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Declaração de inconstitucionalidade pelo árbitro: vedação ou dever

Abordagem do controle de constitucionalidade exercido pelo árbitro no Direito Brasileiro. Há dever ou se trata de atividade vedada? Estudo aprecia as correntes doutrinárias existentes e exterioriza a posição adotada.

20/4/2021

1. Introdução

Com o crescimento do emprego da arbitragem, como forma de resolução de conflitos, algumas questões jurídicas merecem abordagem, entre elas a da possibilidade ou não da declaração de inconstitucionalidade pelo árbitro, assunto que conta com poucos trabalhos doutrinários específicos.

Optamos pela divisão do desenvolvimento do trabalho em quatro partes, de modo que trataremos do ato inconstitucional e respectiva sanção; do controle de constitucionalidade nas suas duas modalidades: difuso e abstrato; da arbitragem; da declaração da inconstitucionalidade pelo árbitro, com as correntes existentes, adotando uma delas e externando as conclusões ao final.

O método dedutivo foi adotado, realizando a pesquisa bibliográfica e consistente na análise crítica sobre a doutrina nacional e estrangeira, visando consolidar entendimento para o desenvolvimento da problemática exposta.

2. Ato inconstitucional e sanção

Antes de tratarmos do objeto central deste estudo, algumas palavras são necessárias acerca da inconstitucionalidade e sua respectiva sanção. Cuida-se de vício que:

“Não se confunde, vale ressaltar, com a sanção de inconstitucionalidade, que é a consequência estabelecida pela Constituição para a sua violação: a providência prescrita pelo ordenamento para a sua restauração, a evolução do vício rumo à saúde constitucional. Caso essa evolução não se verifique espontaneamente ou dependa de intervenção coativa, far-se-á uso dos remédios constitucionais, ou seja, dos instrumentos de garantia compreendidos no chamado controle de constitucionalidade”.

Impende salientar que não há previsão expressa na Constituição da sanção cominada ao ato inconstitucional, o que caracteriza o princípio da nulidade como implícito, sendo extraído do controle difuso de constitucionalidade.

Na doutrina defende-se que a modalidade de controle de constitucionalidade adotada identifica a sanção:

“O sistema de controle de constitucionalidade funciona como critério identificador da sanção de inconstitucionalidade acolhida pelo ordenamento. Assim, a sanção de nulidade exige a presença do controle via incidental, apresentando a decisão que constata a incidência da sanção aparência de uma retroatividade radical, por redundar na negativa de efeitos ab initio ao ato impugnado. Já a sanção de anulabilidade aparece necessariamente associada ao controle concentrado, em que se produzam decisões anulatórias com eficácia erga omnes e não retroativas ou com retroatividade limitada.”

Canotilho concorda com os ensinamentos acima: “No caso do judicial review o efeito típico é o da nulidade e não simples anulabilidade”. E afirma: a sanção nulidade é típica do controle difuso. Convém lembrar que:

“A sanção de nulidade é tida como a mais eficiente no que diz respeito à preservação da supremacia das normas constitucionais, por impedir o ingresso do ato legislativo no plano da eficácia desde o seu nascedouro (ab initio), automaticamente (pleno iure).”

Acrescentamos que a Constituição Federal dispõe em cinco oportunidades que a inconstitucionalidade é reconhecida por decisão declaratória e não podemos desprezar o termo empregado pelo Poder Constituinte Originário, já que não há palavras inúteis no texto da Lei Maior. Esse fundamento reforça a tese da nulidade do ato inconstitucional, considerando que segundo a doutrina as decisões declaratórias reconhecem atos nulos, não anuláveis.

Assim, pertence à tradição jurídica brasileira a teoria da nulidade da lei inconstitucional, fundada no aforismo pelo qual “inconstitucional statute is not law at all”.

Firmou-se o dogma da nulidade da lei inconstitucional na doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, conferindo-se à declaração de inconstitucionalidade eficácia ex tunc. Como consequência, impõe-se o desfazimento no tempo de todos os atos passíveis de retroação que tiverem ocorrido durante a vigência do ato inconstitucional.

O Supremo Tribunal Federal entende que a apreciação da constitucionalidade do ato é matéria de ordem pública, tanto que o controle difuso deve ser exercido de ofício e não admite desistência da ação direta. Esse assunto será retomado, de forma mais detalhada, no item concernente à posição adotada neste estudo.

Verificada a premissa inicial no sentido da existência da sanção nulidade para a inconstitucionalidade no ordenamento pátrio, resta entrar no controle de constitucionalidade.

Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira
Procurador do Estado de São Paulo. Doutor e Mestre em Direito do Estado pela PUC-SP. Professor do Programa de Doutorado e Mestrado em Direito da UNAERP. Professor convidado de cursos de pós-graduação. Membro de listas de árbitros de diversas Instituições Arbitrais. Sócio da CAMES. Membro da Comissão Especial de Arbitragem do Conselho Federal da OAB. Autor de livros jurídicos.

Marcelo José Magalhães Bonizzi
Pós-doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco da Universidade de São Paulo (USP), na qual é professor de graduação e de pós-graduação em direito processual civil. Procurador do Estado de São Paulo. Árbitro.

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