Migalhas de Peso

A responsabilidade do empregador nos acidentes de trabalho

A legislação laboral não traz em si a tutela de direitos individuais com tanta propriedade como o direito civil, responsável por regular os direitos e obrigações de ordem privada em relação as pessoas e seus bens.

28/4/2021

(Imagem: Arte Migalhas)

É fato que o Direito possui diversas ramificações e atuações independentes perante a sociedade, contudo, algumas dessas ramificações acabam convergindo, talvez até de forma constante, como é o caso entre o Direito Civil e o Direito do Trabalho. Tal situação se torna explicita na medida em que a CLT (Consolidação das leis Trabalhistas) prevê a aplicação do “direito comum” ao Direito do Trabalho em casos de lacunas legislativas.

É sabido que o direito do trabalho regula, diretamente, as relações entre empregado e empregador, sempre buscando proteger aquele que apresenta uma condição hipossuficiente, ou seja, buscando uma relação de equidade entre o empregado e empregador. Contudo, a legislação laboral não traz em si a tutela de direitos individuais com tanta propriedade como o direito civil, responsável por regular os direitos e obrigações de ordem privada em relação as pessoas e seus bens.

Dessa forma, cabe ao direito Civil regular acerca da capacidade civil, direitos de personalidade, fixação do domicílio, filiação, sucessão e, dentre outras matérias, as regras de responsabilidade, tópico principal do presente estudo. Para melhor entender a aplicação da responsabilidade civil no âmbito do Direito do Trabalho é necessário aprender seu conceito e analisar seu liame com as relações trabalhistas.

A responsabilidade civil está relacionada, diretamente, à necessidade de responsabilização por atos danosos causados a outros. Assim, pode ser definida como uma forma de execução de medidas que exigem a reparação do dano causando a outrem em razão de uma ação ou omissão, caracterizando uma responsabilidade subjetiva ou objetiva.

A responsabilidade civil subjetiva caracteriza-se através de uma conduta culposa, ou seja, quando o agente causador do dano pratica ato com negligência ou imprudência. Por muito tempo essa espécie de responsabilidade foi utilizada para casos de reparação de dano, contudo, com a evolução da sociedade industrial e o consequente aumento de riscos e acidentes de trabalho a responsabilidade subjetiva, baseada na culpa, deixou de ser suficiente para a resolução desses casos, abrindo espaço para uma nova interpretação, levando em conta, principalmente, o ambiente de trabalho.

Sobre o tema, Rui Stoco declara que a necessidade de maior proteção a vítima fez nascer a culpa presumida, de sorte a inverter o ônus da prova e solucionar a grande dificuldade daquele que sofreu um dano demonstrar a culpa do responsável pela ação ou omissão. O próximo passo foi desconsiderar a culpa como elemento indispensável, nos casos expressos em lei, surgindo a responsabilidade objetiva, quando então não se indaga se o ato é culpável.

Tal cenário levou ao surgimento de uma corrente diversa da anterior, que passou a utilizar a teoria do risco como fundamento para aplicação da responsabilidade objetiva em casos nos quais o dano tenha sido causado independentemente de culpa. Essa evolução da responsabilidade foi aplicada no Código Civil de 2002, em seu artigo 927, que dispõe o seguinte: “haverá obrigação de reparar o dano, independente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

Após essa breve introdução acerca da responsabilidade civil é necessário compreender sua aplicação e consequência na esfera trabalhista, envolvendo as relações entre empregado e empregador.

Para o Direito do Trabalho a teoria do risco adotada pelo Código Civil de 2002 possibilitou a adoção da teoria objetiva da responsabilidade civil ligada ao risco profissional, tendo sua previsão no artigo 2º, da

CLT, que determina que a empresa (empregador) assume os riscos da atividade econômica. Ou seja, na medida em que o direito do empregado de não suportar os riscos da atividade é violado, surge o direito de reparação para o empregador.

O objetivo precípuo da responsabilidade no Direito do Trabalho é mostrar que ofensas à integridade física, saúde, honra, imagem e/ou dignidade humana no ambiente laboral devem ser reparadas judicialmente, visando proteger a parte mais vulnerável da relação de emprego, no caso, o trabalhador.

Todavia, a grande questão é o limite da responsabilidade do empregador frente a acidentes sofridos por seus empregados. Qual é o limite da culpa da parte Reclamada em casos em que há dano à vítima?

É inadmissível considerar que em todo e qualquer acidade de trabalho haverá incidência de responsabilidade, seja ela subjetiva ou objetiva. Para que ocorra a responsabilidade civil é preciso que que a empresa cometa ato ilícito, mesmo sem intenção de comete-lo, violando os direitos do trabalhador. Ainda, é imprescindível que tenha a existência do dano e nexo de causalidade.

