Migalhas de Peso

Toda ação rescisória desconstitui decisão transitada em julgada quanto à tese do ”século”?

A classe jurídica questiona quanto às eventuais ações rescisórias que a União adentre contra as decisões já transitadas em julgada. Felizmente, existe segurança jurídica contra a pretensão fazendária.

31/5/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Recentemente, o STF decidiu a “tese do século”, ou seja, acerca do questionamento do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS. Em breve resumo, a Corte máxima decidiu:

- Que o ICMS não faz parte da base de cálculo do PIS e da Cofins;

- O ICMS a ser considerado, para fins de exclusão, é aquele destacado nas notas fiscais;

- A data a ser considerada, como parâmetro da decisão, é a data de 15/3/17, ou seja, para aqueles que já adentraram com tal ação, anteriormente a tal data, teriam o direito de perquirir a prescrição quinquenal de valores, considerando o dia da impetração judicial contra a União; assim como para aqueles que adentraram com a ação depois de 15/3/17, teriam apenas a possibilidade de retroagir a decisão, em seu proveito, considerando tal data de 2017.

O questionamento silente da decisão enseja a seguinte situação: para aquelas contribuintes que adentraram com a ação após a data de 15/3/17 e tiveram o seu trânsito em julgado, antes da decisão de 13/5/21? O que o contribuinte irá enfrentar pela frente? Será que a União pode adentrar com ações rescisórias?

No caso concreto, faz-se necessário a leitura ao artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal, abaixo ementado:

Art. 5º

(....)

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Outrossim, o próprio STF já decidiu anteriormente pelo Tema 733, isto é, na transgressão das normas processuais aplicáveis, ao não interpretar erroneamente, pela operabilidade da tese de repercussão geral retroativa e automaticamente à coisa julgada.

De início, cumpre destacar que o retrato da inexigibilidade do título executivo transitado em julgado, ocorre e tão somente, quando uma obrigação reconhecida for fundada em lei, ato normativo ou interpretação dada como inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Deste teor, há de se considerar a precedência axiológica e cronológica da garantia individual da coisa julgada sobre os efeitos da decisão proferida em controle de constitucionalidade.

In casu, de forma clara e objetiva, deve ser observada se a ocorrência do trânsito em julgado da fase de conhecimento for estabelecida entre 15/3/17 e 12/5/21.

A este ponto, imperioso se faz salientar que o STF já se manifestou em controvérsia pertinente à aplicabilidade temporal das Teses de Repercussão Geral e das decisões de controle concentrado de constitucionalidade, fixando orientação jurisprudencial vinculante no Tema 733/STF (leading Case RE 730462). Segue abaixo a tese fixada no aludido precedente:

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE PRECEITO NORMATIVO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EFICÁCIA NORMATIVA E EFICÁCIA EXECUTIVA DA DECISÃO: DISTINÇÕES. INEXISTÊNCIA DE EFEITOS AUTOMÁTICOS SOBRE AS SENTENÇAS JUDICIAIS ANTERIORMENTE PROFERIDAS EM SENTIDO CONTRÁRIO. INDISPENSABILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO OU PROPOSITURA DE AÇÃO RESCISÓRIA PARA SUA REFORMA OU DESFAZIMENTO. (...) 4. Afirma-se, portanto, como tese de repercussão geral que a decisão do Supremo Tribunal Federal declarando a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo não produz a automática reforma ou rescisão das sentenças anteriores que tenham adotado entendimento diferente; para que tal ocorra, será indispensável a interposição do recurso próprio ou, se for o caso, a propositura da ação rescisória própria, nos termos do art. 485, V, do CPC, observado o respectivo prazo decadencial(CPC, art. 495). (...) RE 730462, Relator(a): TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 28/05/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-177 DIVULG 08-09-2015 PUBLIC 09-09-2015)

Neste importante julgamento, o saudoso jurista Teori Zavascki asseverou a existência de dois efeitos destas espécies de decisões, quais sejam, eficácia normativa e eficácia executiva.

