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PIS e Cofins com ICMS e o STF: O “crime” compensou?

O PIS e a Cofins são tributos que devem incidir apenas sobre a receita das empresas e o ICMS nunca pôde ser considerado como receita das empresas, pela óbvia evidência de que se destina aos Estados membros.

4/5/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

O título não é provocativo, mas indutivo às reflexões a que me submeto, após décadas de vivência no Direito Penal. E qual a relação que este ramo jurídico tem com o tema que o STF deve decidir a partir da próxima sessão de 5/5/21, no RE 574.706/PR, talvez seja uma pergunta muito mais dos jurisconsultos do que do cidadão comum. De qualquer forma, os olhares se entrecruzam quando observamos os fatos.

Na Corte Maior analisam-se tributos que desde sempre estão sendo cobrados indevidamente pelos diversos governantes que se sucederam. O PIS e a Cofins são tributos que devem incidir apenas sobre a receita das empresas e o ICMS nunca pôde ser considerado como receita das empresas, pela óbvia evidência de que se destina aos Estados membros. Simples assim. No entanto sobre o imposto estadual têm sido cobrados aqueles tributos, onerando-se a sociedade como um todo.

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, assim que o assunto foi reconhecido como de sua competência, sempre se dobrou à mencionada obviedade, independentemente da época em que o analisou. Foi assim em 2006, quando atingiu a primeira maioria de 6 a 1 sobre o tema e o mesmo se sucedeu em 2014 e em 2017, ocasiões em que o plenário confirmou a irrefutável constatação.

Mas quais os efeitos de tamanha evidência?

Cofins vem sendo cobrada erradamente, e bem a mais do que o devido, há praticamente 34 anos e, por sua vez, o PIS onera a sociedade há quase 51 anos!¹

Portanto, por intermédio da equivocada cobrança tributária, há muitas e muitas décadas os diversos governos têm recebido recursos bem acima dos limites que se lhes impunha resguardar.

É nesse ponto que se entrecruzam as apreciações de todos. Nunca esteve tão presente no sentimento geral a moral da história Ihering, na qual o camponês que recebesse uma bofetada poderia se contentar com uma reparação de 25 azes, quando o autor da agressão fosse um comum, mas, em se tratando de ladrão preso em flagrante, o camponês exigia da lei e esta lhe outorgava, que se reduzisse o delinquente à escravidão, podendo até o matar, se oferecesse resistência.”²

E, se esse sentimento geral de dosimetria da pena aos governantes, para impedir suas condutas abusivas, não me passa em branco, não poderá ser expectativa vã acreditar que a Corte Suprema não terá olhos fechados a ele.

Fragoso descreveu a concepção formal crime como aquela conduta contrária ao Direito Penal, a que se lhe atribui uma pena.³ Mas há um sentimento que extravasa o formalismo e invade a própria conceituação material de crime, que passa a englobar a ofensa a outros bens jurídicos tutelados, como os atinentes às esferas psicológica, moral, religiosa, econômica e até mesmo social.

Isso porque ninguém mais admite instituições ou governos funcionando sem limites. E quando se fala em limites, há que se elevar o tom principalmente em matéria de tributação, justamente pelo efeito indutor que seu desbordamento é capaz de inferir tanto aos governos quanto aos cidadãos.

Por essa razão, fazer os entes tributantes respeitarem seus limites, assim como deixar claro quais são eles, é imperativo da segurança e do bem-estar social.

Quando o agente público tem sempre certeza de poder encher as burras, locupletar seu caixa, independentemente do meio e da obediência às regras de regência, o malbaratamento dos recursos público é certo! As tragédias sócias a isso evidenciam, principalmente nesses tempos de pandemia.

Malbaratamento dos recursos públicos é sinônimo da improbidade administrativa, tantas vezes enfrentada pelas Cortes Superiores.

Muitos acórdãos a esse respeito foram lavrados pela Corte Maior. Ressalvando-se o recém-admitido min. Nunes Marques, o enfrentamento do tema é impressionante: o min. Alexandre de Moraes, o enfrentou diretamente por 23 vezes; o min. Edson Fachin, 28; o min. Ricardo Lewandowski, 31; o min. Marco Aurélio, 34; o min. Gilmar Mendes, 50; o min. Roberto Barroso, 52; a min. Cármen Lúcia, relatora do caso do PIS e da Cofins, 54 vezes; o min. Dias Toffoli, 56; a min. Rosa Weber, 65, e o min. Luiz Fux, presidente do Egrégio Tribunal, 84 vezes. O total de 477 acórdãos sobre a temática da improbidade administrativa” é marca que, infelizmente está diretamente associada à ausência de limites dos governantes. E isso apenas em sede constitucional!

Veja-se que no Superior Tribunal de Justiça, o problema ganha ares de pandemia política. Só na primeira Turma do STJ, uma singela pesquisa eletrônica baseada na locução “improbidade administrativa” dá conta de 979 acórdãos e 16.619 decisões monocráticas sobre o tema!

Humberto Ávila, em admirável artigo, intitulado “O Judiciário e a falácia do meio-termo”, traduziu ao meio jurídico o sentimento social de impunidade em qualquer tipo de modulação de efeitos que o STF venha a fazer sobre o tema: “fixar em 2014 ou 2017 o marco temporal para a modulação de efeitos não promove solução média, mas solução que deixa com a União a quase totalidade daquilo que ela, desde 1988, foi indevidamente cobrando [...], cupim que pode fazer desabar o edifício da Constituição: a confirmação de que a inconstitucionalidade compensa, os direitos fundamentais não limitam o poder estatal e o investimento no Brasil não vale a pena.”4

Eis novamente a questão:

O “crime” compensou?

À indagação não há como se ficar indiferente: “A tranquilidade comprada ao preço de uma indiferença culposa é a tranquilidade do Mar Morto, que esconde no fundo de suas águas a lama fétida e a corrupção.5

____________

1. A COFINS, originalmente FINSOCIAL, vem incidindo sobre o ICMS desde 1987 e o PIS vem incidindo sobre o ICMS desde a lei complementar 7/70.

2. Rudolf Von Ihering.  “A luta pelo direito”, 2009, p. 33.

3. Heleno Cláudio Fragoso. “Lições de Direito Penal: Parte Geral”, 1995, p.144.

4. Artigo publicado no jornal eletrônico “O Estado de São Paulo”, em 29/4/21.

5. Miguel, Bordeaux, 1862, “O evangelho segundo o Espiritismo”, item 17 do Capítulo XIII - “Que a mão esquerda não saiba o que faz a direita”.

Oscar Serra Bastos Júnior
Advogado, atuante da área criminal desde 2000. Foi membro da comissão de Direitos e Prerrogativas e da comissão de Direitos Humanos, ambas da OAB/SP

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