Migalhas de Peso

O governo digital e o desenvolvimento sustentável

Administração pública eficiente e desburocratizada vai consumir menos água e papel e reduzir lixo.

10/5/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

No último dia 31 de março de 2021, foi publicada a nova lei 14.129/21, cujo objetivo é dispor sobre regras, princípios e instrumentos que deverão nortear o chamado Governo Digital. As normas se aplicam aos órgãos da administração pública direta federal, às entidades da administração pública indireta federal, e às administrações diretas e indiretas dos demais entes federados – esses últimos apenas se optarem por adotar os comandos da lei através de atos normativos próprios.

Dentre os vinte e seis princípios e diretrizes elencados no art. 3º da nova legislação, três deles resumem bem o espírito do recém-chegado Governo Digital, que prioriza o uso da tecnologia e a prestação de serviços digitais e abre espaço para a instauração de uma administração pública efetivamente gerencial. São eles:

I - a desburocratização, a modernização, o fortalecimento e a simplificação da relação do poder público com a sociedade, mediante serviços digitais, acessíveis inclusive por dispositivos móveis;

(...)

III - a possibilidade aos cidadãos, às pessoas jurídicas e aos outros entes públicos de demandar e de acessar serviços públicos por meio digital, sem necessidade de solicitação presencial;

(...)

VIII - o uso da tecnologia para otimizar processos de trabalho da administração pública.

Ademais a nova lei se propõe a utilizar soluções digitais não só para a gestão de suas políticas finalísticas, mas também para o trâmite de processos administrativos eletrônicos. Do mesmo modo, aqueles entes públicos responsáveis pela emissão de atestados, certidões, diplomas ou outros documentos comprobatórios com validade legal deverão privilegiar o meio digital e as assinaturas eletrônicas.

Se as ideias contidas na lei 14.129/21 vierem a ser, de fato, colocadas em prática, podemos esperar uma revolução no quesito eficiência da administração pública – especialmente através da desburocratização, da inovação, da transformação digital e da participação popular. As vantagens, felizmente, vão além: além de mais eficientes, as práticas defendidas pelo Governo Digital também reverberam positivamente no meio ambiente.

Muito embora a nova legislação não tenha abordado especificamente as questões ambientais, é importante ressaltar as novidades introduzidas e, por conseguinte, relacioná-las à importante temática do desenvolvimento sustentável. Isso porque, ao priorizar a utilização de soluções digitais para a gestão de suas atividades, a administração pública, naturalmente, demonstra uma inclinação – ainda que sutil – às novas diretrizes ambientais.

De acordo com os dados divulgados pelo próprio Governo Federal, entre junho e setembro de 2020 foram digitalizados mais de 150 serviços diversos. O resultado foi dos melhores, com redução de custos e visível aumento de eficiência. A publicação da nova lei, portanto, vem para coroar um projeto ambicioso, que objetiva alcançar 100% de digitalização até o fim de 2022 e, assim, conquistar uma economia significativa para os cofres públicos: estima-se que, com a digitalização irrestrita, 38 bilhões de reais serão poupados ao longo de 05 anos.

Não surpreendentemente, essa economia é fruto, principalmente, da eliminação do papel e da redução da burocracia, erros e fraudes. Além disso, manifesta-se também uma menor necessidade de locação de estruturas, manutenção de logística, e contratação de pessoal para fins de atendimento presencial.

Nesse passo, respiram aliviados não apenas os bolsos do governo, mas, também, o nosso ecossistema. Afinal, o uso desenfreado do papel causa impactos que vão além da poluição e geração de lixo – tão visíveis aos nossos olhos e presentes no nosso cotidiano.

De acordo com os dados da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf), o Brasil utiliza atualmente 100% de papel com origem de madeira de reflorestamento, o que permite que sejam minimizados os prejuízos ambientais relacionados ao desmatamento e ao desgaste dos recursos naturais.  Muito embora essa seja uma boa notícia, não podemos fechar os olhos para o impacto ambiental causado pela quantidade de água utilizada na fabricação do papel. Os dados, inclusive, são alarmantes: segundo as informações do Instituto Akatu, a produção de uma única folha A4 demanda o consumo de cerca de 10 litros de água. Desse modo, para produzirmos 1kg de papel, precisamos de impressionantes 540 litros de água.

Além do desperdício de água e papel – e consequente aumento na geração de lixo –, estimular, no âmbito do serviço público, as atividades presenciais também acarreta prejuízos na esfera social. Isso porque os custos desses procedimentos, infelizmente, terminam por ser proporcionalmente mais significativos para aqueles cidadãos de menor renda – e que, na maioria das vezes, mais dependem do Estado. Essas pessoas costumam possuir menor flexibilidade de horário, além de maior dependência do transporte público. Estima-se que, por ano, aproximadamente 150 milhões de horas são economizadas pelos cidadãos com a redução de burocracia, deslocamentos e papelada. Por esses e outros motivos, o entrave presencial, muitas vezes, pode significar verdadeiro prejuízo financeiro à boa parcela da população.

E é por isso que, ainda que indiretamente, o Governo Digital parece atender a um dos chamados da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará: I - à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico) na sua busca incessante para consolidar o já clássico tripé da sustentabilidade: desenvolvimento social, ambiental e econômico.

A verdade é que, considerando que as pautas ambientais nunca foram prioridade para a atual gestão, pequenos avanços nesse campo - tal qual a nova lei do Governo Digital - merecem ter o seu devido reconhecimento.

Raíssa Gadelha
Sócia de Direito Ambiental de Queiroz Cavalcanti Advocacia. Graduada em Direito pela UFPE; Pós-graduada e especialista em Direito Administrativo pela UFPE.

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