A eficácia executiva, por decorrer do efeito vinculante da decisão e não da vigência normativa em si, possui efeitos ex nunc, isto é, pro futuro – não atingindo atos pretéritos. Agora, em relação à eficácia normativa, esta pode atingir efeitos ex tunc, pretéritos, por retirar do plano normativo a vigência de lei em vista de sua inconstitucionalidade. Deste modo, não se confunde eficácia de tese jurídica firmada em Repercussão Geral (eficácia executiva – não retroativa) com retirada de norma inconstitucional do plano jurídico (eficácia normativa – retroativa).

Neste sentido, destaca-se as notas taquigráficas da sessão de julgamento do RE 730.462:

“MINISTRO TEORI ZAVASCKI (RELATOR) - Eu estou negando provimento, reafirmando a jurisprudência, afirmando que não se pode confundir a eficácia normativa de uma sentença que declara a inconstitucionalidade, (que retira do plano jurídico a norma ex tunc) com a eficácia executiva, ou seja, o efeito vinculante dessa decisão. O efeito vinculante não nasce da inconstitucionalidade, ele nasce da sentença que declara inconstitucional. De modo que o efeito vinculante é pro futuro, da decisão do Supremo para frente, não atinge os atos passados.“ Grifos Nossos

Tendo em vista estas considerações, diante do entendimento pacificado no Tema 733/STF - pela impossibilidade de rescisão automática da coisa julgada por entendimento superveniente, certamente a nova decisão do Tema 69 não possuiu o condão de afastar a exigibilidade do título executivo judicial formado anteriormente.

Do mesmo teor sedimentado, é válido destacar que o Código de Processo Civil, ao estabelecer a sistemática aplicável às pretensões rescisórias, em seu artigo 525, §§12º e seguintes, enunciou em rol taxativo as justificativas jurídicas para desconstituição de título executivo judicial formado em desconformidade com Tese de Repercussão Geral ou Tese de Controle Concentrado de Constitucionalidade: 

Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação.

§ 12. Para efeito do disposto no inciso III do § 1º deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.

§ 13. No caso do § 12, os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal poderão ser modulados no tempo, em atenção à segurança jurídica.

§ 14. A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 12 deve ser anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda.

Ou seja, dada a literalidade da norma do parágrafo 12 do artigo 525 do CPC/15, nem todas as decisões do Supremo Tribunal Federal podem ser fundamento para ação rescisória e/ou pleito de declaração de inexigibilidade do título. Assim, evidente findar segundo o §14º do artigo 525, que o legislador processual cuidou de limitar temporalmente a pretensão rescisória, restringindo aos casos em que a formação da coisa julgada material seja posterior à decisão da Suprema Corte. Isto é, instituiu-se no texto legal a eficácia executiva das decisões emanadas pelo Supremo Tribunal Federal.

Assim sendo, data máxima vênia, qualquer decisão que venha a desconstituir decisão transitada em julgado, datado de 15/3/17 a 12/5/21, no sentido de desconstituir a coisa julgada material é asseverável que estará em desconformidade com os pressupostos processuais estabelecidos no art. 525, §§12º e 14º - violando-se, por consequência, o importantíssimo valor constitucional da coisa julgada (CRFB/88, art. 5º, XXXVI), que, por ser espécie de direito fundamental, merece especial proteção.

Portanto, consoante o posicionamento adotado no julgamento do Tema 733/STF, bem como do artigo 525, §§12º a 14º do CPC/15, o Tema de Repercussão Geral 69/STF não pode desconstituir decisões transitadas em julgado, pois, em regra, somente pode produzir efeitos jurídicos pro futuro – ex nunc.

Gihad Menezes
Graduado em Ciências Contábeis e Direito/Unisantos. Pós-graduado em Gestão Pública/UNIRIO, Direito Público/UNB e Ética, Valores e Cidadania/USP. Master of law em Direito Tributário (INSPER) 2020-2022.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Coisa julgada, obiter dictum e boa-fé: Um diálogo indispensável

23/12/2024

Macunaíma, ministro do Brasil

23/12/2024

Inteligência artificial e direitos autorais: O que diz o PL 2.338/23 aprovado pelo Senado?

23/12/2024

"Se não têm pão, que comam brioche!"

23/12/2024

“Salve o Corinthians”

24/12/2024