Migalhas de Peso

Da constitucionalidade do princípio da fraternidade

Tais ideias fraternais essenciais ao convívio social foram inicialmente incorporadas por uma sociedade familiar, sociedade política e incorporada com maior rigor nas Doutrinas Religiosas, principalmente com a divulgação do Cristianismo.

10/5/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Desde o período mais remoto da Humanidade percebeu-se que há determinados direitos decorrentes da própria natureza humana, que se inserem num conjunto de bens da vida não suscetíveis de submissão ao arbítrio do Estado, que mesmo diante de sua evolução permanecem inalterado por inicialmente tratar-se de regra harmoniosa do convívio social com direitos e deveres universais.

Tais ideias fraternais essenciais ao convívio social foram inicialmente incorporadas por uma sociedade familiar, sociedade política e incorporada com maior rigor nas Doutrinas Religiosas, principalmente com a divulgação do Cristianismo, onde promoviam a harmonia social através da ajuda mútua, assistencialismo e compaixão ao próximo sob pena de infringir as regras da Igreja.

Este cenário modificou-se no século XVIII com a Declaração de Virgínia, de 1776, no continente americano e, em 1789, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, consequência da Revolução Francesa que, como sabido, foi responsável pela derrocada do regime absolutista sob lema da liberdade, igualdade e fraternidade.

A liberdade, igualdade e fraternidade, os ideais da Revolução Francesa, deixaram de ser apenas uma carta de intenção, da boa convivência ou de obediência a ordem religiosa, mas se transformaram numa Forma de Governo cujo valores universais foram inseridos nos textos Constitucionais daqueles países tornando-se obrigatórios no aspecto jurídico, onde as ações dos governantes em relação aos governados deveriam obedecer tais princípios revolucionários sob pena de atentar contra o próprio Estado Democrático e Social de Direito.

Em 10 de dezembro de 1948, na Assembleia Geral da ONU, foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, cujo efeitos irradiaram de forma universal em face de sua importância por ter declarada de forma expressa o reconhecimento da responsabilidade de todas as nações na realização dos direitos humanos.

No Brasil, a Carta Constitucional vigente absorveu os três valores do movimento revolucionário de 1789 ao definir como o primeiro objetivo da República Federativa do Brasil, citando logo em seu início especificamente no preâmbulo a busca da construção de uma sociedade livre, justa e solidária: liberdade, igualdade e fraternidade.

Com esta previsão o Princípio da Fraternidade deixou de ser uma mera diretriz religiosa, social e passou a ser considerada um princípio jurídico sendo utilizado para compreensão das normas e reafirmar as funções basilares do Estado, situação defendida por Uadi Lammêgo Bulos1:“O preâmbulo não é um conjunto de preceitos, mas de princípios. Tais princípios exercem uma força centrípeta sobre as demais normas da constituição, projetando sua relevância para no nível da interpretação.”

A Fraternidade como princípio jurídico ganha maior relevo quando passa a ser considerado um direito fundamental de Terceira Geração servindo como ponto de equilíbrio para a Liberdade e Igualdade, conforme observa-se na lição de Oscar Vilhena Vieira2, assim determinado: “Fala-se em direitos de primeira, segunda, terceira e quarta gerações, buscando repercutir a evolução dos direitos na história europeia. Em primeiro lugar teriam surgido os direitos civis, de não sermos molestados pelo Estado, direito de termos nossa integridade, nossa propriedade, além de nossa liberdade, a salvo das investidas arbitrárias do Poder Público. Esse grupo de direitos demarcaria os limites de ação do Estado Liberal. Uma segunda geração de direitos estaria vinculada à participação política ou direitos políticos. Partindo do pressuposto de que as pessoas são dotadas de igual valor, a todos deve ser dado o direito de participar de igual medida do processo político. Esses são constitutivos dos regimes democráticos. Uma terceira geração de direitos, decorre da implementação dos regimes democráticos e da incorporação do povo ao processo de decisão política, seria o reconhecimento pelo Estado de responsabilidades em relação ao bem-estar das pessoas – logo, de deveres correlatos aos direitos sociais estabelecidos pela ordem legal. São esses os direitos que caracterizam as democracias sociais. Por fim, fala-se num quarto conjunto de direitos relativos ao bem-estar da comunidade como um todo, como os relativos ao meio ambiente, ou de comunidades específicas, como o direito à cultura.”

O Princípio da Fraternidade está presente em nossa Constituição no capítulo dos Direitos Sociais, em que assegura a todos o direito à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, a proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados (artigo 6 da Constituição Federal e Título VIII, que trata da Ordem Social, artigos 193 a 250), no artigo 3, I a IV, no artigo 227 e meio ambiente, proteção das minorias, cuja identificação dos assuntos elencados tem objetivo de promover o bem estar da pessoa humana.

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, CARLOS AYRES BRITTO3, defende que as práticas fraternas merecem ser efetivadas, conforme segue: “A Fraternidade é o ponto de unidade a que se chega pela conciliação possível entre os extremos da Liberdade, de um lado, e, de outro, da Igualdade. A comprovação de que, também nos domínios do Direito e da Política, a virtude está sempre no meio (medius in virtus). Com a plena compreensão, todavia, de que não se chega à unidade sem antes passar pelas dualidades. Este, o fascínio, o mistério, o milagre da vida.”

Para o Princípio da Fraternidade é essencial que exista a dignidade igualitária na busca de direitos mas não apenas existir regras que promovam a dignidade sendo que seu alcance não pode ser diferente entre os membros de uma sociedade ou apenas exista uma previsão legal sem que exista a prestação efetiva no contexto social.

Enfim, deve ser considerado um princípio jurídico capaz de agir como instrumento regulador das relações entre os membros da sociedade destacando-se por sua relação igualitária entre todos promovendo uma relação horizontal na busca de efetivar os Direitos Fundamentais.

_________

1 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 10ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. pag. 40.

2 VIERA, Oscar Vilhena, Direitos Fundamentais – Uma leitura da Jurisprudência do STF. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 39.

3 BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 98.

Cristiano Salmeirão
Graduado como em Direito pela Faculdades Integradas Toledo. Pós-graduado em Direito Processual. Mestre em Direito pela UNIVEM. Professor em Direito Penal, Processual Penal, Eleitoral e Direitos Humanos.

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