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A virtude de difundir políticas internas de não discriminação

Decisão do TST aponta para o problema da discriminação sofrida pelas pessoas com deficiência no mercado de trabalho e indica caminho para a implantação de cultura organizacional não segregadora.

6/5/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

Merece atenção a decisão unânime da Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, no âmbito do TST-RR Ag-1022-08.2014.5.12.0014, ao tratar da indenização por dano moral em decorrência do assédio sofrido por um trabalhador com deficiência intelectual nas dependências de um dos estabelecimentos de uma grande loja de departamentos presente em 17 estados do Brasil. 

O assédio moral na esfera trabalhista é configurado quando há conduta abusiva (ato ilícito), danoso à integridade física ou psíquica ou a dignidade de uma pessoa, de forma sistematizada ou repetitiva, que ameace o emprego ou o ambiente laboral. Caracterizado o ato ilícito, o dano na esfera moral é presumido e deve ser indenizado. 

O respeitável acórdão debruçou-se sobre o quantum indenizatório, amparado nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade e nos ditames da lei, ponderou a extensão e a intensidade do dano, as condições pessoais do reclamante, a capacidade econômica do empregador e o caráter pedagógico da medida, e ratificou o valor de R$ 100 mil arbitrado pelo Tribunal Regional, montante superior ao observado em decisões anteriores.

Entretanto, a maior inovação se deu em relação aos fundamentos da decisão, dos quais destacamos:

“In casu, chama a atenção a condição de deficiente mental do trabalhador e a forma como praticado o assédio moral, o qual revelou grande preconceito por parte dos prepostos. Trata-se de um caso diferenciado, que possibilita um lançar de luzes sobre o problema da discriminação sofrida pelos deficientes no mercado de trabalho.” (sic)

(...)

Todavia, tendo em vista as particularidades do caso presente e visando produzir na empresa uma virtude de difundir políticas internas de não discriminação seja contra quem quer que seja, em especial, quando o trabalhador é portador de deficiência mental, entendo que o valor fixado pelo TRT mostra-se proporcional.” (sic) (TST-RR Ag-1022-08.2014.5.12.0014, 5ª Turma, Rel. Min. Douglas Alencar Rodrigues.  Data da publicação no DOJ 19/3/21).

A Corte Superior do Trabalho cumpre a obrigação do Estado de incentivar e cobrar das empresas o respeito aos direitos humanos, por meio da elaboração e implementação de políticas internas de não discriminação, atendendo aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, como a promoção do bem de todos, sem preconceitos e quaisquer outras formas de discriminação (art 3º, inciso IV, CF/88).

Quanto ao capacitismo – discriminação em relação às pessoas com deficiência –, ressaltamos que a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo foram incorporados ao ordenamento jurídico com status constitucional (art. 5º, § 3º, CF/88), cujo propósito é

“promover, proteger e assegurar o exercício pleno e eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente.” (art. 1 do Decreto 6.949/09)

Para tanto, o Estado é convocado a reconhecer e promover o direito ao trabalho em igualdade de oportunidades com as demais pessoas por meio de medidas apropriadas e assegurar a reparação de injustiças e a proteção contra o assédio no trabalho (art. 27, inciso 1 e alínea ‘b”).

Para que as pessoas com deficiência alcancem a igualdade material no âmbito do trabalho e emprego, a Carta Maior prevê a política pública de ação afirmativa por meio de reserva de cargos e empregos públicos (art. 7º, XXXI). No âmbito das empresas, a previsão consta em lei federal, conhecida como lei de Cotas (art. 93 da lei 8.213/91). Contudo, atender aos requisitos das normas não resolve a questão da discriminação. Daí a relevância do acórdão ao incentivar empresas à “virtude de difundir políticas internas de não discriminação”.

Políticas internas efetivas contam com o compromisso da alta direção; o trabalho de educação, treinamento e comunicação; e, os controles internos e monitoramento para a construção e manutenção da cultura organizacional com vistas ao ambiente de trabalho inclusivo.  Outro mecanismo, de igual importância, é a disponibilização de canais para o recebimento de denúncias de comportamento antiético ou ilícito, possibilitando eventual reparação ou remediação em prol daqueles que tiveram seus direitos violados e a prevenção de novas condutas semelhantes. 

Ao ler o acórdão, nos deparamos com o depoimento de uma testemunha trabalhadora que presenciou as condutas de assédio afirmando que “tomou providências para tentar cessar as brincadeiras ofensivas contra o autor, mas era apenas uma funcionária”. Caso houvesse uma cultura organizacional antidiscriminação, o fato ocorrido poderia ter sido noticiado, apurado e remediado internamente com a orientação das partes envolvidas para prevenir futuras condutas indesejadas.

Nesse diapasão, o Decreto 9.571/18 estabelece as diretrizes nacionais sobre Empresas e Direitos Humanos assentado nos seguintes eixos : I - a obrigação do Estado com a proteção dos direitos humanos em atividades empresariais; II - a responsabilidade das empresas com o respeito aos direitos humanos; III - o acesso aos mecanismos de reparação e remediação para aqueles que, nesse âmbito, tenham seus direitos afetados; e IV - a implementação, o monitoramento e a avaliação das Diretrizes (art. 2º, incisos). O Decreto preconiza que as empresas devem dispor de uma estrutura de governança para assegurar a implementação efetiva dos compromissos e das políticas relativas aos direitos humanos (art. 6º, inciso XII).

Entendemos que o problema da discriminação em relação às pessoas com deficiência no mercado de trabalho não será resolvido exclusivamente por meio da reserva de cargos (cotas), mas pelo cumprimento conjunto de papéis do Estado, das organizações públicas e privadas e de toda a sociedade civil. O Decreto 9.571/18 é um importante aliado ao enfrentamento da discriminação, entre outras questões que envolvem os direitos humanos e empresas.

Vale lembrar que a não discriminação é questão de grande relevância às empresas que almejam adotar as práticas ESG (environment and social governance) tão difundidas no momento, não só pelo dever de agir de acordo com valores compartilhados por todo o globo, mas como uma decisão estratégica em busca de incentivos, investimentos e agregação de valor à marca e aos produtos e serviços.

Inovações em decisões de Cortes Superiores são importantes para fomentar transformações sociais como precedentes orientadores de condutas. Apesar do fato lamentável objeto da ação, o acórdão mencionado, ao nosso ver, merece ser amplamente destacado e divulgado.

Denise De Stefano Guedes
Advogada, certificada em Gestão de Riscos e Compliance pela FIA e pós-graduanda em Direito Digital e Proteção de Dados pela ESA/OAB. Integrante do grupo de estudos Empresas e Direitos Humanos na Sociedade da Informação do Mestrado da FMU. Instrutora do IN Movimento Inclusivo.

César Eduardo Lavoura Romão
Advogado sócio do escritório Aversa Araújo Advogados, responsável pela área de Inclusion Compliance. Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Professor na Pós-Graduação de Governança Corporativa e Compliance da FMU. Instrutor do IN Movimento Inclusivo. Membro da Comissão de Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB/SP. Membro do comitê jurídico da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down.

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