A Operação Lava Jato trouxe uma evolução quanto a padrões éticos e quanto a celebração de negócios. Ações de enforcement, bem como a implementação de programas de compliance fazem parte desse novo cenário. E nesse contexto, em muitas das vezes, disputas arbitrais em busca de soluções são iniciadas, motivadas por fatos revelados por investigações internas ou por autoridades públicas levaram as partes a disputas arbitrais em busca de soluções.
No Brasil, a legislação limita as matérias que podem ser submetidas à arbitragem, reservada apenas às situações que envolvam direitos patrimoniais disponíveis. Contudo, quando se fala em atos de corrupção, uma complicação pode ser avistada, pois, ao envolver a suposta corrupção de agentes públicos, o assunto em debate deixaria de ser uma questão privada para atrair o interesse público, afastando, em uma primeira análise, a atuação do árbitro.
Corrupção é um conceito que pode ganhar várias feições. Assim, somente o exame de situações caso a caso poderá definir se a conduta ilícita imputada como “ato de corrupção” por uma parte a outra, corresponde a uma infração contratual ou, eventualmente, a algo mais grave.
Fato é que a alegação de corrupção é muito séria e não pode ser sustentada de forma leviana tão somente porque há em jogo o pagamento de altas comissões a agentes, porque existem suspeitas de corrupção, ou ainda porque a alegação pode criar algum tipo de percepção diferenciada dos árbitros relativamente à parte adversa ou ao caso.
Por esse motivo, é importante que aquele que afirma a ocorrência de atos de corrupção consiga demonstrar a existência de prova pré-constituída de que buscou conhecer, mitigar, e, quando cabível, apurar suficientemente os fatos nos limites de sua capacidade.
A alegação de corrupção não pode ser posicionada como uma espécie de válvula de escape para tentar inverter uma situação desfavorável no processo arbitral ou, ainda, como uma justificativa geral para o inadimplemento de obrigações.
É necessário que se dê ao árbitro elementos reais para analisar os efeitos da alegação de corrupção sobre a relação contratual e, inclusive, em casos extremos, levar em conta possível “cegueira deliberada” da parte que apresenta fatos ilícios.
E nesse ponto, chega-se à discussão sobre ônus da prova e a alegação de corrupção. Em regra, o ônus probatório incumbe à parte que alegar o fato constitutivo, extintivo ou modificativo do direito invocado. Todavia, em casos nos quais há a arguição por uma parte de prática de corrupção, a aplicação dessa regra pode ser bastante complexa.
A posição da inversão do ônus da prova, contudo, não é a que tem prevalecido atualmente em arbitragens internacionais. Tem-se entendido que é incumbência da parte que afirma a prática de corrupção a de apresentar elementos que corroborem suas afirmações. Em suma, adotar como regra que a alegação de corrupção possa permitir a inversão do ônus da prova é instituir desproporcional ônus entre as partes.
A alegação de corrupção em sede de arbitragem leva a uma consideração adicional: a obrigação do árbitro que toma conhecimento de fatos e provas que podem configurar a prática de crime determinar a extração de peças ao Ministério Público para investigação é objeto de bastante controvérsia internacional.
Isso porque a busca pelo procedimento arbitral se justifica também pelo interesse das partes em revelar fatos e documentos de forma totalmente sigilosa, enquanto eventual obrigação e comunicação levaria para fora dos limites da arbitragem segredos guardados.
No Brasil, o artigo 17 da lei de Arbitragem (lei 9.307/96) equipara os árbitros aos funcionários públicos para fins penais. Seguindo esse raciocínio, aos árbitros deveria ser atribuído o dever de que trata o artigo 40 do Código de Processo Penal, sobre comunicar ao Ministério Público, enviando-lhe as cópias e documentos, sempre que constatarem a existência de crime de ação penal pública, sob pena de responder pelo delito de prevaricação (artigo 319 do Código Penal).
De forma a concluir essa breve exposição, a arbitragem já se provou no Brasil como meio eficaz e seguro de solução de disputas. Alegações de corrupção atraem questões de ordem pública e, no passado, foram consideradas não arbitráveis.
Com a evolução dos precedentes, as alegações dessa natureza passaram a ser conhecidas, quer para solução do objeto em litígio (nulidade do contrato ou ilícito na sua execução), quer para a definição da validade do compromisso arbitral (arbitragens contra a Administração Pública).
Passado esse debate, novas questões ligadas ao tema surgem ao foco, como a definição de ato de corrupção, o modo que se dá a alegação deste ato, a ausência de consenso sobre como o ônus da prova deve ser atribuída entre as partes, bem como a possibilidade de quebra da confidencialidade da arbitragem em atos de corrupção, visto a interpretação e aplicação do artigo 40 do Código de Processo Penal.
Recentemente publiquei, ao lado da minha sócia Helena Hajjad Abdo, capítulo abordando essas questões no livro “Advocacia Contemporânea e a Interdisciplinaridade do Direito Penal Empresarial”. No livro são levantadas a relação entre direito penal e diversas temáticas empresariais com a preocupação de demonstrar as dificuldades encontradas pelas empresas, frente à adequação às novas legislações de integridade, ética e programas de compliance, bem como no que se refere aos recentes processos de intervenção penal, como crimes digitais.
O livro conta a participação do professor Reale Júnior, autor do prefácio. Para além, o livro é composto de membros de escritórios full-service que fazem parte do Comitê de Direito Penal de Escritórios Full Service (Cope). A união de 19 escritórios na elaboração da presente obra trouxe de forma sistematizada novos conceitos, temáticas e a perspectiva atual do Direito Penal Empresarial.