O empreendedor norte-americano Thomas J. Watson é detentor da célebre frase: “uma fórmula para o sucesso? dobre a probabilidade de fracasso da sua empresa. Você pode ser desencorajado com os erros ou aprender com eles, então siga em frente e continue falhando. Erre o máximo que puder. É aí que você vai conseguir o sucesso”.
A expressão pode ser considerada um verdadeiro axioma para os empreendedores que estão iniciando um projeto de negócio, considerando que, inevitavelmente, os percalços da burocracia regulatória e a competitividade natural do mercado são óbices a serem superadas a fim de alcançar o sucesso do negócio.
Neste sentido, uma opção que emerge para os empresários iniciantes é o sistema de franquias. Em síntese, torna-se uma alternativa para o empreendedor, diminuindo os riscos iniciais do negócio, procurar serviços especializados de organização empresarial por meio do contrato de franchising.
O setor, no que pese padecer dos males que a pandemia trouxe ao mercado, mostra-se otimista para o restante do ano de 2021, sobretudo com a vacinação da população. Segundo estudo realizado pela Associação Brasileira de Franchising, 64% das grandes redes entrevistadas têm expectativa de crescimento superior a 10% no faturamento¹.
Importante esclarecer, inicialmente, que os contratos de franquia estão sob a égide da recente lei 966/19, que revogou a lei 8.55/94, trazendo algumas novidades no texto da norma que, apesar da construção doutrinária e jurisprudencial, ainda eram objetos de debates quando da existência de conflitos, o que denotava insegurança jurídica.
Observa-se que, logo na disposição do artigo 1º² da nova lei, há expressa menção de que a relação jurídica, entre o franqueador e franqueado, não caracteriza relação de consumo. Assim, finda-se qualquer dúvida acerca da aplicabilidade ou não do Código de Defesa do Consumidor, ao passo que, notadamente, manteve-se a impossibilidade de vínculo trabalhista, tratando-se o contrato de franquia somente um instrumento particular de colaboração empresarial.
Além disso, atente-se ao fato de que o contrato de franquia engloba outros contratos sobre as marcas e patentes do franqueador, além de distribuição exclusiva ou semiexlusiva de produtos ou serviços, sendo:
- Contrato de Engineering: O franqueador orienta o franqueado na montagem e planejamento da rede.
- Contrato de Management: O franqueador auxilia o franqueado no seu treinamento, quanto gerência, bem como da sua equipe.
- Contrato de Marketing: O franqueador colabora ou repassa os métodos de divulgação e promoção do seu produto.
Ressalte-se, assim, que o franqueado possui evidente subordinação ao franqueador no que tange a organização empresarial do negócio, considerando as orientações repassadas pelo último, posto que este detém a propriedade dos produtos e marcas, prezando, portanto, pela manutenção da qualidade.
O momento de celebração de um contrato de franchising exige cautela e cuidados por parte de ambos contratantes, sobretudo, na elaboração e fornecimento da chamada “Circular de Oferta de Franquia” (COF). Trata-se de um documento que conterá obrigatoriamente, de acordo com o art. 2º da lei 13.966/19, dados fundamentais do negócio de franquia, os quais devem ser redigidos em linguagem clara e acessível.
O referido artigo, em comparação à lei anterior de franquias, consagra ao todo 23 incisos, dispondo sobre elementos no que tange o franqueador, o fraqueado, o negócio de franquia, as finanças, o território, a coordenação e a situação pós-contratual.
Importante destacar que a função precípua da COF é conscientizar o contratante franqueado sobre todos os aspectos inerentes do negócio, fornecendo dados para lastrear a decisão de aderir ou não à rede, visto que o contrato geralmente é de adesão. Portanto, a COF deve ser entregue ao candidato 10 dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia, ou, ainda, do recebimento de quaisquer valores pelo franqueador ou por terceiro por ele indicado, sob pena de anulabilidade ou nulidade.
Informações da COF (art. 2º da Nova lei de Franquias)
Incisos II e III: qualificação do franqueador e de todas empresas ligadas a ele, se for o caso, além de balanços e demonstrações financeiras relativos aos dois últimos exercícios. Note-se que, por meio da dicção de documentos contábeis do franqueador, é possível analisar sua situação econômica e avaliar determinados riscos do negócio. Deste modo, é importante o franqueado observar com atenção tais documentos contábeis.
Incisos VI e VII: perfil ideal do franqueado e a necessidade ou não de seu envolvimento direto na operação e administração do negócio.
Incisos I, IV, V, X, XIV, XVII, XX, XXI e XXII: Estes incisos referem-se ao negócio contratado, de modo que o franqueado terá um panorama da situação atual, bem como dos últimos meses, da empresa detentora das marcas e métodos que estar se negociando. Tem-se, então, o histórico do negócio franqueado, descrições do negócio, da franquia e da atividade; ações judiciais que envolva o negócio; relação de franqueados atuais e dos que se desligaram nos últimos 12 meses; situação da marca etc.
Incisos VIII, IX, XII e XIX: Dispõem sobre as informações financeiras, tais como o investimento inicial necessário para aquisição, implantação e vigência da operação de franquia; taxa periódicas (royalties); aluguel de ponto comercial, se houver, considerando que o estabelecimento pode instaura-se por meio virtual.
