Este artigo resulta de uma pesquisa que inicialmente tinha por objetivo investigar as violações ao direito de protesto no Brasil desde as Jornadas de Junho de 2013. Todavia, ao depararmos com a complexidade do objeto em questão, que suscitou uma multiplicidade de novos problemas, tivemos de adotar uma perspectiva de análise consideravelmente mais ampla. Não bastava mais estudar apenas tais violações em si mesmas, as quais têm sido inegavelmente potencializadas por uma sofisticação do aparato repressivo do Estado e pelo desenvolvimento de um verdadeiro Estado de exceção seletivo. Mais do que a relação do Estado com os movimentos sociais ou a “sociedade civil”, tratava-se de compreender essa relação como uma relação estruturada pela luta de classes. Mas, para analisar o problema sob essa perspectiva, seria necessário primeiro compreender de que forma os conflitos de classe vinham se processando, bem como o tipo de mudança que tornou necessário aquele Estado de exceção e aquela modernização repressiva, e para isso seria necessário buscar compreender melhor quais eram as forças em confronto em 2013, que contexto das lutas sociais no Brasil e no mundo era então vivido e como o Estado passou a responder a essa nova realidade. Nossa pesquisa ainda está em desenvolvimento, de modo que poderemos apenas esboçar algumas respostas para tais problemas. Corremos aqui o risco de analisar alguns desses problemas com uma certa superficialidade, mas nos parece interessante ter inicialmente à disposição um quadro geral, o qual poderá ser depois retrabalhado e repensado à luz de problemas particulares investigados mais a fundo.
Num primeiro momento faremos uma análise do relacionamento conflituoso do Estado brasileiro com movimentos e mobilizações de trabalhadores desde o final dos anos 1990 até o final dos anos 2000. Essa análise passará pelos efeitos do modelo petista de gestão do Estado e dos conflitos sociais sobre as lutas de classe e pelo esgotamento desse modelo, o que nos levará à ruptura a que ele esteve sujeito em 2013. Depois faremos uma análise sobre os movimentos e mobilizações antissistêmicos e a retomada da questão da autonomia nas lutas da classe trabalhadora, não apenas no Brasil como também num cenário internacional. Faremos ainda uma breve passagem pela chamada questão urbana e depois analisaremos os conflitos sociais que tiveram lugar no Brasil em 2013, tentando identificar os sujeitos envolvidos no processo e os papéis por eles desempenhados: nesse ponto analisaremos a composição social da onda de protestos e revoltas populares que tomaram as ruas do Brasil naquele ano — o precariado. Em seguida analisaremos a resposta do Estado a esses conflitos e a esse grupo social específico tomando posse das ruas das grandes cidades: uma articulação entre as instituições do poder público para a sofisticação do seu aparato repressivo e para o desenvolvimento de um Estado de exceção dirigido; é aqui que vamos incluir uma discussão sobre o enfoque original da pesquisa, na medida em que o principal alvo desse Estado de exceção e desse aparato repressivo são aquelas pessoas que ousam exercer o seu direito de protesto, potencializando novas conjunturas de contestação social protagonizadas pelo precariado. Por fim, partindo do conceito de anomia, que aqui servirá como um contraponto ao conceito de autonomia que as mobilizações e movimentos antissistêmicos colocaram uma vez mais na ordem do dia, tentaremos explicar as condições que possibilitam um evidente paradoxo: o fato de a massa que atendeu às manifestações e deu corpo às revoltas estar sujeita a uma tensão permanente que a condiciona a ser atraída por discursos e práticas de caráter neofascista, legitimadores e reprodutores de um ímpeto de violência que mira nela mesma como alvo principal.
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