

Mas, segundo as lições de EDUARDO KLOSS, citado por Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO10, a própria idéia de República já traz consigo a noção de um regime institucionalizado, onde todas as autoridades são responsáveis, não havendo sujeitos fora do Direito. Daí porque se não há sujeitos fora do Direito, não há sujeitos irresponsáveis; e se o Estado é um sujeito de direito, é também responsável. A respeito dessa afirmação o citado autor arremata: “Por tudo isso não cremos que se possa, no moderno Estado de Direito, colocar qualquer dúvida sobre a existência do princípio da responsabilidade do Estado nos casos em que falte texto expresso dispondo sobre a matéria”.

Desta forma, o princípio da responsabilidade estatal decorre mais da própria circunstância do Estado de Direito, submisso à lei, do que da existência de dispositivo normativo dispondo sobre aquele dever.

Pode-se reunir as características da responsabilidade extracontratual do Estado nos pontos seguintes:

a) como a relação entre o Estado e seus agentes é uma relação de imputação, os atos destes agentes são atos do Estado. Da mesma forma, se deixou de agir, foi o Estado quem o deixou. Não se separam agente e Estado, posto que constituem uma unidade. Estes agentes são quaisquer pessoas, físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, que em nome do Estado tomem decisões ou desempenhem uma atividade da alçada do Estado.

b) a conduta que enseja a imposição de responsabilidade estatal tanto pode ser comissiva (ato positivo) quanto omissiva (omissão).

c) a ocorrência do dano, para que surja o dever de recomposição do patrimônio atingido. Segundo Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO11, não é qualquer dano que atrai a responsabilização do Estado, mas aquele (i) que represente uma lesão a um direito da vítima, pois quem não sofreu gravame em um direito seu não tem título jurídico para pleitear indenização; (ii) que seja certo, não apenas eventual ou possível, tanto podendo ser atual como futuro, mas certo, real.

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1STOCCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1994, p. 275.

2MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13ª ed. São Paulo, Malheiros, 2001, p. 800.

3O autor cita o seguinte exemplo de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello: o ato que determina, legitimamente, o nivelamento da uma rua. Procedido este, algumas casas ficarão abaixo ou acima do nível da rua, com manifestos prejuízos para seus proprietários.

4MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 23ª ed. São Paulo: 1998, p.535.

5DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p.517-518.

6Op. cit., p. 813

7Para o caso dos atos comissivos, há ainda o fundamento baseado no princípio da igualdade.

8Op. cit., p. 532.

9CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Curso de Direito Administrativo. 5ª ed. São Paulo. Freitas Bastos, 1958, p.126.

10Op. cit., p. 805-806.

11Op. cit., p. 826.

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*Advogada da União e Especialista <_st13a_personname w:st="on" productid="em Direito Processual">em Direito Processual (1996) e <_st13a_personname w:st="on" productid="em Direito Público">em Direito Público (2001) pelo Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos (IBEJ)



 

 

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