Em face do exposto, o Tribunal Regional do Trabalho do Estado de Minas Gerais proferiu duas decisões que determinaram a ausência de responsabilidade da empresa por acidentes de trabalho sofridos por seus empregados. O entendimento de ambas decisões se fundou na ausência de culpa da empregadora no ocorrido.

No primeiro caso a Justiça do Trabalho afastou a responsabilidade da empresa por acidente de carro ocorrido durante o horário de trabalho. O referido acidente deixou sequelas na empregada e chegou a ser caracterizado como acidente de trabalho. Houveram pedidos de indenização por danos morais, materiais e estéticos, porém o Juízo julgou todos improcedentes, uma vez que não constatou culpa da empregadora, bem como, constatou que a função exercida pela Reclamante, consultora, não era considerada atividade de risco.

Restou constatado em sentença que a empresa não contribuiu para o evento, nem de forma culposa, nem dolosa, muito mesmo poderia tê-lo evitado, o que impossibilita que a empresa tenha alguma responsabilidade sobre o ocorrido.

Além de ter sido excluída a hipótese de responsabilidade subjetiva, foi também excluída a responsabilidade objetiva, tendo em vista que a atividade de consultoria desempenhada pela Reclamante não é considerada como risco acentuado. Este foi o entendimento majoritário da Oitava Turma do TRT de do Estado de Minas Gerais.

O segundo caso segue a mesma linha de julgamento do feito supracitado. Apesar de ter sido concedido uma pequena quantia de indenização por danos morais em sentença, no Juízo de primeiro grau, a Nona Turma do TRT/MG modificou o julgado para excluir o pedido de indenização por danos morais concluindo que não houve culpa da Reclamada no ocorrido, excluindo o dever de reparação.

Para analisarmos melhor a situação a empregada foi contratada para trabalhar em instituição de acolhimento de adolescentes, desempenhando a função de educadora social. Durante o expediente ela foi agredida, no local de trabalho, por uma das internas.

Apesar de ter sido o pedido parcialmente acolhido e condenado a empregadora a pagar uma indenização por danos morais, o Relator da Nona Turma concluiu que não houve ato ilícito praticado pela empresa, afastando a responsabilidade civil de indenizar pelo acidente sofrido e modificando a sentença.

Foi provado que as educadoras recebiam treinamento específico para lidar com os internos e que o plano de ação adotado pela prefeitura de Belo Horizonte/MG não possibilitava a contratação de seguranças e guardas na instituição, estando prevista a possibilidade de acionar a polícia ou Guarda Municipal em caso de agressão, como foi devidamente feito no caso da Reclamante.

O Relator sinalizou que a natureza especial da função exercida pela autora a expunha, assim como as demais educadoras, a ameaças e agressões. Por isso, as educadoras eram treinadas situações de crise, o que prova que não houve omissão da Reclamada. Ademais, ele pontuou que as agressões não ocorriam de forma constante, corroborando o fato de que não houve conduta ilícita pela empresa de forma habitual, o que diverge do exposto no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, que determina que atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, deve apresentar exposição habitual a risco especial.

Restou concluído que em caso de acidente de trabalho, além do seguro fornecido, há também o direito de indenizar o trabalhador em caso de comprovação de dolo ou culpa do empregador. Tem-se apenas que avaliar situações nas quais haverá incidência da responsabilidade civil pura ou com presunção de culpa.

Sendo assim, via de regra, a responsabilidade do empregador por acidente de trabalho é constitucionalmente subjetiva, devendo a jurisprudência definir os casos em que, diante do elevado risco à vida ou à saúde do trabalhador, possa haver o agravamento para a responsabilidade civil com presunção de culpa.

A única exceção possível, é quando existir lei ou jurisprudência que reconheça determinadas atividades de alto risco, sendo aplicada, excepcionalmente, em virtude de expressa disposição legal, a responsabilidade objetiva, mediante aplicação supletiva do art. 927, parágrafo único, do Código Civil.

Não existindo previsão legal, ainda que a jurisprudência a considere como atividade de risco, a responsabilidade somente pode ser subjetiva, ainda com presunção de culpa.

Ronan Leal
Advogado no escritório GVM | Guimarães & Vieira de Mello Advogados, bacharel em Direito pela UEMG segundo semestre de 2008, pós graduado em Direito e Processo do Trabalho pelo LFG.

Nicole Barros
Colaboradora trabalhista no escritório GVM | Guimarães & Vieira de Mello Advogados. Cursando Direito na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

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