Além disso, o franqueado deve atentar-se às taxas, sobretudo de royalties, e seus índices de reajustes, os quais devem estar previamente descritos na COF e, consequentemente, no contrato definitivo. Na prática, muitas franqueadoras cobram majoração do percentual de taxas incidindo sobre a receita auferida, o que caracteriza violação a boa-fé objetiva, caso não haja previsão contratual.
Incisos XIII e XVIII: Tratam-se dos suportes, serviços, treinamentos, leiautes e padrões arquitetônicos que devem ser repassados pelo franqueador, além de eventuais multas e indenizações.
As grandes controvérsias suscitadas pelos franqueados, em âmbito judicial, residem na falha de transferência e implantação do know-how, considerando a ausência de suporte, por parte do franqueador, uma vez que este é o proprietário da marca e método patenteado.
Importante frisar que, no que pese a alegação possa ser de inadimplemento por culpa do franqueador, bem como o franqueado tem por ônus processual provar os fatos constitutivos do seu direito, é cabível a distribuição dinâmica do ônus da prova, nos termos do art. 373, §1º do CPC/15, considerando a vedação à prova negativa. Deste modo, mostra-se comum o franqueador trazer aos autos indícios que prestou, adequadamente, serviços de suporte e transferência de seu know how ao franqueado e, assim, afastar rescisão do contrato e devolução de valores.
No que tange as multas, por vezes, são estipuladas em percentual ou valor excessivo, de modo que são extremamente onerosas ao franqueado após a extinção contratual. Os tribunais, recorrentemente, intervêm para fixação diversa do que se estabeleceu em contrato, com fulcro no art. 413 do Código Civil, para garantir o equilíbrio contratual.
Incisos XIV e XV: regulação para a relação jurídica pós-contrato, em relação ao know-how, processos, informações confidenciais, segredo de indústrias e atividades de concorrência.
Nulidade, Anulabilidade e o Prazo
No que tange a Circulação de Oferta de Franquia (COF), observa-se que o art. 2º, §2º da nova lei 13.966/19 assegura que a não entrega da COF, ou destempo de sua entrega, a ausência de informações ou a existência de informações falsas, acarreta nulidade ou anulabilidade do contrato de franquia.
O artigo traz previsão de dois institutos que maculam o plano da validade do negócio jurídico, mas que, notoriamente, não se confundem. A nulidade ocorrerá quando não houver a entrega da COF ao candidato franqueado, tratando-se de violação à solenidade exigida por lei (art. 166, V do Código Civil).
Por outro lado, pode-se verificar a anulabilidade do contrato de franquia quando se tem a entrega da COF fora do prazo de 10 dias ou, ainda, se o documento estiver com omissões ou faltando informações obrigatórios na lei, conforme destacada anteriormente, nos termos do art. 171, caput, do Código Civil.
O prazo para convalidação tácita do contrato de franquia tornou-se um grande impasse nos tribunais pátrios, de modo que existem entendimentos que acolhem o prazo estabelecido por lei de 02 anos, consoante art. 179 do Código Privado, conforme decidiu o Tribunal Paulista:
APELAÇÃO. FRANQUIA. AÇÃO DE ANULAÇÃO E RESCISÃO DE CONTRATO DE FRANQUIA COMERCIAL CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. Alegação de atraso na entrega da Circular de Oferta de Franquia. Impossibilidade de o franqueado invocar a seu favor a anulabilidade prevista no artigo 4º, parágrafo único da lei 8.955/94, depois de iniciado o contrato e sem demonstrar prejuízo. Convalidação tácita do negócio. Impossibilidade de rescisão contratual por culpa da franqueadora. Art. 179 do Código Civil deve ser aplicado à luz da realidade negocial. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível 1001329-43.2018.8.26.0020; Relator (a): Azuma Nishi; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; 27/06/19).
O próprio Grupo Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio do enunciado IV³, prevê que “a inobservância da formalidade prevista no art. 4 da lei 8.955/94 pode acarretar a anulação do contrato de franquia, desde que tenha sido requerida em prazo razoável e que haja comprovação do efetivo prejuízo”. A disposição tratava justamente da ausência de informações na COF.
Ao passo que, segundo corrente mais flexível, apresentando-se como tendência nos Tribunais, basta o decurso de 01 ano, sem contestação das partes, para convalidação do contrato de franquia que esteja faltando ou omitindo informações sobre o negócio contratado.
Por fim, importante olvidar que, nos termos do art. 113, §1º, inciso I do Código Civil (Incluído pela lei da Liberdade Econômica), os negócios devem ser interpretados no sentido que for confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração, ou seja, não havendo reclamação dentro de um tempo razoável, conforme a boa-fé objetiva, não há que se falar em anulação do contrato de franquia por violação ao art. 2º da nova lei de Franquias, sob pena de violação ao pacta sunt servanda e função social dos contratos.
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1. Disponível aqui.
2. A redação do artigo 1º da lei 13.966/19 assim dispõe integralmente: “Esta lei disciplina o sistema de franquia empresarial, pelo qual um franqueador autoriza por meio de contrato um franqueado a usar marcas e outros objetos de propriedade intelectual, sempre associados ao direito de produção ou distribuição exclusiva ou não exclusiva de produtos ou serviços e também ao direito de uso de métodos e sistemas de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem caracterizar relação de consumo ou vínculo empregatício em relação ao franqueado ou a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento”.
3. Disponível aqui.